Quando viajo, acabo sempre perdido no tempo. Não sei se é segunda ou domingo. Demoro pra raciocinar há quantos dias estive em determinada cidade, e o primeiro cálculo mental acaba sendo sempre um chute para mais: "Foi há uma semana. Não, espera. Três dias...". Fora da rotina, conhecendo destinos e gente nova a toda hora, tenho impressão de viver em dobro. Este é um breve relato da viagem que fiz ao Peru durante um mês que, claro, me pareceu ter sido muito maior do que 30 dias.
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Comecei pousando em Cusco. Era mês de março, final da época de chuvas nos Andes – assim, as montanhas da cordilheira estavam esverdeadas. À medida que o avião se aproximou da cidade, o verde deu lugar ao alaranjado dos tijolos, cor que caracteriza qualquer cidade do Peru, já que são poucos os prédios ou as casas terminados. A maioria dos peruanos não faz reboco ou telhado em suas moradias para evitar um imposto sobre construções finalizadas.
O centro histórico de Cusco, construído dois séculos antes de inventarem tal imposto, é muito mais colorido. Suas edificações são bem conservadas e carregam os traços da cultura espanhola e a beleza da idade. As ruas estreitas, calçadas com pedras, completam os traços de uma típica cidade colonial, mas exigem certa atenção: no lugar das carroças e das mulas do passado, carros circulam em alta velocidade buzinando a toda hora, de maneira idêntica aos motoboys mais apressados.
Passei o primeiro dia perambulando a pé por entre tudo isso, tirando fotos, olhando pra cima para que a vista alcançasse as torres das catedrais e as fachadas ornamentadas com madeira esculpida e flores.
No dia seguinte, contratei um guia e um motorista. Me levaram até o topo de uma montanha, a 4,5 mil metros de altitude. Com mountain bikes um tanto precárias, descemos trilhas até chegar ao Rio Urubamba, no vale sagrado de Cusco, 2 mil metros abaixo. Foi uma experiência muito emocionante, mas o ponto alto da minha viagem ainda estava por vir: a trilha Salkantay. Alternativa à famosa, porém superlotada, Trilha Inca, Salkantay é uma caminhada de quatro dias até Machu Picchu. Tive a sorte de estar acompanhado por um grupo muito legal, com pessoas vindas de meia dúzia de países diferentes.
Conversávamos conforme a trilha deixava, mais animados nos trechos planos ou mais silenciosos nas subidas, na chuva ou quando o ar rarefeito tirava o fôlego. As conversas fluíam mesmo durante as refeições. Damien, o cozinheiro oficial, nunca deixava faltar comida. Ele oferecia mimos que não tenho nem em casa: panquecas de frutas e omelete no café da manhã, ceviche no almoço e até chá da tarde. Mas não se enganem: essa é uma empreitada que custa pouco, como quase tudo no Peru (US$ 230 para cinco dias, incluídos transporte, comida, hospedagem, entrada para Machu Picchu, trem de volta, guia...).
Diria que os primeiros dois dias foram os mais difíceis, como um verdadeiro trekking de alta montanha deve ser. Pedras, degraus, subidas, descidas, sol forte, chuva, riachos, o peso da mochila, a altitude, tudo isso eram obstáculos que se alternavam ou somavam à medida que eu andava cercado pelas montanhas. Não vi muitos animais, mas o cenário ao meu redor era sempre de cair o queixo.
Cruzei o ponto mais alto da caminhada no segundo dia, a 4,6 mil metros de altura, sempre acompanhado do Nevado Salkantay e seus 6.270 metros à minha direita. Os dois últimos dias foram mais turísticos, com caminhada relativamente leve, visita às águas termais e algumas atrações do tipo. Confesso que minhas pernas agradeceram.
Cheguei a Machu Picchu em um dia que amanheceu chuvoso e foi melhorando com o passar das horas, conforme as centenas de turistas chegavam em ônibus lotados. O fato de ter ido a pé dava a sensação de merecer um pouco mais tudo aquilo que via ao meu redor. Muito bem conservada, Machu Picchu me fez voltar no tempo imaginando como seria a vida por lá enquanto habitada pelos nativos. Entre templos, igrejas, casas e comércios, são mais de 140 construções. Para uma cidade de 600 anos, creio que não faltava nada.
Cânion del Colca
Voltei a Cusco de trem e comprei uma passagem de ônibus para Arequipa (por cerca de R$ 170, o mais caro). A viagem foi muito tranquila. Os ônibus das principais companhias são de primeiro mundo, mais confortáveis do que o avião que me levou do Brasil até lá. A maioria viaja durante a noite, e é possível encontrar passagens para as principais cidades em diversos pontos de venda.
Arequipa é conhecida como "a cidade branca", porque seu centro histórico foi construído, em maior parte, com pedras vulcânicas esbranquiçadas. Assim como em Cusco, a herança espanhola está em todos lugares, o que faz dela uma cidade bastante charmosa.
Por R$ 120, embarquei em uma viagem de cinco horas até o Cânion del Colca. Junto de um grupo e guia, desci a pé, por uma trilha que serpenteava a parede do cânion, até o rio que corria mil metros abaixo. Passei a noite em uma pousada que tinha até piscina e, no dia seguinte, fiz mais duas horas de caminhada até o topo do cânion, rodeado de condores, e aguentei mais cinco horas da volta a Arequipa em uma van apertada. Tudo isso pelos R$ 120. Com refeições incluídas.
Na beira do Pacífico
Enquanto viajar durante a baixa temporada tem a vantagem dos preços, a alta temporada (maio-agosto) oferece clima bem mais seco. Para poupar, me hospedei sempre em albergues com quartos compartilhados, onde uma diária com café da manhã saía por algo em torno de R$ 40. Em Huacachina, um oásis em meio às dunas da cidade de Ica, encontrei o pior deles.
Hostels são, geralmente, lugares alegres, simples e limpos, cheios de gente do mundo todo. Mas aquele fugiu da regra: era quente como um forno, e os banheiros tinham sido invadidos pelas dunas. Uma pena, pois Huacachina é um lugar fantástico, com todos os elementos de um oásis de filme: lago, palmeiras, barquinhos a remo e pequenas construções ao redor. Sandboard, passeios de buggy e o pôr do sol são suas principais atrações.
Segui até a reserva natural de Paracas, já à beira do Oceano Pacífico. Visitei, de barco, as Ilhas Ballestas, um santuário ecológico tomado por lobos marinhos. Os animais ocupavam todos os espaços planos e cavernas das ilhas. Os sons dos seus gritos ecoavam e se misturavam com o barulho das ondas. Gaivotas e outras aves sobrevoavam, caçavam peixes, dando a impressão de que eu estava em um programa do National Geographic.
No passeio, conheci um americano e um chinês que iriam para Lima à noite. Como, naquele dia, tínhamos a tarde livre, resolvemos alugar quadriciclos para conhecer as praias da reserva natural. Lá pela terceira praia, tudo estava indo muito bem. Fomos nos empolgando com os quadris, cada vez acelerando mais e jogando areia longe. Quando o chinês resolveu tentar uns saltos, comecei a ficar preocupado. Dez minutos depois, ele terminou a brincadeira com um joelho cortado, um guidão torto e as rodas dianteiras do veículo apontando para lados opostos.
Trilhas de bicicleta
Fui a Lima junto com o americano e o chinês, que lá pegaram cada um seu avião de volta pra casa. Eu embarquei num ônibus até Huaraz, 300 quilômetros ao norte, porta de entrada para o Parque Nacional Huascarán. Em questão de horas, saí do litoral e estava de volta à Cordilheira dos Andes. Nessa cidade, pude fazer algumas das melhores trilhas de mountain bike do país. Passei por vilarejos feitos de barro, parados no tempo. Pedalei em caminhos usados por pessoas e seus animais de carga para cruzar as montanhas há centenas de anos, como eu imagino que seja o Nepal.
Um dia, durante uma descida, em uma trilha calçada com pedras, sem querer assustei um porquinho amarrado à porta de uma casa. A corda estourou, e ele correu apavorado para o meio do mato. Depois, como não sabia se ele tinha voltado, me arrependi de não ter parado, pensando que talvez aquele porquinho representasse muito para quem morava lá.
A penúltima parada foi Huanchaco, uma praia calma e cheia de surfistas. Tão cheia que resolvi surfar pela primeira vez em meus 27 anos. Não foi uma experiência de muito sucesso, mas sobrevivi e, se tivesse mais tempo, teria tentado de novo.
De volta a Lima para o fim da viagem, tive dias bastante urbanos, ao contrário do que encontrei em Huaraz ou Huanchaco. Na capital, me hospedei em Miraflores, o bairro chique, perto do mar, com toda sorte de restaurantes, lojas e praças para passar o tempo.
Esse contraste foi, para mim, o que definiu o Peru nesses 30 dias. É possível ir do mar à montanha em horas, passar frio e calor na mesma tarde, conhecer oásis ou o maior lago da América do Sul. É possível ver dunas em um dia e caminhar sobre a neve em outro.
O povo peruano também recebe muito bem os turistas, o que faz do país sul-americano uma excelente escolha para quem deseja entrar em contato com uma cultura diferente sem gastar muito, seja um mochileiro ou um viajante mais requintado.