
Vivi em alguns lugares históricos ao longo dos anos, mas foi só quando passei um inverno em Chelsea que realmente senti como se estivesse dentro de uma maquete. Para o voyeurismo histórico, o bairro londrino é difícil de superar, especialmente se você tiver uma queda por escritores e artistas.
Todas as tardes, amarrava meus tênis e embarcava em caminhadas épicas, que acabavam em um encontro com meu amor no restaurante de ostras da Harrods. Depois de nos refrescarmos, atravessávamos as praças de alimentação cheias de tijolos alegres, escolhendo coisinhas para o jantar em casa: o local é como as Nações Unidas da gastronomia. Na saída, passávamos pelo departamento de vinhos no porão para comprar uma garrafa de claret, sherry, Chablis ou qualquer outra coisa que parecesse boa.
Então, caminhávamos o quilômetro e meio de volta para nossa casa em Embankment Gardens - depois de uma boa meia hora - indo pela Hans Place e pela Pont Street, passando em frente à antiga casa de Lillie Langtry. Você se lembra da "Jersey Lillie" - beldade, atriz, musa, concubina do Príncipe de Gales (entre outras coisas)? Ela jogava Whistler e trocava alfinetadas com Oscar Wilde.
Onde estávamos, mesmo? Descendo a Pont Street e entrando à direita na Sloane Street, em frente ao Cadogan Hotel, onde Wilde foi preso por detetives sob acusação de "indecência grave". Descendo a Rua Sloane até a Praça Sloane, seguindo em direção a oeste na King's Road, epicentro do Swinging London, nos anos 1960, quando Mary Quant vendeu suas primeiras minissaias que causaram furor.
Então, ziguezagueamos por uma alameda repleta de árvores que no século 17 era o caminho de entrada do Royal Hospital, descendo o St. Leonard's Terrace em direção à Tedworth Square, onde Mark Twain viveu por algum tempo. Na Tite Street, onde ficam as casas de Wilde e, alguns metros adiante, de John Singer Sargent - hoje se transformaram em casas de gente comum (sem querer ofender). Olhando rua abaixo, a visão do reflexo de uma lâmpada na superfície do Tâmisa me fez suspirar - já estava quase na hora de voltar para casa.

O Royal Hospital recebe ex-membros do exército britânico
Foto: Andrew Testa, The New York Times
Lista sem fim de moradores
Em nosso voo de volta, em março, depois de três meses de felicidade, fiz uma lista de memória de quais nomes eu me lembrava de ter visto nas placas azuis que mostravam que alguém importante viveu em determinado lugar: Bram Stoker (autor de Drácula); Handel e Mozart (você já sabe tudo sobre eles); Jerome K. Jerome (Three Men in a Boat); Dante Gabriel Rossetti (fundador da escola de pintura "pré-rafaelita"); Algernon Swinburne (poeta e muito safado); Hilaire Belloc (Jim, who ran away from his nurse and was eaten by a lion - "Jim, que fugiu da enfermeira e acabou comido por um leão", em tradução livre); J.M.W. Turner (pintor); Sir Thomas Carlyle (o Sábio de Chelsea, cujo manuscrito de A Revolução Francesa foi inadvertidamente atirado ao fogo pela empregada doméstica de John Stuart Mills); Carol Reed (dirigiu O Terceiro Homem); Henry James; T.S. Eliot; Alexander Fleming (da penicilina) e Ian Fleming (sem qualquer parentesco, eu acho); Jacob Epstein (escultor); Herbert Beerbohm Tree (produtor teatral das peças de Oscar Wilde); Sir Thomas More; e, quem diria, Henrique VIII.
Se você procurar na internet, vai encontrar dezenas de outros moradores de Chelsea, incluindo Mick Jagger e Keith Richards, Eric Clapton, Agatha Christie, Ava Gardner - bom, a lista não tem fim. Existem alguns subtemas engraçados, como os dois espiões da ficção que viveram lá: John le Carré, de George Smiley, e James Bond, de Ian Fleming.

Área residencial de Kings Road, epicentro do Swinging London, nos anos 1960
Foto: Andrew Testa, The New York Times
Os reis e o chanceler
O Royal Hospital, logo após os Embankment Gardens, é um lugar de imóveis realmente esplêndidos, construídos para serem as casas dos velhos soldados nos anos 1680 por Carlos II e projetados e erguidos por Christopher Wren.
Seguindo em direção oeste pelo Cheyne Walk, fica a Velha Igreja de Chelsea. Historiadores acreditam que, ali, em torno de 54 a.C., o exército de Júlio César encontrou um lugar para atravessar o rio em direção ao norte. Cerca de 12 séculos mais tarde, uma igreja foi construída no local.
Dois séculos depois disso, a igreja se transformou na capela do dono da terra, um tal de Sir Reginald Bray, enterrado aqui no túmulo da família. Foi ele que, após a Batalha de Bosworth Field, em 1485, teria encontrado a coroa de Ricardo III pendurada em um arbusto de espinhos. Ele a entregou ao sucessor de Ricardo, o Conde de Richmond, que viria a se tornar em Henrique VII, primeiro monarca Tudor e pai de Henrique VIII.
Algumas décadas mais tarde (agora já estamos no início dos anos 1500), a capela se tornaria parte da propriedade de Sir Thomas More, chanceler da Inglaterra. Seu patrono e amigo, Henrique VIII, o visitou em uma Chelsea rústica. A ocasião foi lindamente recriada no filme O Homem que Não Vendeu sua Alma.
Sua majestade gostou tanto de Chelsea que construiu um solar bem ao lado. Parte de sua parede ainda pode ser vista. Como você deve saber, More acabou disputando com o rei acerca de algum princípio teológico, incluindo o abandono de esposas. Conforme More disse a seu genro, William Roper, "Se minha cabeça ganhasse um castelo na França para ele, ela certamente rolaria".
O monarca realmente fez a cabeça do amigo "rolar" e a colocou em uma estaca na London Bridge para servir de aviso a outras pessoas que pudessem ter um ponto de vista diferente do de sua majestade. O pequeno jardim fechado ao lado da igreja, que já fez parte da propriedade de More, é conhecido como Roper's Garden.
A Velha Igreja de Chelsea quase foi destruída durante uma noite de bombardeios alemães especialmente intensos.

Decoração da Praça Sloane
Foto: Andrew Testa, The New York Times
Mais do que um mausoléu
O escultor Jacob Epstein costumava ter seu estúdio no Roper's Garden. Aqui, Epstein fez a escultura do cemitério Père-Lachaise, em Paris, enfeitando a tumba de alguém que vivia a poucas quadras dali, na Tite Street: Oscar Wilde.
Sei que passei a maior parte do tempo falando de gente morta. Então, deixe-me registrar que Chelsea não é um mausoléu, mas um lugar vivo e extremamente vibrante.