
A verdade é que, quando se é guri, o verão é bom porque dá para ficar na rua até mais tarde. Você que mora, ou se criou, no Interior deve saber que existem as modas do verão que só funcionam na cidade pequena. E, no Alegrete, década de 1990, veio a do tacobol.
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Explicarei a regra fronteiriça: dois tacos feitos em casa, duas latas de azeite vazias e uma bola de borracha, de preferência a Mercur. O campo é a rua de paralelepípedo, e o jogo só para quando passa carro. Na Barão do Rio Branco, via larga e agradável do maior município do Rio Grande, formamos a Liga da Barão.
Duplas eram montadas. Uma arremessava tentando derrubar as latinhas que eram protegidas, pela outra, com os tacos. Uma mistura de críquete indiano com beisebol americano. A Liga nunca teve um campeão porque as desavenças eram resolvidas no taco, algo extremamente perigoso.
Duplas esperavam a sua vez, e senti a raiva de uma bola de borracha. Chenéca, um dos maiores jogadores de taco da região, era potente com o bastão. Assistia eu à partida e, de repente, um tacaço certeiro leva a Mercur para a minha boca. O medidor de velocidade alcançou 134 km/h. Uma explosão.
É como se alguém lhe desse um murro na boca. Ao mesmo tempo, sua fala amolece, você perde as consoantes, e a sensação, junto à dor, é de que colocaram um ovo cozido no canto da sua boca. Ou de quando você sai anestesiado do dentista. O sangue faz sua parte para todo mundo se apavorar, e você, galo que é, precisa segurar o choro. Lágrimas de guri na frente de todo o bairro é fraqueza. O campeonato daquele dia seguiu, fui pra casa emburrado, perdi minha vez e só voltei dois dias após o ocorrido, com um corte na boca.
Nunca mais vi Chenéca depois de mudar-me da Barão. Pois que, dias desses, estava visitando um hospital de Porto Alegre – nada grave, mãe – e ouvi um "Baiano?" (quando cheguei no Alegrete, eu vinha da Bahia, por isso o apelido). Olhei e reconheci. Chenéca! Mais gordo, mais sadio, mais alto, com um avental de técnico de enfermagem. Nos abraçamos, felizes, e a primeira lembrança foi o bolaço na boca.
Chenéca contou que ajuda pessoas em seu trabalho. Quem tem dor, ele ajuda a tirar. Quem chega quebrado, ele conserta. Quem chora, ele abraça. Foi uma conversa rápida porque ele precisava dar uma força no leito 345. Nunca mais o vi depois de outro caloroso abraço.
Verões e amigos passam rápido demais. Infelizmente. Está aí algo que precisamos discutir melhor.