
Brincadeiras, lugares, objetos, pessoas e costumes que não voltam mais. Quando bate a nostalgia, é um misto de sensações. Vídeos até mesmo feitos com inteligência artificial têm brincado com a saudade ao mostrar comportamentos de décadas atrás (veja ao longo do texto).
Sobre os anos 1990 e 2000, as postagens trazem lembranças de programas como TV Globinho, das conversas via Orkut e da estética colorida. Essas décadas formaram crianças e adolescentes que tiveram algum contato com a tecnologia, mas que ainda não estavam totalmente imersos no mundo conectado.
— O que eu sinto mais saudade da minha infância é a parte do colégio, o recreio era bom. Às vezes, voltar para casa, jogar pião com os amigos, bolinha de gude, coisas que não se faz mais hoje. Todo mundo fica só no celular, não tem mais graça — opina o vigilante Kairo Lopes dos Santos, 25 anos, nascido em 2000.
Para o analista de qualidade Eduardo Vedovatto, 32 anos, que nasceu em 1993, as brincadeiras na rua ajudavam, inclusive, nas amizades:
— Era mais fácil ter gente junto. Tu fazias um amigo brincando na rua, chutando uma bola, caindo na casa do outro. Acho que é o que eu sinto mais falta.
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Saudade, nostalgia e a identidade de uma geração
O psicólogo social e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Adriano Roberto Afonso do Nascimento, que tem pesquisas sobre a área, destaca o tom de emoção vinculado à memória quando se fala em nostalgia e saudade. É recordar com tristeza ou alegria.
Como descreve o especialista, enquanto a saudade parece ser um sentimento mais cotidiano, de falta de pessoas, lugares e momentos, a nostalgia remete a algo mais distante, difícil de se ter novamente.
Ele explica ainda que o lado positivo desses sentimentos é que funcionam como uma forma de valorizar a própria vivência. Ou seja, de a pessoa saber que experienciou algo bom.
O professor ressalta também a relação com a identidade de uma geração:
— Tem outro aspecto que é positivo, que tem a ver com compartilhar essa ideia de coisas boas. Por exemplo, pessoas que têm nostalgia dos anos 1980, dos anos 1990, quando se encontram e vão falar desse momento, dos elementos que estavam nesse momento, quase sempre se recordam com prazer. Isso dá uma sensação de pertencimento a uma determinada geração que viveu coisas específicas.
Existe um lado negativo
Nostalgia e saudade se tornam prejudiciais quando "paralisam" uma pessoa, conforme exemplifica o psicólogo social:
— É quando se tem certeza de que foi mais feliz e de que esse momento de felicidade passou definitivamente, ficou para trás, porque a juventude ficou para trás ou porque uma fase feliz de um casamento, de uma relação passou. Ficamos presos naquilo que não existe mais. Esse aspecto de imobilismo é ruim na nostalgia e na saudade.
Ele afirma ainda que a situação atual de uma pessoa pode remeter às sensações de nostalgia e saudade: às vezes, a maior solidão, exaustão ou responsabilidade da vida adulta leva à memória de que, em outro momento, a vida não era assim.
— É uma espécie de filtro, porque vamos lembrar desses momentos da infância em que não tínhamos essas obrigações, em que podíamos viver, vamos dizer assim, com menos preocupação. Mas isso é uma coisa interessante, porque, para quem tem filho, percebemos que a infância não é um momento tão livre assim. São cobradas coisas relacionadas à escola e a tarefas, por exemplo — argumenta o especialista.
Outro ritmo de vida
A memória de uma vida menos compromissada faz parte da percepção da servidora pública Maria Carolina Pinto da Silva, 33 anos, nascida em 1992. O tempo parecia outro, como conta ao falar sobre do que sente saudade da infância:
— A parte de não estar preocupada com nada (risos). Só reparamos depois que crescemos. A questão do tempo nunca passar quando somos pequenos... parece que um ano, um mês, demora uma vida para passar. E hoje, 24 horas passam em cinco minutos.
O analista de dados Gabriel Viana, 28 anos, nascido em 1996, também sente saudade dessa falta de preocupação.
— É não ter responsabilidade. Era muito bom poder acordar de manhã e assistir à televisão, à TV Globinho na época. Era muito bom você acordar e não ter que se preocupar — recorda.
Os desenhos animados pipocam na memória da autônoma Victória Andreoli Silva, 31 anos, que nasceu em 1994. Ela lembra de gostar de Pica-Pau, Simpsons, Baby Looney Tunes e Pequena Sereia. As brincadeiras com bonecas também ficaram gravadas na lembrança.
"Grande depósito de objetos nostálgicos"
O psicólogo social e professor Adriano Roberto Afonso do Nascimento afirma que, a partir do que a cultura estabelece, as pessoas costumam romantizar certos momentos da vida, como a infância e a juventude. Os motivos: são fases que tendem a ser de maior vitalidade, expectativa e liberdade, em contraponto a outras etapas da vida.
Também é frequente a ideia de que o se viveu no passado é melhor do que o que é vivido pelas gerações atuais.
— Há uma tendência de as pessoas sempre considerarem que aquilo que elas viveram, no sentido de momento, da década, da geração, é mais interessante do que o que se vive hoje. E não temos dados objetivos que sustentem isso — complementa.
Os sentimentos são aproveitados e fomentados, inclusive, comercialmente. Como ressalta o psicólogo social, nas últimas décadas, os meios de comunicação de massa têm produzido conteúdos nostálgicos e disponibilizando de forma mais acessível, como no YouTube.
— Os meios, a internet... Virou um grande depósito, vamos dizer assim, de objetos nostálgicos — completa.
