
Para Taysi Borraz, 31 anos, publicitária que trabalha com criação de conteúdo, abrir o notebook em uma cafeteria já faz parte da rotina. Não é luxo, nem improviso. É estratégia.
— Sinto que nas cafeterias acabo rendendo mais, principalmente quando preciso fazer algum trabalho criativo — diz ela, que atua em regime remoto. — Em casa, a gente se distrai com facilidade. Sem falar que, às vezes, é legal mudar de ambiente e ver pessoas — reflete.
O hábito traduz uma tendência percebida em Porto Alegre, que, nos últimos anos, viu crescer o interesse do público pelas cafeterias. Esse movimento se reflete tanto no comportamento das pessoas quanto na efervescência do setor, com novos estabelecimentos abrindo na cidade — de espaços minimalistas a cafés temáticos, passando pelas franquias de grandes redes.
O costume de Taysi começou como uma alternativa eventual em 2019, quando passou a trabalhar remotamente, e acabou se tornando recorrente. Ao menos uma vez por semana, vai a uma cafeteria para cumprir tarefas e, ao mesmo tempo, fazer uma pausa mental. Nos finais de semana, também costuma frequentar esses espaços para tomar café da manhã com o marido ou encontrar amigos.
— São lugares em que me sinto segura emocionalmente, pois sei que posso sentar, fazer minha refeição e conversar com calma. Vejo como uma oportunidade de parar e realmente me permitir viver um momento mais desacelerado — diz.
Atendimento pessoal
O fenômeno é percebido por João Otto, fundador da rede Oh Brüder. A primeira loja, no bairro Passo D'Areia, foi aberta em 2019. Desde então, outras três unidades foram inauguradas, em uma expansão acelerada que, segundo Otto, está fortemente ligada ao aumento do interesse dos porto-alegrenses por esse tipo de espaço.
— As pessoas querem consumir produtos de qualidade e estão cada vez mais preocupadas com a procedência do que comem e bebem. Isso é um diferencial das cafeterias, que geralmente têm linhas de produção mais artesanais, diferentemente dos fast foods. É uma operação com um atendimento muito mais pessoal, e a gente vê que isso é importante para o público — afirma.
Segundo Otto, a relação com a clientela da Oh Brüder é tão próxima que duas das quatro unidades da rede são franquias abertas por ex-clientes — uma delas, por um casal que se conheceu na cafeteria.
— Temos clientes que vêm todos os dias trabalhar aqui, outros que tomam café da manhã conosco todo fim de semana. São pessoas cujas histórias conhecemos, sabemos o que gostam de pedir, temos uma conexão — relata.
Vínculos com os clientes
Gabriel Drumond, sócio do Brasco, que conta com cinco unidades em Porto Alegre, também vê o atendimento como um atrativo. Ele explica que a rede se posiciona como "a sala de estar do bairro", de forma que cada loja é pensada para atender às necessidades da vizinhança.
Algumas unidades funcionam também como espaços para happy hour e confraternizações noturnas. Em todas, o atendimento é um diferencial.
— Estimulamos que nossas equipes criem vínculos com os clientes. Então, acabamos participando da vida das pessoas. Já tivemos, por exemplo, clientes que se conheceram no Brasco e depois fizeram as fotos do ensaio de casamento aqui — conta.

Ambientes acolhedores
Felipe Guedes, proprietário da unidade da Rua dos Andradas da franquia Quiero Café, acredita que o público busca "experiências completas" e que as cafeterias têm se destacado justamente por atenderem a essa nova demanda.
— A experiência começa com o cliente sendo recebido com um sorriso e se sentindo acolhido no espaço. Um ambiente aconchegante, com uma decoração legal, onde ele se sinta bem para passar o dia inteiro ou fazer uma pausa rápida. O cardápio é a cereja do bolo — define o empreendedor.
Drumond, do Brasco, também acredita que o ambiente pesa na decisão do cliente. Ele explica que a decoração das lojas da rede é pensada com cuidado. Segundo ele, as pessoas querem estar em locais esteticamente agradáveis — ou "instagramáveis" — para que os momentos possam ser compartilhados nas redes sociais.
— A gente tenta fazer com que nossas lojas sejam lugares bonitos e aconchegantes, em que as pessoas queiram estar — completa Drumond.
Experiência completa
A assistente de direção Bárbara Lima, 24 anos, concorda. A jovem costuma frequentar cafeterias tanto para lazer quanto para trabalho e afirma que o ambiente é um dos principais fatores na escolha.
Para ela, é importante que os espaços tenham mesas grandes para acomodar seus materiais de trabalho — além, claro, do café e da comida que em algum momento irá pedir. Os locais também precisam oferecer tomadas, conexão à internet e uma decoração bonita.
A experiência (em uma cafeteria) tem que ser completa. Não adianta o lugar ter comida boa se o ambiente não for legal. Gosto que tenha um clima que me envolva.
BÁRBARA LIMA, 24 ANOS
Assistente de direção
Bárbara destaca que Porto Alegre já conta com muitas opções de cafeterias e que o setor continua crescendo. Ela acompanha as novidades da cidade por meio de influenciadores e portais como Destemperados. Muitas vezes, a decisão sobre aonde ir está relacionada ao estilo do ambiente.
— Acho legal ter essa diversidade. Quando quero pegar um solzinho, escolho um lugar com mesas ao ar livre. Se estou no clima de ver gatinhos, vou na cafeteria dos gatinhos. Ou seja, sempre tem um lugar que combina com o que estou buscando naquele dia — observa.
Para a assistente de comunicação interna Valentina Dal Castel, 24 anos, o ambiente chega a ser ainda mais importante que a comida.
— Não me importo de tomar um café simples e comer só um pão de queijo se o lugar for gostoso de estar — afirma. — O ambiente precisa ser aconchegante e ter uma decoração legal, mesmo que seja algo mais caseiro.
Brincadeira nas redes sociais
Valentina costuma usar cafeterias como local de trabalho para fugir da rotina por vezes monótona do home office, mas afirma que já frequentava esses estabelecimentos antes da popularização do modelo remoto. Para ela, a ida aos cafés tem um peso emocional: sua tia, que faleceu em 2023, adorava cafeterias e lhe transmitiu esse gosto.
— É uma lembrança afetiva, algo que me faz bem — diz.
Para a publicitária Taysi Borraz, a ida às cafeterias também evoca bons sentimentos. Ela acredita que muitas pessoas compartilham a mesma sensação e cita como exemplo a trend do "cafezinho superfaturado".
A brincadeira, que se popularizou nas redes sociais, aparece em postagens que remetem ao hábito e vêm acompanhadas por frases como "não há nada que um cafezinho superfaturado não cure".
Sou muito essa pessoa do 'cafezinho superfaturado'. Em dias nos quais não estou muito bem, ir a uma cafeteria me faz sentir melhor. Se estou trabalhando, fecho o notebook quando o café chega para viver aquele momento.
TAYSI BORRAZ, 31 ANOS
Publicitária
Taysi observa que o termo "superfaturado" não representa, necessariamente, uma crítica aos preços. O meme está mais relacionado ao fato de esses espaços terem se tornado sinônimos de autocuidado — o que impõe um gasto não essencial, mas que se tornou significativo para muitas pessoas.
— Há alguns anos, ir a uma cafeteria parecia algo muito chique. Hoje, isso se normalizou. Convivo com pessoas de diferentes classes sociais e vejo que esse hábito tem sido adotado por quase todo mundo, cada um frequentando o local mais compatível com seu poder aquisitivo — analisa.

A questão do consumo
Os proprietários de cafeterias ouvidos pela reportagem celebram o bom momento vivido pelo setor, com a consolidação do hábito entre os porto-alegrenses. Contudo, o novo padrão de comportamento também traz desafios.
O principal está relacionado à equação entre o tempo de permanência dos clientes e o valor consumido por eles nesse período. Com as cafeterias sendo cada vez mais usadas para trabalho remoto, é comum que a clientela permaneça por longas horas. Porém, nem sempre isso se traduz em consumo elevado, como comenta Felipe Guedes, da Quiero Café:
— Já recebemos pessoas que se instalam com o notebook, ocupam mesas disputadas durante oito horas, utilizam internet e energia elétrica, mas consomem apenas uma garrafa de água. A gente atende todo mundo bem, porque esse é o nosso papel, mas é inegável que esse comportamento nos prejudica.
Guedes pondera que a maioria dos clientes, especialmente os mais assíduos, não age dessa forma. O mesmo ocorre na Oh Brüder, segundo João Otto:
— Os nossos clientes fiéis têm um sentimento de pertencimento com o negócio. Eles apoiam e entendem o nosso lado. Dividem mesa, saem quando percebem que há fila e consomem, porque sabem que a Oh Brüder depende disso. É claro que existem pessoas com menos consciência, mas, felizmente, elas são minoria.
Cobrança por permanência?
O desafio da alta permanência com baixo consumo não é exclusivo de Porto Alegre. Em outras regiões, medidas já foram adotadas para contornar a prática. No Sudeste, algumas cafeterias proíbem o uso de notebooks nos espaços.
Já em cidades espanholas como Madri e Barcelona, estabelecimentos passaram a cobrar pelo tempo de permanência. Nessas cafeterias, a taxa pode fazer com que o valor dos itens triplique se o cliente permanecer por mais de uma hora, conforme reportagem da BBC.
Para os donos de cafeterias da capital gaúcha, embora a prática faça sentido em contextos específicos, ela não deve ser adotada em Porto Alegre.
— Madri e Barcelona são cidades extremamente turísticas, então os estabelecimentos precisam de uma rotatividade maior. Não dá para comparar com a realidade daqui. Também enfrentemos esse problema, mas o impacto, para nós, é muito menor — opina Guedes, da Quiero Café.
Otto acredita que a solução, no caso de Porto Alegre, deve seguir outro caminho. Ele cita o exemplo da Oh Brüder, que passou a oferecer refil de café para incentivar o consumo dos clientes que passam longos períodos no local. Assim, por um valor fixo, eles podem consumir a bebida ao longo do dia.
— É uma forma de contornar o problema e aproveitar esse bom momento que estamos vivendo. Ficamos felizes que as pessoas escolham nosso espaço e queremos que tenham motivos para voltar.





