
Aprovado na Câmara dos Deputados na noite de quarta-feira (20), o projeto de lei (PL) 2.628/2022 — conhecido como "ECA Digital" ou "PL contra a adultização de crianças" — tem como objetivo proteger crianças e adolescentes e prevenir crimes contra eles no ambiente virtual. Para isso, regulamenta a atuação de plataformas digitais, impondo regras de transparência, moderação de conteúdo e responsabilização.
O texto, que agora retorna ao Senado para nova votação devido às mudanças feitas pela Câmara, levou em consideração múltiplas perspectivas.
Ao longo de três audiências públicas, a Comissão de Comunicação ouviu autoridades e especialistas em proteção da infância e adolescência, proteção de dados, direito do consumidor, saúde mental e aspectos técnicos de arquitetura de plataformas. Representantes de empresas do setor também se manifestaram sobre o PL.
Construção coletiva
O gerente de Relações Governamentais do Instituto Alana (entidade de defesa da criança e do adolescente) Renato Godoy, que acompanhou o projeto desde as audiências públicas à votação, elogia o texto aprovado pela Câmara, que considera "uma conquista da sociedade civil brasileira":
— O PL é uma construção de diversas organizações, da sociedade com o parlamento. Contou com a colaboração, o aprimoramento e as adequações sugeridas por todos os campos da sociedade, incluindo as próprias empresas, que são citadas como proponentes de alterações de emendas.
Na visão de Godoy, o texto aprovado traz um extenso rol de proteção a crianças e adolescentes e é uma resposta "madura e sólida" à sociedade brasileira.
— O PL teve amplo apoio da Câmara dos Deputados. A gente sabe como é difícil, em um momento como o atual, ter consensos sobre determinados assuntos, e felizmente a proteção de crianças e adolescentes no ambiente digital foi um consenso, com poucos parlamentares manifestando seus votos contrários — afirma o especialista.
Em seu entendimento, as regras que devem ser estabelecidas pela lei são factíveis e inspiradas nas melhores práticas internacionais. Ele também ressalta que muitas das regras já são operadas em outros países.
Responsabilidade pelas crianças
A adoção de mecanismos de monitoramento e fiscalização parental está entre as medidas apresentadas pelo PL. Para a psicóloga Laura Mirapalhete Graña, esse é um recurso importante, pois traz mais assistência às famílias para cuidar das crianças no ambiente digital:
— Uma criança sozinha na internet é como uma criança sozinha na rua. Está exposta a sofrer assédio, exploração sexual, aliciamento sexual por adultos, cyberbullying, incentivo à automutilação, até aliciamento a organizações criminosas em alguns contextos. Uma criança não é responsabilidade só da família: é da família, da sociedade e do Estado.
"Árbitros da verdade"
O debate em torno do ECA Digital reflete um dilema global sobre como proteger crianças e adolescentes na internet, equilibrando a responsabilização das plataformas digitais e liberdade de expressão. O advogado especialista em direito digital e cibersegurança Alexander Coelho alerta:
— O risco é transferir para as empresas privadas o papel que seria do Judiciário. Por medo de serem punidas, elas vão atuar como "árbitros da verdade", entre aspas, sem o devido processo legal.
Conforme o especialista, a responsabilização deve vir sempre depois de um possível abuso, e não de forma preventiva. A situação também foi apontada por participantes das audiências públicas, como Jamil Assis, diretor de Relações Institucionais do Instituto Sivis, e Roberta Jacarandá, representante do Conselho Digital.
A maneira como esse monitoramento deve ser feito pelas plataformas digitais, caso o projeto vire lei, depende de regulamentação do Poder Executivo. O detalhamento da implementação da lei deve ocorrer em até um ano após a aprovação.




