
Uma enfermeira do Hospital Pronto Socorro (HPS) de Canoas recebeu, na após um plantão de 12 horas, a notícia de que estava demitida. A mensagem chegou pelo celular na noite da última quarta-feira (4), sem aviso prévio, reunião.
Outros profissionais — estima-se entre 500 e 600 — foram desligados em decorrência do fim de um contrato de gestão entre a prefeitura e uma entidade hospitalar.
A cena, que poderia parecer exceção, tem se tornado cada vez mais comum, mas, segundo a especialista em gestão de pessoas, Ylana Miller, não é recomendável, pois não se trata de uma prática humanizada (confira dicas abaixo).
— A demissão deve ser feita com empatia, reconhecendo as contribuições da pessoa e explicando os motivos do desligamento. O respeito no processo reforça a imagem e reputação da empresa, especialmente em situações delicadas como a demissão — diz.
Em tempos de vínculos digitais e ambientes de trabalho mediados por aplicativos, desligamentos por WhatsApp, e-mail ou telefone ainda causam incômodo, dor e dúvidas sobre a legalidade do ponto de vista jurídico e os impactos para quem sai e quem fica.
Não é proibido, mas tem que ter clareza
O advogado trabalhista Eduardo Felype Moraes explica que a legislação brasileira não proíbe que uma demissão seja comunicada por meios digitais, desde que o conteúdo seja claro, direto e comprovável.
— A CLT (Consolidação das Leis do Trabalho) não exige que a demissão seja presencial. Porém, a comunicação precisa ser inequívoca e formal, informando ao trabalhador os termos do desligamento e o pagamento das verbas rescisórias. Mensagens mal formuladas ou dúbias podem gerar conflitos — explica.
O especialista em Direito do Trabalho Diego da Veiga Lima também reforça que a prática, apesar de moderna, não encontra vedação legal:
— As empresas podem demitir por WhatsApp, telefone ou e-mail. Não há uma proibição legal para isso, e o Tribunal Superior do Trabalho (TST) já se posicionou no sentido de que é possível e viável esse tipo de desligamento — afirma.
No entanto, ambos os especialistas destacam que a maneira com que essa demissão é comunicada importa. Veiga Lima ressalta que existem diversas jurisprudências tratando de demissões feitas por mensagem. Em todos os casos, a validade está condicionada à confirmação de que o trabalhador leu e entendeu o conteúdo.
— A comunicação deve ser clara, objetiva e não ofensiva. Além disso, a ausência de contato presencial aumenta o risco de más interpretações, o que exige ainda mais cautela na formulação da mensagem — pontua o advogado.
O WhatsApp não é o melhor espaço para lidar com resignações ou discussões sobre o motivo do desligamento. Isso deve ser feito pessoalmente ou com acompanhamento do RH
DIEGO DA VEIGA LIMA, ADVOGADO
O especialista destaca ainda que o WhatsApp pode ser usado para informar sobre prazos do aviso prévio, formas de assinatura de documentos (inclusive digital) e orientações sobre o pagamento das verbas rescisórias — desde que tudo esteja em conformidade com a legislação trabalhista.
Frieza das mensagens
Segundo o advogado Glauco dos Reis da Silva, membro da Sociedade dos Advogados Trabalhistas do Estado do Rio Grande do Sul (Satergs), o importante é que o empregado seja efetivamente informado, e que os trâmites legais sejam cumpridos.
— A forma da comunicação pode ser questionada se ofender direitos fundamentais do trabalhador, como o respeito e a dignidade. A ausência de uma abordagem humana e respeitosa pode ser interpretada como constrangimento moral ou violação à boa-fé objetiva, o que tem gerado pedidos de indenização por danos morais — explica Silva.
Justa causa exige cuidado redobrado
Veiga Lima alerta para os cuidados nesses processos, e cita o exemplo do desligamento por justa causa — em que é obrigatório constar o motivo da punição, conforme o artigo 482 da CLT.
— A formalidade é essencial nesse tipo de demissão. E ainda mais importante é não utilizar o WhatsApp como um canal para discutir ou justificar a decisão. Esse não é o momento para fazer feedbacks — alerta.
Para ele, tentar corrigir erros ou apontar falhas no momento da dispensa — ainda mais por mensagem — é um erro estratégico e jurídico.
Cuidados na hora das demissões
- Garantir uma comunicação formal e respeitosa, sem margem para interpretações ofensivas;
- Informar com clareza sobre os procedimentos, como aviso prévio e pagamento das verbas rescisórias;
- Reconhecer que é um momento emocionalmente delicado para a pessoa demitida;
- A liderança deve ser cuidadosa na forma de se comunicar;
- Deixar sempre aberto o espaço para uma conversa presencial ou por telefone, se necessário;
Danos morais
Há situações, porém, em que o processo de demissão pode gerar danos morais. Silva cita casos em que empregadores enviam mensagens padrão para diversos funcionários ao mesmo tempo, demitem fora do expediente ou negam qualquer possibilidade de diálogo.
— Uma mensagem como: "Você não serve para nada, pode se considerar fora da empresa", enviada por aplicativo, configura assédio moral. O mesmo vale para comunicações feitas em grupos de WhatsApp ou com cópia para colegas, e também para ironias, brincadeiras ou negativas de diálogo. O Judiciário tem sido rigoroso nesses casos — afirma.
A comunicação precisa ser inequívoca e formal, informando ao trabalhador os termos do desligamento e o pagamento das verbas rescisórias. Mensagens mal formuladas ou dúbias podem gerar conflitos
EDUARDO FELYPE MORAES
ADVOGADO
Veiga Lima reforça que a ausência de contato presencial pode ser um complicador, especialmente quando há dúvidas ou reações emocionais:
— O WhatsApp não é o melhor espaço para lidar com resignações ou discussões sobre o motivo do desligamento. Isso deve ser feito pessoalmente ou com acompanhamento do RH. A frieza da mensagem pode gerar a sensação de desprezo e desrespeito, especialmente se o trabalhador estiver em momento de fragilidade.
Especialistas pontuam que as empresas podem responder judicialmente sobre demissões comunicadas de maneira desrespeitosa.
— O Judiciário analisa o contexto. Mesmo que a demissão digital seja aceita, a forma como ela é feita pode configurar abuso de direito. O Judiciário tem valorizado o respeito à dignidade, a preservação da honra do trabalhador e a proporcionalidade no conteúdo das mensagens — conclui Silva.
Peso emocional
Do ponto de vista psicológico, o impacto de uma demissão feita por WhatsApp ou e-mail pode ser profundo. Para a psicóloga Denise Milk, a forma da comunicação é tão importante quanto seu conteúdo.
— Quando o canal escolhido transmite frieza ou desconsideração, o desligamento tende a ser percebido como um ato abrupto, impessoal e desumanizado — afirma.
Sentimentos como humilhação, raiva, perplexidade e desamparo são comuns, principalmente quando não há acolhimento ou escuta. Em casos mais graves, podem surgir quadros de ansiedade e depressão.
“Fui bloqueada”
A jornalista Jéssica Nascimento, 33 anos, passou por uma experiência de desligamento por WhatsApp durante a pandemia. Após avisar o gestor de que havia recebido uma proposta de outra empresa, foi surpreendida:
— Ele disse apenas que eu podia passar no RH pedir minha demissão e, em seguida, me bloqueou — relata.
Segundo ela, o problema não foi o aplicativo, mas a falta de respeito e humanidade no trato. Depois da demissão, ainda sofreu retaliações e tentativas de boicote em seu novo trabalho.
Nem só jovens, nem só startups
Embora exista uma percepção de que as novas gerações são mais habituadas a interações digitais, isso não torna os desligamentos frios menos dolorosos. A psicóloga Denise afirma que, independentemente da idade, o que machuca é a ausência de empatia:
— Um jovem pode até aceitar uma videochamada com mais naturalidade, mas não aceitará ser tratado como um número. O meio pode ser digital, mas a mensagem precisa ser humana.
Assédio moral digital
Veiga Lima alerta que, apesar de digitais, as demissões seguem os mesmos princípios éticos e legais. Ou seja, mensagens ofensivas, desabonatórias, humilhantes ou enviadas em grupos da empresa podem configurar assédio moral.
— Parece absurdo, mas há casos em que o empregador demite alguém no grupo do WhatsApp da equipe. Isso é completamente inadequado e pode gerar condenações judiciais — adverte.
Ele destaca que o Judiciário analisa o conteúdo da mensagem com rigor. Se houver elementos que causem constrangimento ou ofendam a dignidade do trabalhador, é possível que a empresa seja responsabilizada.
— A demissão tem que ser clara, cordial e objetiva. E, de preferência, quando houver dúvidas ou resistência do trabalhador, o ideal é conduzir o restante do processo presencialmente ou com mediação adequada — afirma.
Efeitos das demissões "frias"
Ainda segundo a psicóloga, o modo como uma empresa desliga um colaborador pode causar um efeito silencioso e corrosivo nas equipes que permanecem.
— Quando o desligamento é mal conduzido, quem não foi demitido também se sente em risco. O ambiente se torna permeado por medo, desconfiança e cinismo. Isso mina a segurança psicológica e prejudica o engajamento e a retenção de talentos — explica.
Ela defende que todo desligamento, mesmo em ambientes mais formais ou remotos, deve incluir um mínimo de escuta, respeito e clareza.
— Isso não é frescura. É saúde relacional. É o que chamo de “psicodinâmica do encerramento”: o momento em que a pessoa organiza simbolicamente sua transição. E isso só acontece quando ela se sente minimamente acolhida — detalha.
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