
Dados sobre religião do Censo 2022, divulgados pelo IBGE no início de junho, mostraram que o Rio Grande do Sul é um Estado com grande diversidade religiosa. Ficam em território gaúcho as cidades mais católica (Montauri), mais evangélica (Arroio do Padre), mais adepta às religiões de matriz africana (Viamão) e a mais sem religião do país (Chuí).
Os feitos já haviam sido registrados no Censo de 2010, com a diferença de que, naquele ano, o município brasileiro com o mais alto percentual de praticantes do culto aos orixás era Cidreira, no Litoral Norte. À época, o RS destacou-se como o Estado com a maior proporção de seguidores das religiosidades afro, posto que se manteve no levantamento seguinte.
Ainda assim, em 2010, a maior parte da população gaúcha com mais de 10 anos (o recorte etário utilizado para as análises religiosas do Censo) declarou ser adepta do catolicismo. O RS permaneceu um Estado de maioria católica no levantamento de 2022, mas a religião perdeu seguidores nesse intervalo temporal, caindo de 69,3% para 60,3%.
Em contrapartida, aumentou a proporção de evangélicos, de adeptos às religiões de matriz africana, de seguidores de outras religiosidades e de pessoas sem religião, o que demonstra a força da diversidade religiosa no RS.
Mas o que faz do RS um lugar de tão distintos e variados credos? Para o professor do Programa de Pós-Graduação em Antropologia Social da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Emerson Giumbelli, uma resposta está na diversidade dos povos que participaram do processo ocupação territorial do Estado.
O RS recebeu imigrantes europeus de diferentes nacionalidades ao longo dos séculos XIX e XX, o que ajuda a explicar a presença de religiões cristãs de vertentes variadas, uma vez que o cristianismo predomina no velho continente. Além disso, o Estado foi um dos principais destinos de africanos escravizados no Brasil, sobretudo entre os séculos XVIII e XIX, o que permite compreender a força das religiões originárias da África no RS.
— Desde muito cedo o Rio Grande do Sul apresenta essa característica de diversidade religiosa, que tem muito a ver com a história da formação do Estado e os diferentes movimentos migratórios que fazem parte dela — diz Giumbelli, que integra o Núcleo de Estudos da Religião da UFRGS.
Para o padre Rafael Fernandes, coordenador do curso de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), a localização geográfica do RS, na ponta do Brasil, também contribui para o cenário.
Fernandes explica que, à época do Brasil Colônia, a coroa portuguesa demorou a enxergar o Estado como um território que merecia esforços de colonização, justamente por conta de sua localização mais ao Sul. Desta forma, a presença do clero católico não se deu de forma tão intensa, o que permitiu que mais experiências religiosas frutificassem por aqui.
— A preocupação da coroa portuguesa foi mais no sentido de enviar tropas e alguma população para habitar e demarcar a posse sobre território, mas poucos padres. Isso criou uma atmosfera de maior liberdade religiosa. Inclusive, o próprio catolicismo que se desenvolveu no Estado durante esse período era um catolicismo mais popular e menos institucionalizado — explica.

A cidade mais católica
Apesar disso, em algumas regiões do Estado a predominância é do catolicismo tradicional, com forte influência europeia. Exemplo disso é Montauri, cidade gaúcha que ocupa o posto de mais católica do país.
Dos 1.499 habitantes do município que responderam a questões sobre religião ao Censo, 1.343 declararam seguir a Igreja Católica Apostólica Romana. Assim, 98,32% da população de Montauri é católica — o maior percentual registrado no país.
Conforme Giumbelli, o dado está associado, principalmente, à imigração italiana que faz parte do processo de formação da cidade.
Oriundos de um dos países mais católicos do mundo — cerca de 80% da população da Itália segue a Igreja Católica, conforme dados do Catholic World Mission —, os imigrantes que chegaram ao território que hoje corresponde a Montauri no século XX, levaram consigo a tradição religiosa.
A crença foi passada de pai para filho e se estabeleceu como uma característica da população da cidade. Marcas da fé católica são vistas também pelas ruas do município, cujas residências comumente ostentam imagens de santos católicos junto à fachada.
O panorama é semelhante ao dos outros oito municípios gaúchos que figuram na lista dos 10 mais católicos do país (veja o ranking abaixo).
- Montauri (RS) - 98,32%
- Centenário (RS) - 97,77%
- União da Serra (RS) - 96,73%
- Vespasiano Corrêa (RS) - 96,70%
- Nova Alvorada (RS) - 96,60%
- Coqueiro Baixo (RS) - 96,42%
- Barra do Rio Azul (RS) - 96,37%
- Progresso (RS) - 96,33%
- São João do Oeste (SC) - 96,22%
- Itapuca (RS) - 96,13%
— Olhando para o mapa do RS, vemos a tradição do catolicismo muito forte na região Nordeste, justamente onde está situada Montauri e outras cidades com altos percentuais de católicos. Essa região foi a que mais recebeu imigrantes italianos e também poloneses, outro país que muito católico — explica Giumbelli.

A cidade mais evangélica
No caso da cidade mais evangélica do Brasil, Arroio do Padre, o cenário também tem influência da imigração — mas, neste caso, a alemã e pomerana. O município do Sul teve sua formação marcado pela vinda de famílias da Alemanha e da antiga Pomerânia, locais de tradição evangélica luterana.
No Censo de 2022, de um total de 2.353 pessoas com mais de 10 anos que responderam às questões sobre religião, 2.088 se declararam evangélicas. Na cidade, apenas 66 pessoas disseram ser católicas — o que faz de Arroio do Padre, além de a cidade mais evangélica do Brasil, também a menos católica do país.
Assim, os evangélicos formam 88,7% da população. Conforme Fernandes, o percentual, em grande maioria, é de seguidores do luteranismo, ligado ao movimento protestante, e não de evangélicos pentecostais.
A crença religiosa foi uma das bases da fundação do município e atravessou gerações — algo que, conforme Fernandes, é comum em cidades interioranas, com baixo número populacional e forte senso de comunidade.
— Cidades pequenas têm uma vivência comunitária muito maior que cidades grandes, o que permite que as tradições sobrevivam e tenham maior longevidade. As raízes, sejam elas da religião, dos costumes ou da cultura, são protegidas pelo senso comunitário — diz o professor da PUCRS.

A cidade mais adepta às religiões de matriz africana
Viamão, na Região Metropolitana, figura como a mais adepta às religiões de matriz africana. O termo inclui a umbanda, o candomblé e vertentes regionais como o batuque gaúcho.
No município, 9,32% da população disse cultuar os orixás no Censo 2022. Como é característico das regiões urbanizadas, com menor vivência comunitária, o percentual não representa uma maioria. Ainda assim, foi o maior registrado no país, superando em muitas vezes média nacional, que é de apenas 1%.
Além de Viamão, outras cidades gaúchas ostentam as maiores taxas destas crenças. Na lista das 10 cidades brasileiras com maior proporção de praticantes de religiões de matriz africana, nove estão no RS:
- Viamão (RS) - 9,32%
- Cidreira (RS) - 9,30%
- Rio Grande (RS) - 9,28%
- Alvorada (RS) - 8,99%
- Mongaguá (SP) - 8,85%
- Bagé (RS) - 7,28%
- Pelotas (RS) - 7%
- Capão do Leão (RS) - 6,96%
- Balneário Pinhal (RS) - 6,87%
- Santa Vitória do Palmar (RS) - 6,81%
Neste cenário, o Rio Grande do Sul tem o maior percentual de praticantes de religiões de matriz africana entre os Estados, com os seguidores destas fés formando 3,2% da população.
Conforme Fernandes, a forte presença das religiões de matriz africana no RS está relacionada ao grande número de africanos que foram escravizados aqui, sobretudo durante o período das charqueadas, que transformaram o Estado em um dos principais centros da escravidão no Brasil.
Os africanos submetidos ao trabalho compulsório traziam consigo a tradição do culto aos orixás, que se estabeleceu no RS como um fator de identidade para a população afro-gaúcha, como destaca o professor da PUCRS.
— A religiosidade é um importante instrumento de afirmação para as pessoas negras. E apesar de percebermos que ainda há preconceito contra as religiões de matriz africana, tem crescido o respeito, o que deixa as pessoas mais livres para expressarem a sua fé — reflete Fernandes, destacando o crescimento deste grupo religioso em relação ao Censo de 2010.

A cidade mais sem religião
Também aumentou a proporção de pessoas declaradas sem religião, denominação que engloba ateus, agnósticos e quem vivencia a fé de maneira não institucionalizada. O grupo representava 5,7% da população do Estado em 2010, percentual que subiu para 8,8% em 2022.
A gaúcha Chuí, cidade mais ao sul do Brasil, é também a cidade mais sem religião do país. Com 37,8% da população declarando não seguir nenhuma vertente, o município é o único do país em que o grupo dos sem religião supera os demais grupos. O feito já havia sido registrado em 2010.
Para Giumbelli, a peculiaridade está relacionada à proximidade da cidade com o Uruguai, um dos países mais secularizados do mundo, conforme o professor da UFRGS.
— O Uruguai tem uma situação religiosa muito diferente do Brasil e do restante do continente, porque passou por um processo de secularização bastante acentuado. No Uruguai, em torno de 40% da população não tem religião. Esse percentual é muito parecido com o do Chuí, um município pequeno, que tem muita influência do país vizinho — conclui.