
“Trabalhar de acordo com o seu relógio biológico”, é isso o que a jornalista britânica Ellen Scott propôs ao criar o termo chronoworking (ou cronotrabalho, em tradução livre), em 2024. Trata-se de um regime com flexibilidade de horário e que leva em conta o turno de melhor desempenho do profissional — de acordo com o cronotipo de cada pessoa.
Na teoria, o profissional teria flexibilidade para cumprir suas demandas em horários nos quais o seu corpo funciona melhor. O primeiro passo para tornar realidade essa modalidade é entender qual é o cronotipo do trabalhador — ou seja, qual horário o seu corpo está mais ativo e disposto.
A hora de acordar é uma escolha genética e não pode ser modificada. Na linguagem científica, isso é chamado de cronotipo: cada pessoa tem um relógio biológico próprio, que controla a ação humana desde a produção de hormônios a comportamentos como dormir e acordar.
Matutinos e vespertinos
Os matutinos são aqueles que preferem acordar no início do dia e realizar a maioria das atividades entre a manhã e à tarde. Já os vespertinos têm a preferência por acordar um pouco mais tarde e cumprir os compromissos no período depois do meio-dia até à noite — incluindo madrugada. Os intermediários ficam entre os dois outros grupos.
Para além de apenas uma preferência para dormir e acordar, a nutricionista e doutora em Cronobiologia Leticia Ramalho explica que os cronotipos influenciam na alimentação, foco e desempenho mental.
— Uma pessoa que é vespertina, ou seja, ela tem uma dificuldade de acordar cedo e ela tem dificuldade de dormir cedo, se ela tem um trabalho que tem que acordar muito cedo, ela pode ter sim problema de atenção, de foco e de desenvolvimento no trabalho — pontua a especialista.
Quais os benefícios e como aderir ao chronoworking
Ellen Scott explica que entender os picos e quedas de energia que naturalmente acontecem ao longo do dia pode ser o primeiro passo para colocar em prática um “trabalho mais individualizado”.
A jornalista destaca que a modalidade não deve ser "sinônimo de caos" ou representar ausência de interação entre os colegas. O objetivo é ter maior flexibilidade.
Por isso, ela sugere que as empresas estabeleçam horários específicos para colaboração presencial ou online (de maneira síncrona): períodos em que reuniões possam ser realizadas e demandas discutidas.
Abrir mão do tradicionalismo e apostar na confiança entre empresa e trabalhador pode ser a chave para o cronotrabalho, conforme Ellen.
— Levará tempo para construir essa confiança e haverá muita resistência em ceder. As organizações funcionam de forma hierárquica e de cima para baixo há séculos, então mudar isso não será um processo da noite para o dia — projeta.
Pontos de atenção
Se na questão cultural pode haver resistência, do ponto de vista legal o modelo teria espaço dentro das empresas brasileiras, conforme a advogada trabalhista Bruna Susanne Mollmann Ferreira. Porém, ela ressalta a necessidade de respeito às leis do setor.
— Entendo que existe sim espaço para que as empresas adotem modelos de jornada baseados no cronotipo do colaborador, desde que respeitados os direitos fundamentais previstos na Constituição e na CLT, como controle de jornada, limite de horas trabalhadas, intervalos e pagamentos dos devidos adicionais — afirma.
A advogada chama a atenção para alguns pontos da legislação que as empresas não podem deixar de lado "tanto para sua própria segurança, quanto para proteção do trabalhador":
- Jornada padrão de até oito horas diárias e 44 horas semanais — com possibilidade de até duas horas extras por dia
- Previsão do pagamento do adicional de 20% sobre a hora diurna para quem trabalha no período entre às 22h e às 5h
- Intervalo de interjornada determina um descanso mínimo de 11h consecutivas entre o término de uma jornada e o início da próxima
Trabalho e saúde

A flexibilidade de horário de trabalho, em si, não é novidade nem a primeira proposta que visa a qualidade de vida e um desempenho mais eficiente do trabalhador. Home-office, modalidade híbrida, horário núcleo e até discussões como o fim da escala 6x1 colocam em perspectiva uma série de dinâmicas de trabalho.
Em janeiro de 2024, Ellen Scott publicou um artigo com tendências trabalhistas que ela esperava para o ano. Entre elas, estava o chronoworking.
O texto apresentava outros itens como a “resistência ao trabalho não remunerado nas fases de entrevista”, continuação do trabalho híbrido e a otimização do trabalho, frente a produtividade.
No artigo, ao propor a ascensão do cronotrabalho, ela ressalta a importância da interação entre trabalho e saúde. Além de ressaltar o papel da confiança nesse processo.
À reportagem, a jornalista disse que recebe com otimismo o fato do termo ter se espalhado pelo mundo e incentiva conversas sobre trabalhos mais saudáveis e equilíbrio entre vida pessoal e profissional:
— Também precisamos ser honestos; parar de penalizar as pessoas por quererem trabalhar menos, apenas admitir que todos gostaríamos de um pouco mais de vida no nosso equilíbrio entre trabalho e vida pessoal — destaca a jornalista do Reino Unido.
Juventude no mercado
Ellen afirma que, apesar do cenário não ser o ideal, está “esperançosa para o futuro” principalmente pelos debates atuais.
Além disso, a jornalista destaca a importância da juventude nesse papel, assunto que ela fala no livro Trabalhando com Propósito, que ainda não foi lançado.
— O que me deixa otimista é a forma como vejo os trabalhadores mais jovens se recusando a aceitar práticas de trabalho tóxicas. (...) A geração mais jovem tem abordagens muito mais saudáveis do que eu tinha quando comecei: eles são ambiciosos, mas de uma forma que não significa sacrificar seu bem-estar — diz.
Ellen também defende a importância de um trabalho com propósito e um ambiente que traga benefícios e prazer ao colaborador — já que o emprego acaba ocupando uma significativa parcela da vida das pessoas.
— Espero que no próximo ano a gente comece a questionar o que nossos empregos nos oferecem além de dinheiro. Não deveríamos simplesmente aceitar passar uma grande parte do nosso tempo fazendo algo que nos deixa infelizes. Espero que no próximo ano a gente comece a pedir mais: um trabalho significativo, gratificante e que a gente realmente goste — conclui.
*Produção: Estfany Soares