
Ir a uma banca procurar uma revista já não faz tanto parte da rotina da população como há alguns anos. Quem diz isso são os donos dos empreendimentos. Por isso, boa parte das pequenas estruturas metálicas espalhadas por Porto Alegre nos últimos anos tiveram que mudar seu foco.
É o caso da banca Look, que existe há 25 anos e fica na Rua José de Alencar, esquina com a Múcio Teixeira. Comandada há quase uma década por Mozart Cancionieri, 58 anos, é referência em troca de figurinhas — os interessados se reúnem por ali todo sábado. Porém, o sustento vem de outros produtos.
— Em uma luta na Câmara de Vereadores, nosso sindicato conseguiu que mudássemos nosso alvará de banca de revistas para loja de conveniência. A única coisa que estamos proibidos de vender é bebida alcoólica, porque vem muita criança aqui. Foi isso que deu longevidade para as bancas — diz Mozart.
Lei oportunizou transformação
A mudança citada pelo jornaleiro veio com a lei municipal 12.779/2020, que regulamentou os elementos do mobiliário urbano. Assim, as bancas de jornais e revistas passaram a comercializar produtos de conveniência, como itens de bomboneria.
Atualmente, há 170 bancas licenciadas na Capital, representando uma queda de 14,14% frente às 198 de 2015 — para muitos, uma redução pequena frente à grande transformação digital.
Ernesto Pereira da Silva, presidente do Sindicato dos Vendedores de Jornais e Revistas do RS, afirma:
— O sindicato foi o maior responsável por estas mudanças. Ao perceber a velocidade com que a comunicação digital avançava, fomos atrás de autorizações para a comercialização de novos produtos.
Diversificar é o segredo

Na Avenida Praia de Belas, em frente a uma antiga agência do Banrisul, o proprietário da banca Beira-Rio, Gilberto Bergallo, 55, que assumiu o ponto há 10 anos, ainda tenta destacar os impressos para atender o público que não abre mão de folhear o papel.
Com a escassez de títulos novos, vai em busca dos usados, dando uma sobrevida a revistas e livros. Ainda assim, o esforço não é suficiente para a sustentabilidade do negócio, que sofreu com a pandemia e a enchente — após a tragédia climática, diz o proprietário, o movimento despencou.
— Temos que tentar diversificar ao máximo. Aqui, tem semijoias, cabos de celular e tento trabalhar forte com bomboneria — enfatiza Gilberto. — Nosso público principal era o mais idoso, que prefere leitura no papel, mas esse vamos perdendo aos poucos, não sendo substituído na mesma proporção pelos jovens.
"As pessoas precisam ler mais", diz dona de banca
Sócia da banca São Jorge, que fica no Largo Glênio Peres, em frente ao Mercado Público, Nara Regina dos Santos, 54, segue concentrada na venda de impressos, apostando em revistas e jornais, inclusive do Rio de Janeiro e de São Paulo.
— Tento me manter fiel às origens — afirma Nara, que abre exceções apenas para balas, refrigerantes e cigarros. — Acho triste entrar em uma banca e não encontrar revistas, mas capinhas de celular. As pessoas precisam ler mais, só assim o Brasil vai melhorar.
Nosso público principal era o mais idoso, que prefere leitura no papel, mas esse vamos perdendo aos poucos, não sendo substituído na mesma proporção pelos jovens
GILBERTO BERGALLO
Proprietário da banca Beira-Rio, na Avenida Praia de Belas
Mudança de hábito
Esta alteração no foco das bancas se reflete no comportamento do consumidor. Hoje, relatam os empreendedores, o cliente assíduo, que fazia amizade com o jornaleiro, tornou-se uma espécie praticamente extinta. Alguns vão com frequência buscar palavras cruzadas, que é um dos carros-chefes, mas não existe mais aquela amizade.
Com a transformação para loja de conveniência, os espaços viraram ponto de passagem para comprar cigarro, pastilha, água, colocar crédito no celular ou então pegar um salgado para comer no caminho.
— Outras necessidades vão surgindo e vamos nos adaptando — diz Rafael Figueira Maiser, 53, que tem uma banca em frente ao Farol Santander, no Centro Histórico. — Antes, vendíamos cartão de orelhão, que não existe mais. Então, surgiram as recargas de celular. Figurinha é uma coisa que ainda rende, mas é o mangá que a nova geração mais consome. O resto já perdemos muito.
Adeus aos DVDs

Na Avenida Borges de Medeiros, a banca Fronteira, de Carlos Alberto Baranzeli, 67, ficou conhecida por vender DVDs de filmes raros nos anos 2000. Em um mês do passado, orgulha-se, chegou a vender mais de 1,2 mil títulos.
— Os DVDs ajudaram a pagar a faculdade dos meus três filhos. Hoje, quase não saem mais, por causa da internet. Representam só 5% do faturamento. De mídia física, o que ainda garante algum retorno são as histórias em quadrinhos e os mangás — avalia o empreendedor, que está no negócio há 30 anos.
Perda de 75% do movimento

Durante 30 anos, a banca Vitória funcionou na Borges de Medeiros, em frente à Severo Roth, mas em agosto do ano passado, devido a obras na avenida, foi transferida pela prefeitura para a Rua General Andrade Neves, no Centro Histórico, em frente a uma agência do Banrisul. A mudança provocou uma perda de 75% no movimento, na estimativa do sócio Alessandro Nunes, 41:
— Nos mudaram cerca de 20 metros, mas isso fez muita diferença. Trabalhávamos entre quatro e tivemos que demitir um colaborador. Ficamos entre duas lixeiras, de costas para a avenida, ninguém passa aqui. Quebrou a banquinha. O pessoal da prefeitura disse que precisávamos sair do nosso lugar para não ficar em cima do piso táctil, mas estamos justamente em cima de um.
Acho triste entrar em uma banca e não encontrar revistas, mas capinhas de celular. As pessoas precisam ler mais, só assim o Brasil vai melhorar
NARA REGINA DOS SANTOS
Sócia da banca São Jorge, no Largo Glênio Peres, em frente ao Mercado Público
Procurada pela reportagem, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico, Turismo e Eventos (SMDETE) da prefeitura de Porto Alegre afirma, por meio de nota, que o caso da banca Vitória é "específico": "A banca foi retirada do local de origem em função das obras de revitalização do Centro e foi realocada em outro espaço. Existem regras a serem respeitadas pelo empreendedor, entre elas, respeitar 40 cm do meio-fio e 1,80m para a passagem de pedestres, entre outras determinações".
Bancas abandonadas

Se a maioria dos donos de bancas estão tentando se reinventar para sobreviver, alguns desistiram. Em diferentes pontos da cidade, há estruturas abandonadas — mas vale lembrar que as casinhas de metal podem abrigar outros negócios, como chaveiros.
Na Rua Machado de Assis, quase na esquina com a Avenida Bento Gonçalves, a estrutura de uma banca está trancada com cadeado, vandalizada e rodeada por lixo. O proprietário foi contatado pela reportagem, mas não quis conceder entrevista.
De mídia física, o que ainda garante algum retorno são as histórias em quadrinhos e os mangás
CARLOS ALBERTO BARANZELI
Da banca Fronteira, na Avenida Borges de Medeiros
De acordo com a SMDETE, o tempo que uma banca pode ficar fechada é relativo, dependendo das razões — motivos de saúde podem render uma flexibilidade maior. Porém, se o proprietário não der uma justificativa, a estrutura, que é própria do empreendedor, pode ser recolhida e encaminhada para depósito, aguardando retirada do proprietário.
Em nota, a secretaria afirma que a prefeitura de Porto Alegre está intensificando a fiscalização das bancas de revistas na cidade.
"A operação tem como objetivo garantir que esses espaços licenciados funcionem de forma regular, segura e em conformidade com as normas municipais", diz o texto.
Segundo a pasta, "a ação também busca contribuir para o ordenamento urbano, o embelezamento da cidade e a valorização do espaço público".