
O Senado da Itália aprovou nesta quinta-feira (15) o Decreto-Lei 36/2025 que modifica os critérios para o reconhecimento da cidadania italiana por descendência. Com 81 votos favoráveis e 37 contrários, o texto segue agora para a Câmara dos Deputados e precisa ser sancionado pela primeira-ministra Giorgia Meloni até o dia 27 de maio, data em que expira sua validade.
A proposta determina que apenas filhos e netos de italianos nascidos na Itália poderão solicitar o reconhecimento da cidadania. Além disso, esses ascendentes não podem ter tido outra cidadania até o fim da vida.
Para a advogada Ana Carolina Campara Brittes, especialista em nacionalidade e imigração, o chamado "Pacote Cidadania" representa uma mudança drástica no ordenamento jurídico italiano.
— A Itália nunca teve limite geracional na transmissão da cidadania. Essa nova legislação rompe com esse princípio e exclui grande parte dos descendentes da possibilidade de reconhecimento — explica.
Impacto
Para a advogada, o impacto das novas regras para os brasileiros será significativo.
— Estamos falando de milhões de ítalo-descendentes, especialmente no Rio Grande do Sul. Muitas famílias estavam com processos em curso ou aguardando convocação, e agora se veem diante de um cenário incerto — alerta.
Caso o decreto se converta em lei, a especialista prevê uma queda expressiva nos pedidos administrativos, mas um aumento nas ações judiciais.
— Haverá um redirecionamento da demanda. O número de processos administrativos deve cair, enquanto o judiciário italiano deve registrar um crescimento das ações baseadas no direito adquirido — conclui.
Processos em andamento
A especialista esclarece que quem já tinha processo de cidadania iniciado até 27 de março de 2025 — seja por via administrativa ou judicial — não será afetado.
— Esses pedidos permanecem regidos pela legislação anterior, sob o amparo do direito adquirido — ressalta.
Ana Carolina também comenta a atual paralisação dos serviços consulares, iniciada em 28 de março.
— A suspensão dos agendamentos e convocações reflete o momento de incerteza. Mesmo quem atende aos novos critérios está sendo impedido de dar entrada no processo — afirma.
Insegurança jurídica
Ela avalia que a suspensão pode ser temporária, mas reforça o clima de insegurança jurídica. Diante do cenário, a recomendação da advogada para os interessados em obter a cidadania italiana é recorrer à via judicial.
— A jurisprudência italiana reconhece a cidadania por sangue como um direito originário, imprescritível e irrevogável. A ação judicial tem se mostrado a estratégia mais segura neste momento — defende.
Mesmo aqueles que se enquadram nas novas regras devem agir com cautela.
— Os consulados não estão aceitando sequer pedidos de quem é filho ou neto de italiano. Portanto, o mais prudente é aguardar a definição final da lei ou ingressar judicialmente — orienta.
Sobre alternativas para quem ficou fora do novo limite de gerações, Ana Carolina aponta que o caminho mais célere continua sendo a ação judicial. A naturalização por residência, por outro lado, exige pelo menos 10 anos vivendo legalmente na Itália, o que dificulta o acesso para muitos descendentes.
Oposição critica medida
Durante sessão no Senado da Itália, os senadores Francesco Giacobbe (Partido Democrático) e Dafne Musolino (Itália Viva) fizeram críticas ao Decreto-Lei 36/2025.
Francesco Giacobbe afirmou que o decreto, na prática, elimina o direito de transmissão da cidadania italiana para milhares de descendentes ao redor do mundo. Para ele, o Pacote Cidadania é um "ataque livre e inconstitucional contra os italianos no estrangeiro".
— Vocês estão quebrando a cadeia da cidadania. Estão punindo os italianos que adquiriram outra cidadania, direito previsto na Lei 91 de 1992, que permitiu a naturalização sem a perda da cidadania italiana — declarou.
O senador também criticou o uso de um decreto para tratar de um tema tão complexo e de impacto global, que, segundo ele, exige um debate amplo e transparente. Para Giacobbe, o novo texto cria efeitos retroativos inaceitáveis.
— Com essa mudança, muitos que nasceram fora da Itália, filhos de italianos, não poderão mais transmitir a cidadania aos seus filhos, mesmo que tenham nascido antes da lei entrar em vigor — pontuou.
A senadora Dafne Musolino, que também é advogada, reforçou os argumentos de inconstitucionalidade do decreto e criticou a justificativa de urgência apresentada pelo governo para sua edição. Para ela, o texto cria uma “falsa legalidade” ao cortar o direito à cidadania dos descendentes de italianos nascidos no exterior após 27 de março de 2025. Dafne também alertou para o impacto judicial da medida.
— Esse decreto vai se transformar em uma cascata de recursos e contestações, alimentando um caos burocrático sem precedentes — ressaltou.
Nota do Consulado da Itália em Porto Alegre
"Todos os agendamentos de cidadania estão suspensos, de acordo com as últimas disposições do Ministério das Relações Exteriores da Itália.
Ressaltamos que as famílias que já haviam recebido uma data de agendamento para entrega da documentação não devem se apresentar no dia marcado, pois a documentação não será recebida.
Informamos que a lista de espera está suspensa. Portanto, os novos pedidos de número de espera recebidos a partir de 28 de março de 2025 (inclusive) serão desconsiderados.
Aguardamos definições legislativas que possam trazer maior clareza jurídica ao tema."
* Produção: Leonardo Martins
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