Natalia Pasternak e Marcelo Tas debateram a importância da divulgação científica em uma era marcada por fake news, negacionismo e crises de confiança na manhã deste sábado (31) no Festival Fronteiras, em Porto Alegre. O comunicador entrevistou a microbiologista e divulgadora científica, em uma conversa que refletiu sobre a importância da ciência aprender a se comunicar e da tradução do conhecimento científico.
Atualmente, Natalia leciona na Universidade de Columbia, nos Estados Unidos, sobre o uso de evidências científicas para políticas públicas, e no Brasil, dirige o Instituto Questão de Ciência, que também promove essa relação. A cientista relatou que percebeu no pós-doutorado a necessidade de a ciência se comunicar com a sociedade e não apenas entre pares, pois ninguém entendia muito bem como a ciência funcionava.
Essa falha na comunicação científica afeta as decisões das pessoas e até mesmo de gestores sobre políticas públicas, frisou a pesquisadora:
— Desde decisões do cidadão comum do dia a dia, vou ou não vou vacinar meus filhos, que produto que eu escolho no mercado para comprar, esse negócio de orgânico, transgênico, será que eu devia me preocupar com isso? Decisões do dia a dia dependem do que a gente sabe ou não sobre ciência.
A sociedade aprende a ciência como um grande corpo de conhecimento consolidado que precisa ser memorizado porque será avaliado em provas na escola. O processo científico, no entanto, é mais amplo e não é fixo: trata-se de uma investigação, baseada no que não se sabe, e jamais constituirá uma dicotomia de sim e não. Baseia-se em probabilidades, análise de risco e incerteza. Sem a capacidade de mudar de ideia diante de novas evidências científicas, há uma perda, conforme Natalia:
— Perde a capacidade de valorizar a incerteza como um processo de conhecimento. Isso gera expectativas impossíveis, como, por exemplo, uma vacina que protege 100%, com 0% de efeitos colaterais.
A aversão à incerteza, vista como desconhecimento ou fraqueza, torna as "certezas" vendidas por pseudociências mais atrativas — como curas milagrosas — e valoriza a experiência pessoal em vez de estudos clínicos sérios, com milhares de pessoas.
A entrevista também abordou o papel do medo na tomada de decisões — que, muitas vezes, é explorado na venda de desinformação, por exemplo, de conteúdo antivacinação, que leva à hesitação vacinal. Por meio do viés de inação, o medo faz com que a culpa por um eventual efeito colateral recaia sobre quem optou por se vacinar e ignora a omissão caso uma criança adoeça por falta da vacina.
Marcelo Tas observou que o sucesso da divulgação científica não está apenas na mensagem, mas na forma como ela é recebida e interpretada pelo público:
— Comunicação não é o que nós estamos falando nesse microfone, mas o que cada um está processando do que nós estamos falando.
A desinformação pode ser desmontada ao fazer a boa informação circular de forma didática e acessível, defendeu Natalia. Para isso, é importante haver cientistas que queiram se comunicar — a microbiologista discorda da ideia de ser uma obrigação —, além de ferramentas adequadas, por meio de treinamento, que não é oferecido no ambiente acadêmico, segundo ela, porque não há incentivo.
A abordagem é diferente ao se comunicar com governos, focando em processos decisórios e aconselhamento científico independente, como o modelo de assessores científicos em países como o Reino Unido.
O objetivo final não é exigir confiança cega em cientistas e, sim, que as pessoas confiem no processo científico após questionar e entender como funciona, ressaltou Natalia. A cientista também frisou a importância de aprender a ouvir os receios da população e não apontar dedos ao tentar informá-la corretamente.
O Festival Fronteiras tem apresentação do governo do Estado do RS; patrocínio master de Icatu Seguros, Banrisul e Corsan; patrocínio de Unisinos, Unimed, Banco Topázio, Sicredi, Sulgás, CMPC, Grupo Zaffari, Caixa Econômica Federal e Governo Federal. Apoio institucional do Tribunal de Justiça do Estado. Parceria com Associação do Ministério Público, Assembleia Legislativa do RS e prefeitura de Porto Alegre. A realização é da Delos Bureau, uma empresa do Grupo DC Set, e a promoção é do Grupo RBS.




