
A Câmara dos Deputados da Itália aprovou nesta terça-feira (20), por 137 votos a 83, o projeto que altera as regras para o reconhecimento da cidadania italiana por direito de sangue (ius sanguinis).
O texto, já aprovado no Senado na semana passada, segue agora para sanção do presidente da República, Sergio Mattarella. A medida precisa ser confirmada até o próximo dia 27 de maio, prazo de validade do Decreto-Lei 36/2025.
A nova legislação estabelece que apenas filhos e netos de italianos poderão solicitar o reconhecimento da cidadania. Além disso, o ascendente deve ter tido exclusivamente a nacionalidade italiana até a data da morte, sem jamais ter adquirido outra cidadania.
A mudança rompe com um dos pilares do ordenamento jurídico italiano, que até então permitia o reconhecimento da cidadania italiana sem limite de gerações, desde que comprovada a linha de descendência.
“Exclusão em massa de descendentes”
Para a advogada Ana Carolina Campara Brittes, especialista em nacionalidade e imigração, a medida representa uma guinada no entendimento histórico da cidadania italiana.
— A Itália nunca impôs limite geracional para a transmissão da cidadania. Essa nova legislação quebra esse princípio e exclui em massa milhares de descendentes, especialmente no Brasil — avalia.
Segundo ela, o impacto será expressivo, sobretudo no Rio Grande do Sul, onde a presença de famílias ítalo-brasileiras é significativa.
— Muitas famílias estavam com processos em andamento ou aguardando convocação. Agora, de uma hora para outra, veem-se diante de um cenário de incerteza e perda de direitos — alerta.
O que acontece com processos já iniciados?
A especialista esclarece que os processos iniciados até 27 de março de 2025, um dia antes da entrada em vigor do decreto, não serão afetados.
— Esses pedidos continuam sendo analisados com base na legislação anterior. Trata-se de um direito adquirido, e há respaldo jurídico claro para isso — afirma Ana Carolina.
Ela ressalta, porém, que o decreto provocou paralisação nos serviços consulares, agravando o sentimento de insegurança.
— Desde o fim de março, os consulados suspenderam agendamentos e entrega de documentos, inclusive de pessoas que já atendem aos novos critérios. O cenário é de total insegurança jurídica — diz.
Judicialização deve crescer
Diante do novo cenário, a expectativa é de queda nos pedidos administrativos e aumento significativo na via judicial.
— Haverá um redirecionamento da demanda. A jurisprudência italiana reconhece que a cidadania por sangue é um direito originário, imprescritível e irrevogável. Nesse contexto, a ação judicial passa a ser o caminho mais seguro — defende a advogada.
Mesmo quem se enquadra nas novas regras deve aguardar com cautela.
— Os consulados não estão aceitando sequer pedidos de quem é filho ou neto de italiano. Então, o mais prudente é aguardar definições finais ou buscar o reconhecimento pela via judicial — orienta.
E para quem foi excluído pelas novas regras?
Para descendentes que já não se encaixam no novo limite de gerações, a alternativa mais rápida continua sendo a via judicial. A naturalização por residência, por exemplo, exige 10 anos vivendo legalmente na Itália, o que torna esse caminho inacessível para muitos brasileiros.
Nota do Consulado em Porto Alegre
Em nota oficial, o Consulado-Geral da Itália em Porto Alegre informou que todos os agendamentos de cidadania estão suspensos, conforme orientação do Ministério das Relações Exteriores da Itália.
"As famílias que já haviam recebido uma data de agendamento para entrega da documentação não devem comparecer, pois os documentos não serão recebidos. A lista de espera também está suspensa", diz o comunicado.
O que muda na prática
Quem já teve a cidadania reconhecida (por via administrativa ou judicial) não será afetado e pode emitir o passaporte normalmente.
Quem iniciou o processo até 27 de março de 2025 continua protegido pelas regras antigas.
Já quem pretendia iniciar o processo e não o fez até essa data só poderá pedir o reconhecimento se for filho ou neto de italiano nascido na Itália, cujo ascendente nunca tenha adotado outra nacionalidade.
Próximos passos
A expectativa agora é pela sanção do texto pelo presidente da República, Sergio Mattarella, que precisa ocorrer até o dia 27 de maio. Caso não seja sancionada até essa data, o decreto perde a validade.
* Produção: Leonardo Martins
É assinante, mas ainda não recebe as newsletters com assuntos exclusivos? Clique aqui e inscreva-se para ficar sempre bem informado!