Em uma “maternidade” em Alvorada, mais de 400 "bebês" já vieram ao mundo. O local conta com berços, mamadeiras e diversos itens de enxoval. Diferentemente de uma gestação humana, que leva nove meses, esses pequenos são formados em poucos dias na própria maternidade. Embora se assemelhem a crianças reais, são feitos de vinil macio – que dá formato e textura aos famosos bebês reborn.
As bonecas viralizaram nas redes sociais recentemente, mas existem desde a década de 1990. Já as chamadas "maternidades" nada mais são do que oficinas artesanais onde os bebês hiper-realistas nascem pelas mãos das artistas reborn – que pintam, implantam cabelos e montam pequenos membros, dando origem às bonecas. A arte exige detalhamento e é o sustento de pequenos empreendedores.
Como é a produção?
A garagem virou o ateliê da "cegonha" Jhosi Silva, 39 anos, que era professora, mas optou por um trabalho no qual pudesse ficar em casa com o filho. A proprietária da Jhosi Silva Reborn Art relata que poucos clientes vão até o local em Alvorada – a maioria das vendas ocorre pela internet. A artista já enviou bebês reborn para quase todo o Brasil, além de Estados Unidos, França e Portugal.
Com foco em bonecas de luxo, ela produz apenas cerca de quatro por mês. O valor parte de R$ 1,5 mil.
A artista vende poucos produtos à pronta entrega, já que as clientes pedem detalhes personalizados como sinais de nascença, cor de olhos, pele e cabelos específicos, além de encomendas para semelhanças com fotos. Os bebês reborn vêm com enxovais, e os clientes também compram ninhos em algumas maternidades.
Há diferentes tipos de bebês reborn: de vinil mole ou de silicone (utilizado no "parto"), mais ou menos realistas. As artistas compram um kit importado, com cabeça e membros, e realizam pinturas. São necessárias mais de 20 camadas para que o resultado fique realista, com veias, vincos e outros detalhes. No caso de semelhanças, procuram o modelo mais parecido.
— Eu me sinto bem realizada. Eu fico muito feliz de fazer parte disso, às vezes, até me emociono quando elas (as compradoras) mandam o feedback — relata.
Além de construir as bonecas, Jhosi produz conteúdo de “maternidade” para a internet, sendo que muitas encomendas surgem a partir dos vídeos. Contudo, ela apenas realiza os “partos” – que também viralizaram, mas não são comuns - com o objetivo de gravar para as redes sociais, sem oferecer esse tipo de serviço. Para isso, utiliza itens como balão de silicone, bisturi, entre outros materiais (veja no vídeo).
Influenciadas pelas filhas
Assim como Jhosi, Priscila Boniberg, 37 anos, também ingressou no negócio por causa da filha, que queria uma bebê reborn – o nome da marca Paula Reborn é, inclusive, uma homenagem. Depois, Paula passou a sonhar em produzi-las, mas, como tinha apenas 11 anos, a mãe liderou a iniciativa. Agora, o negócio, que era gerido em família, está centrado em Priscila, com a ajuda do esposo.
A artista já criou mais de 500 bonecas, mas leva em torno de 10 dias para produzir cada uma. Apenas para implantar o cabelo – feito de pelo de cabra angorá, lhama ou alpaca – demora seis horas. O ateliê também fica em sua casa, no bairro Rubem Berta, em Porto Alegre.
O que os clientes mais gostam é customizar, principalmente para deixar o bebê parecido consigo mesmo ou com familiares. Os valores partem de R$ 1,5 mil e, no caso de semelhanças adicionais, R$ 4,2 mil.
Quem procura as "maternidades"
O principal público da Jhosi Silva Reborn Art costuma ser infantil, que deseja bonecas mais realistas para brincar. A artista estima que apenas 10% dos bebês que produz são vendidos para mulheres adultas.
Por sua vez, Priscila tem notado que outro público passou a procurá-la desde que o assunto cresceu. Nos primórdios da Paula Reborn, há seis anos, os principais clientes eram adultos colecionadores. Na pandemia, a demanda expandiu para crianças — que ainda representam a maior clientela —, mas também há muitos adultos.
Os motivos para a compra são os mais variados: muitas mães compram para as filhas e brincam juntas; há colecionadores; pessoas que não podem ter filhos; pais cujos filhos já foram embora – que encomendam (ou ganham) versões do filho pequeno para eternizar; avós que vivem sozinhos; namorados que querem um bebê que representa a união dos dois. Alguns são idosos que nunca tiveram uma boneca.
— Naquela época, era muito difícil comprar uma boneca. Elas até ganhavam de paninho, que as mães faziam, mas ficava aquele sonho da boneca. Então agora, adultas, elas realizam — conta Priscila.
As bonecas desempenham principalmente uma função decorativa para os clientes – que muitas vezes não brincam com elas como se fossem de verdade, e sim junto a crianças, sustenta a empreendedora.
Brincadeira x encenação
As crianças gostam de assistir a vídeos dos produtos e de brincadeiras, motivo pelo qual as artistas e os colecionadores costumam criá-los, embora Jhosi não produza conteúdo de encenação.
Os vídeos e situações que chamaram a atenção recentemente são encenações para monetizar, defende a artista. Outro mito é o de que os bebês reborn se movimentam sozinhos – os vídeos na internet utilizam filtros de inteligência artificial.
— As pessoas ficaram com essa impressão de que está tendo um surto de mulheres que estão indo a hospitais levar bonecas reborn para consultar, que estão criando, embalando etc. Vi pessoas amamentando bonecas, mas não eram colecionadoras; a boneca era de loja, de plástico. Só para fazer vídeo mesmo. Isso jamais fiz em 10 anos de profissão. Quem olha de relance, mesmo que seja um meme, até acredita — relata Jhosi.
Com a popularização do tema, ainda que a demanda pelas bonecas tenha permanecido a mesma, a procura pelo curso de arte reborn oferecido por Jhosi aumentou consideravelmente. O que a preocupa são os haters, já que, com a viralização do tema, o ofício e algumas artistas têm sido alvo de ataques, informações equivocadas e boatos.
Jhosi costuma fazer lives enquanto trabalha, e, agora, recebe xingamentos, comentários como “louca” e recomendações para que procure ajuda psicológica.
— Esse nível de ódio com a arte ou com as colecionadoras, eu nunca tinha tido. É uma pena, porque, na verdade, as pessoas não têm informação do que se trata e já começam a xingar todo mundo — lamenta.
As pessoas, muitas vezes, têm vontade de ter um brinquedo ou uma boneca, acrescenta o marido de Priscila, Caetano Moreira Silveira Jr., 45. Ele questiona a onda de críticas e ridicularização à luz de comentários machistas, que afirmam que as mulheres deveriam lavar louça ou ficar no tanque.
Psicóloga especialista em maternidade, trauma e luto, Arieli Groff questionou, em entrevista à Rádio Gaúcha, justamente esse incômodo em ver mulheres colecionando bonecas:
— Assim como há homens que colecionam bonequinhos ou se envolvem com videogames de maneira disfuncional, precisamos entender por que há tanto incômodo em ver mulheres colecionando bonecas.
A psicóloga também alertou para os perigos da comparação nas redes sociais, especialmente em temas delicados como maternidade, perda e saúde mental. Ela ressaltou que é preciso diferenciar o uso lúdico e simbólico dos bebês reborn de situações em que há uma ruptura com a realidade.