Aos 13 anos, André Werkhausen Boone começou a ter problemas de visão. Em um processo de perda e retorno desse sentido, o guri de Nova Petrópolis, na serra gaúcha, pouco aproveitou sua adolescência. Com precisão, ele relembra o dia em que parou de enxergar definitivamente por causa de uma doença autoimune.
— Foi quando eu tinha 16 anos, em seis de março de 2009.
Mais de 10 anos depois da reviravolta em sua vida, André foi surpreendido novamente. Dessa vez, com o convite da prefeitura da sua cidade natal para ser patrono da 24ª Feira do Livro que, nesta edição, tem o tema "Não há limites para quem lê". O evento será de 8 a 13 de outubro, das 8h às 21h, na Rua Coberta.
Com o reconhecimento, André passa a ser considerado o primeiro cego a ser patrono de uma feira cultural do Brasil, garante o vice-presidente da Organização Nacional de Cegos do Brasil (ONCB), Beto Pereira.
— Pelas informações de que dispomos, ele é o pioneiro, o que para nós é motivo de alegria. Isso mostra a pessoa com deficiência como protagonista da cultura e da informação e também vai ao encontro da Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.
Coautor de obra chamada Histórias de Baixa Visão
O envolvimento de André com as letras vem de anos. Leitor de obras infantojuvenis, as quais diz não ter um autor preferido, e de revistas e jornais, o nova-petropolitano deu o pontapé inicial na jornada literária em 2010, aos 18 anos, participando de um concurso em Caxias do Sul. Embora não tenha recordações precisas sobre o conto, lembra apenas que se tratava da história de um cego.
Depois de se formar em Administração, em 2015, o jovem ingressou em uma pós-graduação. Foi nessa época que adquiriu o hábito de relatar, no Facebook, suas aventuras diárias. Ele recorda que foi instigado a escrever mais, porém tinha dificuldades financeiras e faltava uma editora que aceitasse a obra. Com ajuda de pessoas da comunidade, o sonho deslanchou: uma professora de português que estava prestes a se aposentar se ofereceu para corrigir o material, outra pessoa ajudou a bolar a arte da capa e o marido de uma professora da pré-escola fez um empréstimo.
Intitulada SER André Werkhausen Boone, porque "eu sou eu", conta rindo, a autobiografia é um apanhado da sua história desde a época em que tinha 13 anos, quando teve os primeiros sintomas da perda de visão.
— Conto desde abril de 2006, quando tive os primeiros sinais da doença até a finalização. Falo do meu processo de reabilitação, como é o meu cotidiano, como foi a mudança do "eu enxergava e a agora não enxergo". Tem histórias bem-humoradas e também o momento mais tenso, quando tive tetraplegia.
Antes de assinar sozinho um livro, também participou, em 2017, como coautor de uma obra chamada Histórias de Baixa Visão, na qual relatou as diferenças em ter pouca e nenhuma visão. Neste ano, além de ser patrono da Feira, André também vai lançar um audiolivro.
— Fui pego de surpresa. Quando minha mãe leu a carta do convite não consegui segurar a emoção. É uma honra muito grande ser patrono na minha cidade natal. E a questão de ser o primeiro patrono cego do Brasil abre caminhos. Quero que outras pessoas tenham oportunidades e sigam desenvolvendo a inclusão — comenta sobre a escolha.
Diagnóstico tardio
Por três anos, André conviveu com a constante perda e retorno da visão. O quadro preocupou quando ele perdeu, por quatro meses, os movimentos dos dois braços e pernas. Depois de voltar a caminhar, a cegueira se tornou "um detalhe", diz. Entre a perda total do sentido e o diagnóstico da doença se passaram cinco meses: somente em agosto de 2009 é que ficou sabendo que sofria de neuromielite óptica (NMO), doença autoimune na qual o organismo não reconhece os canais de água (aquaporina) que existem no cérebro, na medula espinhal e no nervo óptico.
De acordo com o neurologista e neuro-oftalmologista Alessandro Finkelsztejn, coordenador do Ambulatório de Neuroimunologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, há muito tempo esse problema era classificado como um tipo de esclerose múltipla. No entanto, há mais de uma década foi definida como doença própria, cuja prevalência é de cinco casos a cada 100 mil habitantes.
— Os sintomas são a redução de visão uni ou bilateral, inflamação da medula, causando paraplegia ou tetraplegia. É um problema potencialmente grave, que precisa ter o surto reconhecido e tratado, bem como a indicação de um imunossupressor.
Hoje, além de escrever, com ajuda de um software especial no computador, André também visita escolas para contar sua história.