
Duas fotos postadas em um fórum online arrancaram o londrino Sean O'Brien do conforto do anonimato: obeso, ele provocou o riso de frequentadores de uma casa noturna ao exibir seus movimentos superlativos na pista de dança. "Avistei esse espécime tentando dançar", debochou o autor do post que se tornou viral nos últimos dias. Na primeira imagem, Sean está agitando os braços ao som da música. A segunda, mostrando o homem envergonhado, com o queixo enterrado no peito, foi captada no momento em que ele percebeu o deboche.
Em meio aos tantos que salivaram diante da possibilidade de massacrar mais uma presa, brotou com força a comoção dos que se apiedaram de Sean e decidiram lhe oferecer uma festa com a participação de pelo menos 1,7 mil mulheres, além de celebridades como o cantor Pharrell Williams e o DJ Moby. "Queremos vê-lo dançar livremente", escreveu a idealizadora da iniciativa. Trata-se de mais um episódio típico dos dias de hoje: uma patrulha virtual do bem tentando neutralizar o poder devastador do cyberbullying.
São inúmeros os exemplos de personagens que, ao mesmo tempo em que se tornam alvo do ódio e do preconceito dos chamados "haters", motivam uma reação positiva que irmana usuários sem qualquer ligação entre si.
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Na qterça-feira, Zero Hora publicou a história de Luiz Alberto Ibarra, aposentado de 85 anos que está realizando agora um desejo da juventude: cursar a faculdade de Direito. Com 38 mil curtidas e 3,8 mil compartilhamentos no Facebook até a tarde de quarta, a reportagem motivou centenas de comentários de leitores emocionados com a iniciativa do idoso, matriculado na Faculdade de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul (Fadergs), em Porto Alegre.
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Mas até aí despontaram detratores: "Claro, na faculdade particular qq um pagou passou! Agora queria ver mesmo se ele fosse 'O Cara' pra passar na UFRGS!", desdenhou o leitor identificado como Fernando na caixa disponível para comentários ao final da matéria, ambiente geralmente inóspito onde desconhecidos se digladiam até pelos temas mais inofensivos.
Logo apareceram os defensores de seu Luiz. "Cara, que idiotice! Se tu não tens algo de interessante pra dizer, que fique calado e recolha-se na sua insignificância", cravou um. "Coisa de gente infeliz que critica os outros mas não olha pro seu umbigo", definiu outro. "Ele é um grande exemplo pra todos, inclusive pra ti. Tenho certeza que deve deixar tu e esse teu pensamento ridículo no chinelo!", rebateu Laisa Cides. Em entrevista a ZH, a secretária de Santa Maria disse que costuma se posicionar contra injustiças e absurdos na rede.
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- Achei superofensivo, como se estivesse menosprezando o senhor. Ele já está sendo "o cara" por estar voltando a estudar nessa idade. É isso que importa. Se é em faculdade federal ou particular, não importa - argumenta Laisa.
Paula Jung, pesquisadora da área de comunicação e cibercultura, observa uma sazonalidade nesse tipo de ocorrência - as "correntes do bem" não estariam mais fortes e numerosas, capazes de abafar ou até converter os ofensores compulsivos, mas sim atreladas aos altos e baixos da vida dos usuários.
Submersas em más notícias - a roubalheira na Petrobras, por exemplo - , as pessoas aproveitam exemplos inspiradores para relaxar e se emocionar. Ainda que os "haters" sejam mais polêmicos e barulhentos, quem contra-ataca em prol das vítimas de bullying tem o poder do coletivo, destacando boas práticas e disseminando mensagens positivas.
- O estar junto virtual é mais fácil do que o presencial. As pessoas se comovem com esse tipo de coisa e se protegem - comenta Paula.
Na opinião da psicológa Fernanda Hampe, professora da Unisinos, a solidariedade humana é muito mais evidente e alardeada no ambiente virtual. No "mundo real", o vigor do ativismo digital se dissolve, e o mais comum em situações de violência e preconceito é a omissão por parte de quem as testemunha.
- É um desafio: que as pessoas possam ampliar essa postura e também fazer isso no cotidiano. A pessoa politicamente correta na escrita, como ela é nas suas relações? Será que ela escuta o que o outro está falando, cumprimenta a pessoa que está servindo o seu almoço? As pessoas estão muito silenciosas e individualistas. Temos que pensar no bem comum, no tipo de cultura que queremos construir - afirma Fernanda.