
Em 28 de março de 2025, o vice-premiê e Ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio Tajani, assinou um decreto-lei que altera temporariamente a legislação da cidadania italiana, especialmente para os descendentes nascidos no exterior.
De acordo com o texto aprovado, publicado na Gazzetta Ufficiale da Itália sob o Decreto-Lei n. 36/2025, que introduz o artigo 3-bis na Lei n. 91/1992, os descendentes nascidos no exterior serão reconhecidos como cidadãos apenas até a segunda geração. Assim, somente quem tiver pelo menos um dos pais ou avós nascidos na Itália será cidadão desde o nascimento. Os filhos destes adquirirão a cidadania se nascerem na Itália ou se, antes do nascimento, um dos pais, cidadão italiano, tiver residido no país por pelo menos dois anos consecutivos.
Diante desse cenário, há um debate crescente em relação ao direito da cidadania italiana. No Brasil, existem mais de 30 milhões de descendentes, de acordo com dados do Istituto Nazionale di Statistica (Istat). A maioria está presente nas regiões Sudeste e, principalmente, Sul do País. Apenas no Rio Grande do Sul são 3 milhões de pessoas, o que representa 27% da população local.
– O decreto-lei e a posição de Tajani são diretamente opostos ao que vemos no Rio Grande do Sul, onde as comunidades celebram a conexão com a Itália. Especialmente em 2025, quando se completam 150 anos da imigração italiana no Estado, comemoramos com campanhas, eventos e homenagens, enquanto o vice-premiê zomba dos ítalo-descendentes e desvaloriza laços criados – salienta o CEO da Nostrali Cidadania Italiana, David Manzini.
Em entrevista, o executivo comenta o posicionamento da empresa perante o novo decreto-lei e reforça como a Nostrali está lutando pelos direitos e pela história dos ítalo-descendentes no Rio Grande do Sul.
Como a Nostrali enxerga o novo decreto-lei, que reconhece como cidadãos italianos apenas indivíduos até a segunda geração?
Os efeitos deste decreto resultam em um fenômeno de “desnacionalização em massa”, contrário a todos os princípios constitucionais internos e internacionais. Isso porque a medida revoga a cidadania de indivíduos que a possuem desde o nascimento.
A Itália, ao contrário de outros países, sempre fundamentou a cidadania no jus sanguinis, que tem base na nacionalidade dos pais e não no território de nascimento. Trata-se de uma escolha identitária, refletindo a realidade histórica de uma nação que, por mais de um século, viu seus filhos partirem pelo mundo.
Para a Nostrali, o decreto-lei, além de ser claramente inconstitucional, resulta em um ato político de exclusão e de negação da identidade italiana.
O que a Nostrali tem feito para reverter essa situação?
A Nostrali tem atuado ativamente desde a publicação do Decreto-Lei nº 36/2025, em especial durante a fase de apresentação de emendas no processo de conversão do decreto em lei, cuja etapa de protocolo foi concluída em 16 de abril, com a elaboração e a sugestão de propostas de modificação ao texto normativo.
Além disso, na mesma data, entregamos uma carta oficial dirigida a Antonio Tajani, na qual destacamos a necessidade de garantir proteção jurídica aos ítalo-descendentes, bem como apontamos os aspectos críticos da medida, especialmente no que tange à sua retroatividade, que compromete direitos adquiridos e viola princípios fundamentais do ordenamento jurídico italiano e internacional.
Nos próximos dias, estarei presencialmente em Roma para acompanhar de perto os desdobramentos das discussões parlamentares e as votações previstas para 7 e 8 de maio, atuando junto a representantes e entidades envolvidas na defesa dos direitos da comunidade ítalo-brasileira.
A promulgação do decreto-lei afeta diretamente milhares de descendentes no Rio Grande do Sul. Qual seu impacto na comunidade?
Não estamos diante apenas de uma norma jurídica, mas de uma tentativa de silenciar a identidade italiana de milhões de pessoas. Essa medida provoca sérias preocupações não apenas em relação ao direito à cidadania dos descendentes, mas também no âmbito das relações diplomáticas, comerciais e identitárias.
No momento em que, no Rio Grande do Sul, celebramos um século e meio da imigração italiana – com orgulho, afeto e reconhecimento histórico –, a Itália opta por combater o vínculo jurídico com aqueles que perpetuam sua cultura fora dos próprios confins.
A Itália, em vez de investir em uma gestão administrativa moderna e eficaz para lidar com esse imensurável capital humano espalhado pelo mundo, prefere fechar as portas. Em lugar de adotar políticas inclusivas que poderiam atrair investimentos, mão de obra qualificada, parcerias comerciais, expansão do Made in Italy e fortalecimento da presença italiana no cenário internacional, opta por restringir um direito legítimo.
Essa contradição revela não apenas uma fragilidade institucional, mas uma visão míope do governo atual em relação ao potencial de oportunidades representado pelos italianos no exterior – potenciais embaixadores culturais, consumidores fiéis, investidores e defensores da Itália em todo o mundo.
Que dicas você dá para os gaúchos ítalo-descendentes neste momento de incerteza?
A principal recomendação é manter a calma, não tomar decisões precipitadas e buscar sempre informações de fontes confiáveis.
É fundamental confiar nas instituições italianas – especialmente nas cortes superiores, como a Corte di Cassazione e a Corte Costituzionale – que, ao longo dos anos, têm reiterado o reconhecimento do direito à cidadania iure sanguinis como um direito legítimo, imprescritível e transmitido sem interrupções entre as gerações.
Essas mesmas cortes têm, inclusive nos últimos anos, reafirmado com clareza que a cidadania italiana não é uma concessão do Estado, mas um reconhecimento de um status já existente.