
As vozes se misturam entre risadas, desabafos e abraços demorados. É quarta-feira à tarde, e a sala anexa à Catedral de Novo Hamburgo se enche de tons de rosa e emoção. Ali, mais de 70 mulheres se reúnem todas as semanas para partilhar o que aprenderam com a doença que as uniu: o câncer de mama.
O grupo Amigas de Mãos Dadas, fundado há 19 anos, é hoje um dos mais atuantes do Vale do Sinos no acolhimento de pacientes oncológicas, especialmente as idosas.
O encontro começa com oração e termina em música. No meio disso, há choro, risadas, café e, principalmente, escuta. Escuta de quem entende o peso do diagnóstico, a dor do tratamento e o medo que muitas vezes acompanha a palavra "câncer".
— O grupo nasceu da necessidade de acolher as mulheres que chegavam perdidas, sem saber o que fazer depois do diagnóstico. No início, era só uma rodinha pequena, ao lado de um centro de imagem. Hoje somos mais de 200 participantes, com histórias que se cruzam em força e esperança — conta a psicóloga Marlise Bernd, uma das fundadoras do projeto.
Marlise ainda se lembra da primeira integrante que entrou na sala em lágrimas, há quase duas décadas.
— Ela dizia: "Não quero morrer". Foi ali que entendemos que o grupo precisava existir, não para falar só de doença, mas de vida. Aqui, ninguém passa por isso sozinha — completa.
O trabalho vai além do acolhimento emocional. As Amigas de Mãos Dadas também auxiliam pacientes a conseguir exames e tratamentos, organizam palestras e realizam visitas hospitalares.
Em outubro, o grupo intensifica ações de conscientização, mas Marlise reforça que o cuidado acontece o ano inteiro.
— O Outubro Rosa é um lembrete, mas o amor que a gente distribui é diário — pontua.
Ainda durante o encontro, em meio às conversas e trocas de experiências, uma das participantes, Lisete Thomazi Ferreira, fez questão de deixar um recado aos leitores.
— Nunca diga "cabelo cresce" — alertou. — Porque não é contigo que está acontecendo isso.
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Diagnóstico que muda o viver

Ernestina Alves de Alves, 57 anos, conheceu o grupo logo após receber o diagnóstico. Estava em casa quando sentiu um incômodo embaixo do braço.
— Achei que era o sutiã. Não doía, só incomodava um pouco. Quando fiz o exame, veio a notícia. A gente acha que nunca vai acontecer com a gente, até que acontece — relata.
A gente acha que nunca vai acontecer com a gente, até que acontece
ERNESTINA ALVES DE ALVES
57 ANOS
Era outubro de 2024. Desde então, Ernestina passou por cirurgia, seis sessões de quimioterapia e se prepara para iniciar a radioterapia. O cabelo caiu, o corpo mudou, mas o brilho no olhar permanece.
— Chorei muito no início, mas depois entendi que precisava agradecer mais e pedir menos. A vida é curta, e o que dá força são as pessoas: meus filhos, meu marido, minhas irmãs e o grupo. Aqui a gente aprende que não está sozinha — comenta.
No encontro, ela fala pausado, segura na mão de outra integrante e sorri.
— A gente pensa que o câncer é fim, mas às vezes ele vem para ensinar a viver diferente. Hoje eu valorizo o que antes passava batido — completa.
"O câncer me ensinou a desacelerar"

Em 2017, Roselane Nunes Monteiro, 61 anos, recebeu o diagnóstico de câncer de mama após décadas convivendo com pequenos nódulos benignos.
— Eu fazia mamografia todo ano. Um dia, o médico chamou e disse: "Tem uma alteração aqui". No mesmo instante, o chão sumiu. Achei que era o fim — lembra.
Roselane se lembra com precisão da data: o resultado saiu no dia da festa de 15 anos da sobrinha.
— Foi um dia de alegria e dor ao mesmo tempo. Eu sorria por fora, mas por dentro estava despedaçada — detalha.
Vieram cirurgia, quimioterapia, radioterapia e, desde então, o uso contínuo de medicamentos. Hoje, oito anos depois, ela fala do câncer com serenidade e sabedoria.
— O câncer me ensinou a desacelerar. Antes, eu fazia tudo correndo, achava que cuidar de mim era egoísmo. Agora, sei que é necessidade. Aprendi a dizer não, a me respeitar — reforça.
Mesmo curada, Roselane segue firme nos encontros do grupo, sempre sentada nas primeiras cadeiras, com o semblante tranquilo de quem aprendeu a fazer da dor um ponto de partida.
Para ela, as reuniões são uma espécie de reencontro semanal com a própria história, um lembrete constante de que o câncer passou, mas deixou marcas de aprendizado e fé. Por fim, Roselane deixa um recado para quem acabou de receber o diagnóstico:
— Chora, sim. A gente chora, porque o susto é grande, o baque é forte. Tem que externar, não é feio. Nosso corpo é frágil, e o choro faz parte. Depois, levanta e faz o que tem que ser feito. Se precisar operar, faz a cirurgia. Se tiver que fazer rádio, quimio, medicamento, faz tudo. Enfrenta. Tem que pedir força para Deus, porque Ele é forte, e a gente é fraca. Eu também achei que ia morrer, mas entendi que não é assim. Tem que ter fé e fazer a nossa parte. É isso que digo pra quem está começando: chora, mas luta. Porque dá pra vencer.
O medo que afasta e o silêncio que adoece

Para a psicóloga e doutora em Gerontologia Biomédica, Tatiana Irigaray, o principal desafio da prevenção entre as mulheres mais velhas é o medo do diagnóstico.
— Há uma geração de mulheres que cresceu com vergonha do próprio corpo, sem acesso à informação sobre saúde feminina. Muitas ainda acreditam que o câncer é uma sentença de morte. Então, evitam o exame por medo do que podem descobrir — explica a especialista, que também é professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS).
Segundo Tatiana, essa negação tem um custo alto. A ausência de rastreamento retarda o diagnóstico e reduz as chances de cura.
— A mamografia é desconfortável, mas salva vidas. O problema é que o medo, a dor e a falta de acolhimento nos serviços de saúde acabam afastando justamente quem mais precisa: as mulheres mais velhas — detalha.
A especialista defende que campanhas e políticas públicas levem em conta não só a faixa etária, mas o contexto emocional e social dessas mulheres. Tatiana ressalta também o papel da família nesse processo.
— Filhos e netos podem ser pontes entre a paciente e o sistema de saúde. Marcar a consulta, oferecer transporte, lembrar do exame, mas, sobretudo, ouvir. O diagnóstico de câncer desestrutura a mulher, especialmente na terceira idade, quando ela já enfrenta outras perdas, como da autonomia, do corpo, do papel social — reforça.
No consultório, Tatiana observa que o impacto psicológico do diagnóstico de câncer de mama vai muito além do tratamento físico. Ela explica que, para muitas pacientes, esse momento representa um encontro direto com a finitude, gera ansiedade e medo, não só pelo tratamento, mas também pela possibilidade de recidiva.
Além disso, há uma mudança brusca no papel que muitas mulheres ocupam na família, especialmente aquelas na faixa etária acima de 50 anos, que frequentemente se encontram na chamada "geração sanduíche", cuidando de filhos e pais idosos ao mesmo tempo.
— Muitas pacientes relatam que sempre foram cuidadoras e, de repente, precisam ser cuidadas. A família precisa se reorganizar e oferecer apoio sem tentar minimizar a gravidade do que está acontecendo. O sofrimento da paciente precisa ser legitimado e respeitado, seja pela perda do cabelo, da mama ou pelas mudanças na rotina cotidiana — ressalta.
Tatiana reforça que o apoio emocional deve andar lado a lado com o tratamento médico. A psicoterapia oferece espaço para validar emoções, trabalhar o enfrentamento de todas as etapas do tratamento, manter o máximo possível da rotina diária e lidar com a mudança de imagem corporal, que impacta diretamente na autoestima e nas relações da paciente.
— Manter a rotina da paciente, trabalhar a autoestima e ajudá-la a ressignificar a doença são estratégias essenciais para fortalecer seus recursos internos e enfrentar cada etapa do tratamento — enfatiza.
Dados e desafios sobre o câncer de mama

Embora a recorrência do câncer de mama seja mais intensa entre mulheres de 40 a 60 anos, a incidência da doença aumenta significativamente aos 60+.
O envelhecimento populacional, aliado ao aumento da expectativa de vida, faz com que cada vez mais mulheres nessa faixa etária enfrentem o diagnóstico.
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (Inca), mais da metade dos novos casos de câncer de mama no Brasil ocorre em mulheres com mais de 60 anos.
A doença representa cerca de 28% dos casos de câncer entre mulheres, configurando-se como um dos tipos mais comuns e de maior impacto na mortalidade feminina no país.
Contudo, estima-se que, com diagnóstico precoce e acesso ao tratamento adequado, nove em cada 10 mulheres podem se curar.
A mastologista Betina Vollbrecht, professora da Escola de Medicina da PUCRS, explica que, com o envelhecimento, a glândula mamária sofre alterações naturais: o tecido glandular vai sendo progressivamente substituído por gordura, enquanto a produção de hormônios como estrogênio e progesterona diminui.
— Com o tecido menos denso, a mamografia se torna mais eficiente na visualização de alterações suspeitas. Por isso, o exame continua sendo indicado e extremamente útil para pacientes mais idosas — explica.
Apesar do benefício da mamografia, a mastologista detalha que os dados do Brasil revelam desafios de adesão ao rastreamento: menos de 50% das mulheres na faixa etária recomendada (40 a 74 anos) realizam regularmente o exame, mesmo com campanhas de conscientização como o Outubro Rosa.
A adesão é particularmente baixa após os 65 anos, o que evidencia a necessidade de estratégias de incentivo ao cuidado preventivo.
Fatores de risco
O risco de desenvolver câncer de mama aumenta com a idade. Enquanto uma mulher aos 50 anos apresenta a chance de 1 em cada 50, aos 80 anos esse risco chega a 1 em cada oito, conforme Betina.
— Em pacientes mais jovens, a doença costuma apresentar subtipos mais agressivos, como o triplo negativo, com divisão celular rápida. Já nas pacientes idosas, os tumores são geralmente hormonais positivos, de crescimento mais lento e, portanto, mais tratáveis — detalha.
Segundo ela, o câncer de mama na terceira idade também é marcado por fatores de risco específicos, incluindo obesidade pós-menopausa e consumo diário de álcool.
— Embora a genética contribua em cerca de 10% a 15% dos casos, a maior parte está relacionada a esses fatores comportamentais — acrescenta a especialista.

Outro desafio está fora da biologia da doença: o acesso aos serviços de saúde e a vulnerabilidade social. Muitas mulheres dependem do Sistema Único de Saúde (SUS). Enfrentam longos períodos de espera para exames e cirurgias, o que impacta diretamente o prognóstico.
O tratamento deve ser individualizado, levando em conta o estado físico da paciente. Algumas mulheres de 80 anos frequentam academia regularmente, enquanto outras têm mobilidade limitada, e isso influencia decisões sobre cirurgia, quimioterapia e acompanhamento multidisciplinar.
— O olhar integrado de geriatra, oncologista e demais especialistas é essencial para equilibrar risco e benefício em cada caso — emenda Betina.
Mortalidade
Segundo o relatório "Controle do Câncer de Mama no Brasil: Dados e Números 2025", divulgado pelo Ministério da Saúde e Inca, o SUS realizou 4,4 milhões de mamografias em 2024, sendo 2,6 milhões em mulheres de 50 a 74 anos.
Ainda segundo o documento, o país deve registrar 73.610 novos casos em 2025 e teve mais de 20 mil óbitos em 2023.
Os especialistas na área reforçam que o diagnóstico precoce é determinante para a redução da mortalidade.
O que mais impacta no prognóstico é a detecção precoce. Quanto menor o tumor no momento do diagnóstico, mais rápida e eficiente é a cura, que hoje alcança até 95% das pacientes
BETINA VOLLBRECHT
Mastologista
Sintomas mais comuns
- Nódulo (geralmente indolor, duro e irregular)
- Edema na pele, com aspecto de “casca de laranja”
- Retração ou inversão do mamilo
- Dor ou vermelhidão na mama
- Descamação ou ferida no mamilo
- Secreção transparente, rosada ou avermelhada (unilateral e espontânea)
- Caroços na axila (linfonodos aumentados)
Importante: esses sinais devem ser investigados, mas nem sempre indicam câncer. Conhecer o próprio corpo é essencial para detectar alterações precoces.
Diagnóstico
- Avaliação clínica e exames de imagem (mamografia, ultrassonografia, ressonância magnética)
- Biópsia confirma o diagnóstico, com análise do tecido suspeito
- Detecção precoce aumenta as chances de cura e permite tratamentos menos invasivos
Tratamento
- Cirurgias (mastectomia conservadora e reconstrução mamária)
- Radioterapia, quimioterapia, hormonioterapia e anticorpos
- Pela Lei nº 12.732/2012, o início do tratamento deve ocorrer em até 60 dias após o diagnóstico
Prevenção
- Alimentação equilibrada, prática de atividade física e peso adequado podem reduzir em até 28% o risco de desenvolver câncer de mama
Mitos e verdades sobre o câncer de mama
Mesmo com o avanço da medicina, o câncer de mama ainda é cercado por crenças populares e desinformação.
Para esclarecer o que é fato e o que é mito, Zero Hora reuniu alguns dos principais pontos com base em informações da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz).
"Câncer de mama sempre causa dor e aparece como uma bola palpável"
Mito. A doença nem sempre se manifesta por nódulos dolorosos. Sinais como endurecimento, retração da pele, secreção com sangue, feridas que não cicatrizam ou mudança no formato do mamilo também exigem atenção.
A orientação é procurar atendimento médico diante de qualquer alteração suspeita, mesmo sem dor aparente.
"Só mulheres mais velhas desenvolvem câncer de mama"
Mito. Embora o risco aumente após os 50 anos, a doença também pode surgir em mulheres mais jovens e, raramente, em homens. Por isso, toda alteração deve ser investigada, independentemente da idade.
"Reposição hormonal aumenta o risco"
Verdade. O uso de hormônios durante a menopausa eleva o risco de câncer de mama, mas não necessariamente a mortalidade. O tratamento pode ser feito com acompanhamento médico e avaliação individualizada.
"Anticoncepcional causa câncer"
Parcialmente verdade. Há estudos que indicam um discreto aumento no risco, mas o uso do anticoncepcional continua seguro quando prescrito com orientação médica.
"Amamentar protege contra o câncer"
Verdade. A amamentação é um dos fatores de proteção mais reconhecidos. Quanto mais tempo a mulher amamenta, menor tende a ser o risco de desenvolver a doença.
"Sem histórico familiar, estou livre do câncer de mama"
Mito. Apenas de 5% a 15% dos casos têm origem hereditária. A maioria das mulheres diagnosticadas não possui histórico familiar da doença.
"Pancadas, sutiãs apertados ou desodorantes causam câncer"
Mito. Não há qualquer evidência científica de que traumas, roupas íntimas justas, uso de antitranspirantes ou até o hábito de colocar o celular no sutiã aumentem o risco.
"O tamanho dos seios influencia no risco"
Mito. Seios grandes ou pequenos não interferem na probabilidade de desenvolver o câncer. O que importa é o tipo e o comportamento do tecido mamário.
"A mamografia dói"
Mito. O exame pode causar leve desconforto pela compressão das mamas, necessária para garantir uma imagem de qualidade, mas não deve provocar dor.
"Nada pode ser feito para prevenir"
Mito. Hábitos saudáveis fazem diferença: manter o peso adequado, praticar exercícios, evitar álcool e tabaco e adotar uma alimentação equilibrada reduzem em até 30% o risco da doença.
Exames que ajudam a prevenir e diagnosticar o câncer de mama
Autoexame

Deve ser feito regularmente, de preferência alguns dias após o fim da menstruação. O objetivo é reconhecer o próprio corpo e identificar alterações no formato, textura, coloração ou presença de nódulos.
O autoexame não substitui exames de imagem, mas ajuda a desenvolver consciência corporal, o que aumenta as chances de perceber mudanças precocemente.
Mamografia
É o principal exame para rastreamento do câncer de mama. Consegue detectar alterações milimétricas, inclusive microcalcificações, que podem ser o primeiro sinal da doença.
A recomendação da Sociedade Brasileira de Mastologia é realizar a mamografia anualmente a partir dos 40 anos. Mulheres com histórico familiar ou fatores de risco podem começar antes, conforme orientação médica.
Ultrassonografia mamária
Indicada especialmente para mulheres com menos de 40 anos ou como complemento da mamografia, a ultrassonografia detecta nódulos e diferencia lesões benignas de malignas. É também uma alternativa para quem tem contraindicação à radiação.
Ressonância magnética das mamas
É o exame mais sensível para avaliar tumores, mas não é usado rotineiramente por poder gerar resultados falso-positivos.
Costuma ser indicada para mulheres com alto risco genético ou após o diagnóstico, para avaliar a extensão da doença.
Testes genéticos (BRCA1 e BRCA2)
Esses exames avaliam mutações genéticas associadas ao risco de câncer de mama. São indicados principalmente para mulheres com histórico familiar da doença, especialmente se o diagnóstico ocorreu antes dos 50 anos.
O resultado pode orientar medidas preventivas para a paciente e as parentes de primeiro grau.
Marcadores tumorais
Feitos por meio de exame de sangue, avaliam substâncias produzidas por células cancerígenas. O marcador mais comum é o CA 15.3, útil para monitorar a resposta ao tratamento e identificar recidivas, mas não para diagnosticar o câncer em si.
Biópsia
É o exame que confirma o diagnóstico de câncer de mama. A coleta é feita com agulha, sob anestesia local, para análise laboratorial. O procedimento é seguro, indolor e fundamental para definir o tipo e a agressividade do tumor.
Exames IHC e FISH
Usados após a biópsia, identificam se o tumor expressa a proteína HER2 (Imuno-Histoquímica), associada a um tipo mais agressivo de câncer.
A detecção é essencial para orientar o tratamento com medicamentos específicos e aumentar as chances de sucesso terapêutico.









