
O número de pessoas com mais de 60 anos que vivem sozinhas no Brasil cresceu 33,5% entre 2010 e 2022, segundo o último Censo Demográfico do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Hoje quase três em cada 10 idosos (28,7%) moram sem companhia, enquanto, em 2010, esse percentual era de 21,5%.
Mais do que uma mudança nos números, o dado escancara uma nova realidade social: a de um envelhecimento cada vez mais solitário. E com ele, surgem também novos desafios — emocionais, cognitivos e de convivência — que exigem atenção.
Para especialistas, o isolamento frequente pode ser um gatilho importante para o desenvolvimento de depressão, além de agravar doenças neurodegenerativas e afetar a qualidade de vida dos mais velhos.
Efeitos da solidão

Viver sozinho após os 60 anos não é, por si só, um problema. No entanto, quando o isolamento social se torna uma constante, os impactos podem ser significativos na saúde mental.
A psicóloga Laina Amorim, especialista em Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), destaca que a solidão pode trazer sérias consequências para a saúde emocional e mental de pessoas idosas. Entre os impactos mais comuns, ela aponta:
- Comprometimento das funções mentais, como atenção, memória e raciocínio
- Perda de memória e maior risco de desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer e Parkinson
- Aumento na ocorrência de depressão, especialmente em quem tem pouca ou nenhuma rede de apoio
- Maior vulnerabilidade à ansiedade e ao risco de suicídio
A psicóloga Daiana Schütz, conselheira do Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul (CRP-RS), reforça que a chave para entender o sofrimento psíquico está na diferença entre estar só e estar isolado.
— Morar sozinho na terceira idade por si só não é um gatilho para transtornos psicológicos. A solidão é uma percepção subjetiva da ausência de vínculos com familiares e amigos. O problema não é estar só, mas estar isolado — ressalta.
Viuvez, distanciamento familiar e retraimento social
A perda de vínculos afetivos na velhice, como a viuvez ou o afastamento dos filhos, agrava os efeitos da solidão. As consequências se manifestam de forma prática no cotidiano da pessoa idosa, impactando até mesmo funções básicas da rotina.
— Podem ocorrer mudanças nos hábitos alimentares, redução das atividades sociais e dificuldade em manter tarefas do dia a dia, como tomar medicamentos, praticar exercícios físicos ou realizar o autocuidado — explica Laina.
No período pós-pandemia, segundo Daiana, muitos idosos enfrentaram um agravamento na sensação de isolamento. O retorno à rotina habitual após o confinamento acentuou ainda mais a percepção de solidão.
— Durante a pandemia, muitos idosos estavam acompanhados. Com a retomada das atividades, voltaram a ficar sozinhos. E o contraste gerou um sentimento mais intenso de abandono — analisa.
Sinais de alerta

Detectar a depressão na terceira idade pode ser desafiador. Muitos sintomas se confundem com o processo natural de envelhecimento ou passam despercebidos por quem convive com a pessoa idosa. Por isso, o olhar atento de familiares, vizinhos e profissionais da saúde é fundamental.
Entre os sinais de alerta mais comuns, segundo as especialistas, estão:
- Perda de interesse por atividades que antes eram prazerosas (hobbies, convivência social etc.)
- Sentimentos de desesperança e falta de perspectiva
- Tristeza constante, alterações de humor e irritabilidade
- Cansaço excessivo e sensação frequente de falta de energia
- Dificuldade de concentração e lapsos de memória
- Perda de apetite e mudanças nos hábitos alimentares
- Isolamento social e retraimento no convívio com outras pessoas
— É preciso escutar essas pessoas, pois nem sempre conseguem nomear o que estão sentindo — alerta Daiana.
Redes de apoio e conexões sociais fazem diferença
Tanto na prevenção quanto no enfrentamento da depressão, contar com uma rede de apoio faz toda a diferença. O vínculo com outras pessoas, o sentimento de pertencimento e a participação em atividades coletivas são estratégias eficazes para uma velhice mais saudável e menos solitária.
Entre os recursos que ajudam a fortalecer esse suporte, as psicólogas destacam:
- Grupos de apoio emocional, que promovem escuta e troca de experiências
- Serviços de apoio domiciliar, como cuidadores e assistentes de saúde
- Terapia individual ou em grupo, com acompanhamento psicológico regular
- Linhas telefônicas de acolhimento emocional, que oferecem orientação e escuta ativa
- Grupos de convivência para idosos, com atividades culturais, recreativas ou educativas
- Manutenção de vínculos com amigos e familiares, mesmo que à distância
- Práticas de atividade física em grupo, como caminhadas, dança ou yoga
- Cuidado com a espiritualidade, respeitando as crenças e valores da pessoa idosa
— Participar de grupos de idosos, manter vínculos com amigos e familiares, e praticar atividades físicas em grupo contribui para o bem-estar. O cuidado com a espiritualidade, com aquilo em que a pessoa acredita, também é um recurso importante — reforça Daiana.
Como estimular o autocuidado e o acolhimento
Para além do suporte externo, o trabalho terapêutico busca desenvolver, junto à pessoa idosa, estratégias que fortaleçam o senso de identidade e autonomia. A construção de um espaço de escuta acolhedora e a valorização da história de vida são pilares desse processo.
— É essencial ajudar o paciente a identificar o sentimento de solidão e como ele impacta sua vida. O uso de técnicas como mindfulness auxilia na gestão das emoções e no resgate do equilíbrio emocional — detalha Laina.
— Precisamos combater o etarismo e reforçar uma cultura que valorize o envelhecimento. Conversar com o idoso, reconhecer sua trajetória e incentivá-lo a buscar ajuda são formas de mostrar que ele continua sendo importante e ativo na sociedade — completa Daiana.
Barreiras no tratamento
Apesar da importância do cuidado com a saúde mental, ainda existem entraves que dificultam o acesso ao tratamento adequado. Muitos idosos resistem a buscar ajuda por conta do estigma, e, quando o fazem, enfrentam desafios clínicos específicos.
— O declínio cognitivo pode comprometer o engajamento na terapia ou o seguimento de um plano de tratamento. Além disso, há resistência por parte de quem cresceu em tempos em que saúde mental era um tabu — observa Laina.
Outro obstáculo comum está nas condições de saúde física, muitas vezes associadas ao envelhecimento, que exigem uma atenção especial no acompanhamento psicológico.
— A maioria dos idosos tem comorbidades, o que exige acompanhamento multiprofissional, como o envolvimento de geriatras. A prescrição de medicamentos deve ser cuidadosa, respeitando as particularidades de cada organismo — alerta Daiana.
Papel da família e da comunidade

O entorno da pessoa idosa — familiares, amigos, vizinhos e comunidade — exerce papel decisivo na prevenção da solidão e no enfrentamento da depressão. Atitudes simples, mas constantes, podem transformar a rotina e o bem-estar de quem envelhece sozinho.
— Visitar regularmente, oferecer ajuda com tarefas práticas, incentivar a participação em eventos sociais e demonstrar afeto são formas de mostrar que ela não está sozinha — aconselha Laina.
Além do cuidado no dia a dia, é preciso também promover uma mudança cultural que valorize o envelhecimento e reconheça a potência da pessoa idosa.
— Precisamos construir uma cultura de cuidado, que enxergue o idoso como sujeito ativo e merecedor de atenção e inclusão — enfatiza Daiana.
E o papel do poder público?
Diante da tendência crescente de envelhecimento solitário, especialistas defendem políticas públicas específicas para atender essa parcela da população. O acolhimento deve ser multidisciplinar, contínuo e voltado para a promoção de vínculos sociais.
— Infelizmente, ainda não estamos preparados para acolher o envelhecimento solitário de forma saudável. É necessário investimento em saúde mental, acessibilidade e conscientização — avalia Laina.
Daiana complementa dizendo que o país tem avançado na direção certa, mas que ainda há um longo caminho a ser percorrido.
— Estamos no caminho, mas precisamos avançar. Mobilidade urbana, espaços de convivência, atendimento psicológico gratuito e ações de inclusão social devem ser prioridade — conclui.
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