
Num governo marcado por ruídos e contradições, pela tagarelice de uma primeira-dama deslumbrada e por um presidente refém de uma bolha cada vez menor, Marina Silva é o silêncio eloquente — uma única figura que atravessa os ciclos do poder sem abrir mão do que acredita. Desde a virada do século, quando a Time a incluiu entre as personalidades mais influentes do planeta, Marina é esse ponto de referência. Entrevistando-a na época, me lembro do título da reportagem publicada em Zero Hora: A senadora que aprendeu a ser mãe com os passarinhos. Delicadeza e firmeza — juntas.
Ela não tem medo de dizer não. Recentemente, deu um puxão de orelhas em público o próprio presidente Lula, na presença dele, ao se opor à exploração de petróleo na foz do Amazonas. Não foi a primeira vez. E, talvez, por isso, seja alvo constante de pressões, boicotes internos e ameaças veladas de substituição.
Marina escancara o absurdo de um presidente que se considera líder sustentável global e, ao mesmo tempo, incentiva a exploração de petróleo, um combustível sujo e que financia algumas das mais sangrentas ditaduras do planeta.
A eventual saída de Marina não seria apenas mais uma crise em um governo incoerente. Seria o fim de uma espécie de freio moral. Uma trava em um governo que se auto intitula progressista, mas que ziguezagueia entre a subserviência aos poderosos e a demagogia com o povão. Para os inimigos de Lula, para a turma que torce para o circo pegar fogo, seria um prato cheio. Uma crise — mais uma — com ampla repercussão global. Para o país, seria uma perda.
Marina não se molda às conveniências do cargo. Ela permanece — como a floresta que defende — em pé, mesmo sob ataque. A pergunta é: até quando? Lula é mestre em frituras eficientes e sutis. E a paciência de Marina tem limites. Sua permanência no ministério, porém, é menos uma escolha política e mais uma necessidade civilizatória, às vésperas da realização da COP 30, no Brasil.
Podemos não concordar com todas as suas ideias. Mas Marina tem algo que a maioria desse governo não tem: coerência e coragem para enfrentar, em público e nos bastidores, o que considera errado.
É justamente por isso que, provavelmente, não resista muito tempo.