
A contradição, por si, não é um problema. Ninguém que vive no mundo real — fora da bolha dos discursos fechados — escapa dela. Contradição pode ser riqueza. Pode ser abertura. Pode ser dúvida honesta.
Mas quando ela vira incoerência e serve apenas a projetos de poder, aí já não é ambiguidade legítima — é conveniência disfarçada.
Geraldo Alckmin, vice-presidente do Brasil, esteve em dois eventos que dizem muito sobre os desafios da nossa fragilizada democracia: a posse do novo presidente do Irã, e, menos de um ano depois, a reinauguração de uma fábrica da Coca-Cola em Porto Alegre. O que parece apenas um fluxo natural de agenda é, na verdade, um retrato cristalino do caos simbólico que tomou conta de parte da política, não apenas no Brasil, mas no mundo inteiro.
Ao legitimar a posse de um regime fundamentalista, violento, misógino e repressivo como o do Irã, Alckmin chancelou quem persegue minorias, nega direitos básicos e governa pela força do medo. Ao estampar o mesmo sorriso diplomático em uma festa da Coca-Cola — ícone global do capitalismo e da liberdade de mercado — pareceu ignorar que os aiatolás, por ele legitimados, considerariam aquele evento um ritual de perversão ocidental.
Alckmin parece deslizar, confortável, de um extremo ao outro, sem ter avaliado corretamente, espero, o absurdo que protagonizou.
Ingressou no PSB não por afinidade ideológica, mas por necessidade eleitoral. Abandonou o antipetismo feroz dos tempos em que chamava Lula de chefe de quadrilha, para virar seu vice em nome de uma “frente ampla” que não resiste ao exame da coerência mínima.
Alianças por ideias são parte da democracia. Alianças por espaço de poder são parte do desgaste.
Compromisso institucional tem limite. No caso de um vice-presidente do Brasil, ele deveria ser o do respeito aos valores democráticos. Alckmin, que hoje paira entre a estética do socialismo, a opressão fundamentalista e os bastidores do mercado, talvez devesse escolher com mais clareza o que deseja representar — antes que ninguém mais saiba no que ele de fato acredita.
Talvez nem ele saiba.