
Polêmica desde o berço e lançada na sexta-feira (31) pelo Amazon Prime Video, a série Tremembé (2025) faz pensar em uma das 40 coisas que o cineasta gaúcho Jorge Furtado disse ter aprendido durante seus 40 anos de carreira.
Uma das lições de Furtado vem do escritor estadunidense Kurt Vonnegut (1922-2007), autor de Matadouro 5 (1969) e Café da Manhã dos Campeões (1973): "Dê ao leitor ao menos um personagem pelo qual ele pode simpatizar".
Com quem o espectador dos cinco episódios ambientados no chamado presídio dos famosos, em São Paulo, pode simpatizar?
Suzane von Richthofen (papel de Marina Ruy Barbosa), que mandou matar seus pais por causa de uma herança milionária?
Os irmãos Daniel Cravinhos (Felipe Simas), namorado de Suzane, e Cristian Cravinhos (Kelner Macêdo), que assassinaram o casal Richthofen com golpes de barras de ferro enquanto eles dormiam?
Anna Carolina Jatobá (Bianca Comparato), que estrangulou a enteada de cinco anos, Isabella, e Alexandre Nardoni (Lucas Oradovschi), que jogou a filha pela janela do sexto andar?
Elize Matsunaga (Carol Garcia), que matou e esquartejou o marido?
Roger Abdelmassih (Anselmo Vasconcelos), que cometeu mais de 50 estupros de pacientes em sua clínica de fertilização?
Sandra Regina Ruiz Gomes, a Sandrão (Letícia Rodrigues), mentora do sequestro e do homicídio de um vizinho de 14 anos?
O desafio ao público se torna colossal porque a série ficcional baseada em livros do jornalista Ulisses Campbell e dirigida por Vera Egito e Daniel Lieff é ruim de doer. Acho que consegue ser pior do que outra incursão nacional no gênero bancada pelo Amazon Prime Video, Maníaco do Parque: Um Serial Killer Brasileiro (2024).

Tremembé alterna a narrativa nos presídios — onde foca em formação de alianças e atos de sabotagem — com flashbacks que reconstituem os crimes horríveis de seus personagens.
A história começa com a transferência de Suzane von Richthofen para o Tremembé, porque ela estava ameaçada de morte em outro presídio. Sua chegada ao presídio feminino remete àquelas séries adolescentes sobre garotas que trocam de colégio.
Lá, a protagonista interage com Anna Carolina Jatobá e vira pivô de um triângulo amoroso: para obter benefícios, se aproxima de Sandrão, que namora Elize Matsunaga.
Entrementes, na penitenciária masculina, Daniel Cravinhos sofre com o sentimento de culpa, despertando preocupação em seu irmão, Cristian Cravinhos — que, por sua vez, engata um romance com um jovem gay que é filho de policial, Duda, o Lua (vivido por João Pedro Mariano).
Roger Abdelmassih finge passar mal para obter prisão domiciliar, e Alexandre Nardoni reluta em fazer o Teste de Rorschach, uma avaliação psicológica que pode ajudá-lo a conseguir uma saída temporária para visitar os dois filhos que teve com Anna Carolina. Ao mesmo tempo, o personagem constrói uma maquete do edifício onde moravam para ilustrar a sua tese sobre Isabella ter sido morta por um invasor.
A quantidade de personagens e a variedade, de, por assim dizer, dramas garantem algum dinamismo para Tremembé — no sono ninguém deve cair. O maior risco é sentir vergonha alheia.
O único ator do elenco que tem um desempenho digno é Kelner Macêdo, protagonista do filme Corpo Elétrico (2017). Enxergamos em Cristian seu amor pelo irmão e compreendemos seu pragmatismo na vida de cadeia.
Marina Ruy Barbosa está ridícula na pele de Suzane, que na série é para ser uma maluquete sedutora e manipuladora — suas principais armas são lançar um olhar apatetado e fazer bocão.
Lucas Oradovschi ficou realmente semelhante a Alexandre Nardoni, mas investiu em um registro de interpretação tão exagerado que ele parece um personagem paranoico de alguma comédia.
Por sua vez, a Anna Carolina Jatobá de Bianca Comparato, sempre com uma expressão de dor e angústia no rosto, é tão hostilizada pelas outras detentas que só falta ser transformada em uma mártir — bizarramente, a série nos convida a sentir pena dela.
Nas cenas de Roger Abdelmassih, Anselmo Vasconcelos envereda pelo humor — como se estupro não fosse um crime hediondo —, enquanto Felipe Simas e Carol Garcia só transmitem apatia, e não tormento, ciúme ou raiva.
Tendo a favor o fato de ser pouco conhecida pelo grande público, Letícia Rodrigues até consegue magnetizar como Sandrão, mas sua atuação é prejudicada pelo texto — que, como praticamente tudo na série, é um crime contra o bom gosto.
Provavelmente no intuito de emprestar verossimilhança e crueza a uma produção ambientada em uma penitenciária, Tremembé adora preencher os diálogos com palavrões e expressões chulas que soam forçadas quando saem da boca de seus atores — vide quando Sandrão rebate uma suspeita de Elize: "Ela até tentou oferecer aquela boceta ruiva dela pra mim. Mas eu disse que já tenho uma loirinha".
Aliás, embora nunca passem de pegação ou das preliminares, transas são constantes na série. O, digamos, erotismo é um dos apelos de Tremembé, que também aposta no voyeurismo do público em relação à violência feminina (tem sempre uma briga de mulher por acontecer) e no fascínio macabro e controverso por crimes chocantes.
Se o emprego da sensual canção Time of the Season (1968), da banda Zombies, na cena em que Elize Matsunaga esquarteja o marido pode ser encarado apenas como uma tentativa de ironia musical, a reconstituição do assassinato de Isabella Nardoni certamente reacende o debate sobre a exploração do sofrimento das vítimas e de suas famílias por obras semelhantes, sejam ficcionais ou documentais.
É assinante mas ainda não recebe a minha carta semanal exclusiva? Clique AQUI e se inscreva na minha newsletter.
Já conhece o canal da coluna no WhatsApp? Clique aqui: gzh.rs/CanalTiciano




