
Ganhador de três prêmios importantes no Festival de Cannes — melhor direção (Kleber Mendonça Filho), melhor ator (Wagner Moura) e melhor filme segundo a crítica — e escolhido pelo Brasil para tentar repetir em 2026 a conquista histórica de Ainda Estou Aqui (2024) no Oscar internacional, O Agente Secreto (2025) estreia nos cinemas do país nesta quinta-feira (6).
O título será exibido em mais de 700 salas de 370 cidades, tornando-se o maior lançamento nacional neste ano. A distribuição é da Vitrine Filmes, com patrocínio master da Petrobras.
Também nesta quinta, o longa-metragem entra em cartaz na Alemanha e em Portugal. Em seguida, inicia sua trajetória no circuito dos Estados Unidos, para ganhar visibilidade e impulsionar a campanha rumo ao Oscar. No dia 26 de novembro, estreia em Nova York, e em 5 de dezembro, chega a Los Angeles — posteriormente, vai alcançar mais cidades do país.
Na França, o lançamento está marcado para 17 de dezembro, dia seguinte ao anúncio, pela Academia de Hollywood, dos 15 semifinalistas na categoria do Oscar de melhor filme internacional. Outros grandes mercados mundiais, como China, Coreia do Sul e México, também vão receber a produção.

O Agente Secreto é um thriller político ambientado em Recife, em 1977, durante a ditadura militar — que nunca é chamada pelo nome. Nem precisa: o clima de medo difuso ou até de paranoia resultante da vida sob um governo autoritário impregna os ambientes das cenas e os relacionamentos entre os personagens. A recorrência do quadro com a foto oficial de Ernesto Geisel (1907-1996), gaúcho que ocupou a Presidência do país entre 1974 e 1979, ilustra a vigilância implacável e o cerceamento das liberdades de expressão e política.
Wagner Moura interpreta Marcelo, um especialista em tecnologia industrial que chega a Recife com uma mala cheia de mistérios e segredos — todos bem guardados sob a interpretação sutil do ator, que investe em minúcias cataclísmicas. Ele vem para reencontrar o filho pequeno, Fernando, que está aos cuidados dos pais de sua esposa falecida, Fátima — personagem encarnada por Alice Carvalho, que tem uma cena pequena, mas poderosa nos flashbacks.

Pouco a pouco, o diretor e roteirista Kleber Mendonça Filho vai armando seu tabuleiro, introduzindo seus personagens — como dona Sebastiana (Tânia Maria), que acolhe Marcelo, e o delegado Euclides (Robério Diógenes) — e interligando a jornada de um com o destino de outro, o folclore de Recife com a história do Brasil, o passado com o presente, os bilhetes de Fernando para o pai com os temas do apagamento da memória e da manipulação da verdade, a perna humana encontrada dentro de um tubarão com um gato que tem duas caras.
Como esses dois últimos elementos sugerem, O Agente Secreto lança mão do terror e do humor, a exemplo do que Kleber fez em seus longas-metragens anteriores. Aliás, o novo filme reúne vários temas, várias características e até vários rostos vistos em Crítico (2008), O Som ao Redor (2012), Aquarius (2016), Bacurau (2019, com Juliano Dornelles) e Retratos Fantasmas (2023).
Além da memória, um assunto recorrente em toda a sua carreira, temos uma história sobre opressão e resistência; temos uma declaração de amor a Recife e ao próprio cinema; temos a valorização da cultura nordestina e a crítica ao sentimento de superioridade das regiões Sudeste e Sul; temos a fusão de gêneros cinematográficos e o ecumenismo da trilha sonora: vai de Não Há Mais Tempo (Angela Maria) a If You Leave me Now (Chicago), de Love to Love You Baby (Donna Summer) a Eu Não Sou Cachorro Não (Waldick Soriano), de A Briga do Cachorro com a Onça (Banda de Pífanos de Caruaru) a Guerra e Pace, Pollo e Brace (Ennio Morricone).
"O Brasil não gosta de encarar assuntos desagradáveis"

Na segunda-feira (3), o diretor e roteirista Kleber Mendonça Filho, a atriz Alice Carvalho e a produtora Emilie Lesclaux estiveram na capital gaúcha para participar de duas sessões lotadíssimas de O Agente Secreto, uma na Sala Paulo Amorim da Casa de Cultura Mario Quintana e outra na Cinemateca Capitólio, ambas promovidas pelo 13º Frapa, o Festival de Roteiro Audiovisual de Porto Alegre. Os três concederam uma entrevista coletiva. Confira os principais trechos da conversa com o cineasta:
Por que a ditadura militar nunca é mencionada em O Agente Secreto?
Guerras são horríveis, mas também existe um momento da guerra em que a vida, ela continua existindo. E dependendo da região de um país em guerra, talvez alguém até poderia dizer: "Nem parece que tem uma guerra". Quando eu era criança, falava-se da ditadura, muito, mas todo mundo estava vivendo a sua vida. Eu acho que nenhum filme se sustenta se o tema ocupar o tempo todo da história sendo contada. Então, eu queria construir uma atmosfera daquele momento, que fosse verdadeira e franca, histórica. Mas a palavra ditadura nem está ali. Como a palavra racismo não está em O Som ao Redor. Mas as coisas estão bem evidentes, principalmente pelo clima, não por que haja alguém discutindo o assunto. Eu geralmente evito que o assunto seja discutido em cena. Está todo mundo falando daquilo, mas ninguém está falando daquilo.
Em entrevista para a BBC News Brasil, você disse que a Lei da Anistia, promulgada em 1979, fez mal para o Brasil. Pode explicar por quê?
A Anistia, em 1979, pode ter parecido uma boa ideia para aquele momento. Muita gente que estava exilada voltou para o Brasil. Mas, em visão retrospectiva, eu acho que a lei colocou embaixo do carpete conflitos, muita violência e muitos crimes que foram cometidos, principalmente pelo Estado. E isso criou, ao meu ver, como observação minha, de cidadão brasileiro, uma espécie de trauma de memória no país. Porque, assim, se coisas muito ruins acontecem, é só a gente dizer "não, não, não, não quero, não, vou esquecer, vou esquecer, vou esquecer, pirilimpimpim" e está tudo certo. Acho que não é uma maneira de lidar com os crimes do passado. No Brasil, talvez faça parte da nossa cultura, da nossa mistura, a gente não encarar assuntos muito desagradáveis no país. O filme, quando passou na Espanha, em San Sebastián, despertou várias reações muito interessantes, baseadas na história da Espanha e na ditadura do (general Francisco) Franco (1936-1975), que não foi muito bem administrada pela sociedade espanhola. Acho que existe algo semelhante no Brasil. Muitos torturadores, acho que tecnicamente é possível chamar vários deles de psicopatas, eles envelheceram até morrer com 90 anos e com pensões intactas. Nós temos dificuldade de lidar com o passado. O filme se passa em 1977, mas logo comecei a me dar conta que eu estava escrevendo sobre coisas que estavam voltando, porque o último governo (o de Jair Bolsonaro) tinha um fetiche, um desejo quase... Sabe festa de Halloween, que todo mundo quer ir fantasiado porque se sente engraçado e cool? Parecia que eles estavam querendo trazer de volta os anos 1960 e 1970, os anos dourados da ditadura. E aí voltaram muito forte a xenofobia, a homofobia, a misoginia... E eu também fiquei preocupado quando ouvi uma palavra que não ouvia há pelo menos 30 anos: a ditabranda. Ou seja, a ideia de que a nossa ditadura foi muito leve, era para terem morrido 100 mil. Achei muito estranho estar escrevendo um filme sobre 1977 tendo esses climas meio contemporâneos.
Seus filmes falam muito sobre memória, sobre preservar lembranças e histórias. Você disse que pensou Crítico, que tem entrevistas com cineastas e críticos, como uma cápsula do tempo. Em Aquarius, a personagem da Sônia Braga é a última moradora de um prédio na praia de Boa Viagem, em Recife, e vive sendo assediada por uma imobiliária para vender o apartamento. Em Bacurau, um cenário muito importante é um museu. Retratos Fantasmas revê os tempos de glória e a decadência dos cinemas de calçada. O Agente Secreto também fala muito sobre memória, mas acrescenta o tema do esquecimento, não? Fala de histórias que foram mal contadas, de biografias que merecem ser reparadas.
O mundo inteiro está se encaminhando para um grande blecaute. Milhões de imagens são feitas todos os dias, a cada hora, e tem muita coisa importante que é filmada. Eu acho que esse material vai sumir. E, para piorar, hoje há uma tendência das imagens serem alteradas. Para fazer a reconstituição de época em O Agente Secreto, pesquisamos alguns perfis no Facebook e no Instagram com fotos de Recife de antigamente. Toda cidade tem uma página assim. Às vezes, eu via, "ah, pô, essa foto é boa da Guararapes (avenida famosa da capital de Pernambuco), vou usar como referência", e aí eu copiava e mandava para Thales (Junqueira, o designer de produção). Só que, de uns anos para cá, começaram a surgir fotos da Guararapes que não são exatamente da Guararapes, porque já passaram por inteligência artificial, a foto agora está colorida, se você for olhar as pessoas do outro lado da rua, elas são uns monstrinhos. Só falta rabo. E os carros são inventados pela IA. E esse tipo de imagem vai começar a substituir os arquivos reais, e daqui a 20 anos vai ter dizendo "Olha como era linda a Guararapes", só que não é mais a Guararapes, isso aqui é outra coisa. Então, isso tudo, para mim, é muito fascinante. Alguém mostrar no futuro, ah, essa aqui é a sua avó. E não é a avó da pessoa. Porque a cara dela está mudando ao longo dos anos, e hoje ela tem três olhos. Então, é muito engraçado, e é muito assustador.
Como está a campanha para o Oscar e qual é a sua expectativa diante das apostas da imprensa de Hollywood, que vem cotando O Agente Secreto para várias categorias, incluindo a de melhor filme?
Foram 38 dias sem ir em casa, visitando oito ou nove países. Mas tirando a parte de ficar longe dos filhos, na verdade é muito prazeroso. A agenda é feita de uma maneira que eu consigo descansar. E você pode conhecer até alguns dos seus heróis. O Oscar é uma festa dos Estados Unidos, e a gente está sendo muito bem recebido lá. Eu espero que a gente vá longe, mas eu estou indo para onde o filme me levar, alegre e feliz.
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