
O filme Tron: Ares (2025), que estreou na quinta-feira (9), ilustra bem uma tendência aparentemente irreversível nos cinemas de Porto Alegre — e provavelmente de todo o Brasil: o predomínio das versões dubladas sobre as legendadas.
Para quem não abre mão de ouvir as vozes originais dos atores, está cada vez mais difícil encaixar sua agenda com os horários de exibição. Das 45 sessões de Tron: Ares nesta terça-feira (14), 30, ou seja, 67%, são dubladas. Há apenas 15 com legendas.
O advogado do diabo pode argumentar que Tron: Ares é um filme com classificação indicativa 12 anos, então é natural haver mais opções na versão dublada, para atender às crianças que estiverem acompanhadas por seus pais ou responsáveis.
Ok.
Mas o terror Invocação do Mal 4: O Último Ritual (2025), que tem classificação indicativa 16 anos, estreou no dia 4 de setembro com 62 sessões: 45 eram dubladas (72,5%) e apenas 17 tinham legendas (27,5%). Dos seis horários nesta terça, cinco são nas versões dubladas.
O filme sobre MMA Coração de Lutador: The Smashing Machine (2025), que também não é recomendado para menores de 16 anos, entrou em cartaz no dia 3 de outubro com 25 horários, sendo 15 na versão dublada (60% a 40%).

Até filmes com classificação indicativa 18 anos, que proíbe a entrada de menores de 16 anos mesmo na companhia do pai ou responsável, estão sendo lançados com mais sessões dubladas do que legendadas. Demon Slayer: Kimetsu no Yaiba — Castelo Infinito (2025) estreou em 11 de setembro com 28 horários na versão dublada e 18 no idioma original (60% a 40%). A Longa Marcha: Caminhe ou Morra (2025) chegou em 18 de setembro com 11 sessões dubladas e sete legendadas (61% a 39%).
Entre os mais recentes grandes lançamentos, o único caso em que a balança se inverteu foi o de Uma Batalha Após a Outra (2025) — mas foi uma vitória apertadíssima: 13 sessões com legendas e 12 cópias dubladas.

Por que está acontecendo essa avalanche de versões dubladas? O que explica a recusa do público em ouvir os atores na sua voz original, que é fundamental no seu trabalho? Haverá o dia em que não teremos mais cópias legendadas?
Para responder a essas perguntas, conversei com o diretor de programação do GNC Cinemas, a principal rede gaúcha, que tem salas em Porto Alegre — no shoppings Iguatemi, Moinhos e Praia de Belas — e Caxias do Sul e também em quatro cidades de Santa Catarina (Balneário Camboriú, Blumenau, Criciúma e Joinville).
Hormar Castello Júnior tem 60 anos de vida e trabalha há 25 no ramo. Ele lembra que, no passado, no tempo em que a projeção dos filmes não era digital, o custo alto de cada cópia em 35 mm — US$ 1 mil, segundo Hormar — forçava os exibidores a fazer uma escolha: ou a versão legendada, ou a dublada. Muito excepcionalmente, como no caso de um Titanic (1997), ofertava-se tanto de uma quanto da outra.
O público tem preferido as versões dubladas. Nossos números de bilheteria comprovam isso.
HORMAR CASTELLO JÚNIOR
Diretor de programação do GNC Cinemas
— Agora, com os projetores digitais, podemos variar mais, tendo na mesma sala o filme em versão legendada ou dublada. E o público tem preferido mais a dublada. Nossos números de bilheteria comprovam isso — conta o diretor de programação do GNC Cinemas, que, vale dizer, segue sendo um fiel espectador dos filmes no seu idioma original: — Sem dúvida, perde-se muito da atuação nas versões dubladas. De 20% a 30%, se é que dá para mensurar.
Conforme Hormar, a tendência se acentuou após a pandemia de covid-19.
— Talvez por comodismo. As pessoas não querem ficar duas horas e meia lendo na tela frases de cabo a rabo — diz Hormar. — Mas pode haver um outro lado: a qualidade das dublagens. É impressionante como melhorou. Os dubladores são muito bem escolhidos, e a repetição cria uma familiaridade do público com o ator.
O cara não consegue ficar duas horas sem usar as redes sociais? E não estamos falando só de adolescentes. Às vezes, vejo senhoras fazendo isso.
HORMAR CASTELLO JÚNIOR
Diretor de programação do GNC Cinemas
Há um outro fator que, na minha opinião, impulsiona a demanda por versões dubladas dos filmes: o uso do celular. Muitos supostos espectadores levaram para dentro do cinema o conceito de segunda tela, mas não necessariamente para pesquisar sobre a história que está sendo contada, acessar algum tipo de conteúdo complementar ou interagir nas redes sociais em tempo real. Não raro, estão simplesmente fazendo outra coisa nos seus smartphones, como acompanhar um jogo de futebol ou colocar em dia os e-mail do trabalho.
Ao "assistirem" às versões dubladas, essas pessoas podem manter a cabeça baixa e só voltar os olhos para o filme quando algum diálogo — em português — chamar sua atenção.
Hormar concorda:
— Infelizmente, o pessoal vem abrindo bastante o celular durante a sessão. Tem gente que fica filmando cenas para postar. A luz do aparelho atrapalha, tira a nossa concentração. O cara não consegue aguentar duas horas sem usar a rede social? — indaga Hormar, que acrescenta: — E não estamos falando só de adolescentes. Às vezes, vejo senhoras fazendo isso.
E qual será o futuro para quem só gosta de ver filmes com o idioma original? Existe o risco de só haver versões dubladas? A resposta de Hormar Castello Júnior é preocupante:
— Espero não ver isso acontecer. Acho que pelo menos uma sessão legendada sempre haverá. O que pode acontecer é de existirem dias específicos na semana para filmes legendados.
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