
É muito triste que um filme lindo e premiado como o paranaense Nó (2025) entre em cartaz em apenas um cinema de Porto Alegre e com somente uma exibição por dia. Acho que a Sala Eduardo Hirtz da Casa de Cultura Mario Quintana poderia oferecer mais de uma sessão, para dar oportunidade ao público que não pode no horário das 17h.
Nó é o primeiro longa dirigido por Laís Melo. Antes, ela realizou os curtas-metragens Tentei (2017) — que recebeu três Candangos no Festival de Brasília: melhor curta, atriz (Saravy) e direção de fotografia — e Me Deixei Ali (2020), também estrelado por Saravy, protagonista de A Felicidade das Coisas (2021), de Thais Fujinaga, e do próprio Nó.
Laís e Saravy assinam juntas o roteiro de Nó, que ganhou três Kikitos no Festival de Gramado, em agosto: melhor direção, melhor fotografia (Renata Corrêa) e melhor filme pelo Júri da Crítica. Para justificar esse último troféu, Raquel Carneiro, da Veja, escreveu: "Filmes são janelas para o mundo, mas existem filmes que vão além da espiada indiscreta e nos transportam para o meio da cena. Entramos em casas apertadas e sentimos os cotovelos encostados nos dos personagens. São filmes capazes de fazer a plateia sentir o cheiro de um ambiente novo e de uma profissão que não exercemos. E ali, imersos, esquecemos que estamos na poltrona do cinema. Muitos filmes desta edição causaram esse efeito no Júri da Crítica, mas um se destacou por seu olhar afiado para o universo que se propõe a retratar, por seus enquadramentos e técnicas ousadas e por atuações inebriantes".

Uma semana antes, na apresentação de Nó no Palácio dos Festivais, uma reflexão de Laís Melo saltou aos ouvidos por causa de sua pertinência e de sua transcendência: como a gente filma o violento sem violentar de novo nossos corpos? É uma pergunta válida para qualquer filme que se proponha a abordar a violência, seja física, psicológica ou social.
A trama flagra a personagem interpretada por Saravy, Glória, em um momento delicado na sua família, no trabalho e na vida pessoal. Depois de um divórcio conturbado, a protagonista mudou-se para um apartamento alugado no centro de Curitiba com as três filhas: as adolescentes Sabrina (Sali Cimi) e Mita (Antonia Saravy) e a menina Thayná (Clarice Carvalho).
Quando Airton, o ex-marido, resolve pedir a guarda integral das filhas, Glória vê-se obrigada a disputar com a melhor amiga, Maga (a atriz trans Fernanda Silva), e outros três colegas a vaga de supervisora na fábrica de pipoca doce onde trabalha duro e muito. A promoção significaria o dobro do salário e mais horas de convívio com a família.
Entrementes, Glória descobre um caroço em suas costas que ela esconde de todo mundo. Pode ser um câncer, por exemplo, ou uma espécie de representação física das suas angústias.
Nó tem um começo claudicante e termina com um diálogo militante que soa artificial em mais de um aspecto (tanto nas interpretações quanto no cotejo com a trajetória da protagonista) e com uma cena de realismo mágico que pareceu deslocada (em relação ao naturalismo adotado ao longo de todo o filme) e não tão bem executada. Mas entre uma coisa e outra Nó atinge o sublime. Fiquei com lágrima nos olhos em pelo menos um par de cenas.
Saravy tem uma atuação nuançada e emocionante. Transmite tanto seu amor de leoa pelas filhas quanto sua exaustão por causa de uma vida de trabalho puxado e cobertor curto. Permite-se também a fuga, a raiva e a serenidade.

Seu monólogo na audiência sobre a guarda é antológico. Com a câmera parada em seu rosto, sem cortes, Glória desabafa sobre uma aflição comum a muitas mães: "Nos dias das minhas filhas com o pai eu não sei absolutamente nada delas"; explica que ela e as meninas já se organizaram: "A escola fica perto, a gente tem rotina e elas têm sonhos"; e conclui com sinceridade e esperança: "Eu erro, sim, mas é para acertar depois".
Filmadas com atenção ao gestos mínimos e editadas sem pressa, as cenas de interação entre Glória, Sabrina, Mita e Thayná transformam o corriqueiro em mesmerizante. É tão bonito ver a cumplicidade e o carinho entre a mãe e as filhas — e para isso contribuiu a escalação de Antonia Saravy e Clarice Carvalho, que são filhas de Saravy na vida real. Claro que há precariedade financeira, estresse, uma bronca materna mais forte, alfinetadas entre irmãs; mas os alicerces daquela casa são o afeto, o cuidado e o ato de compartilhar.
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