
O mundo do cinema comemora nesta sexta-feira, 20 de junho, os 50 anos do título que inaugurou a era dos filmes arrasa-quarteirão, os blockbusters, como Hollywood chama: Tubarão (Jaws, 1975), de Steven Spielberg, atualmente disponível no Telecine.
— Antes de Tubarão, o lançamento de grandes produções era diferente. Os estúdios estreavam seus filmes aos poucos, por região, aumentando ou diminuindo as cópias com o tempo. Com Tubarão, a Universal fez um lançamento massivo, com 409 cópias invadindo os cinemas dos Estados Unidos. Foi histórico. E mesmo com tantas salas exibindo, as filas dobravam o quarteirão. Inclusive em Porto Alegre: há uma foto clássica da fila no Cine Victória, na Esquina Democrática — lembra o crítico Rodrigo de Oliveira, editor da revista digital Almanaque 21, que realizou em maio, na Sala Paulo Amorim, uma sessão comemorativa.
A trama quase todo mundo deve conhecer: quando a comunidade litorânea de Amity, na Nova Inglaterra (EUA), é atacada por um enorme e perigoso tubarão branco, o policial Brody (Roy Scheider), o jovem biólogo marinho Hooper (Richard Dreyfuss) e o experiente caçador Quint (Robert Shaw) embarcam na desesperada missão de liquidar o monstro antes que ele volte a promover um banho de sangue no mar.
Spielberg não queria filmar "Tubarão"

O que talvez muita gente desconheça é que o parto de Tubarão não foi tranquilo. Aliás, nem foi desejado: Steven Spielberg embarcou no projeto com relutância, por considerá-lo entretenimento de segunda linha. O que ele queria mesmo era fazer filmes autorais, como Contatos Imediatos do Terceiro Grau (1977), que o diretor só pôde levar adiante justamente por causa do êxito comercial desse clássico do suspense.
Spielberg, que tinha apenas 27 anos na época das filmagens de Tubarão, em 1974, passou muitas noites sem dormir por causa da adaptação do romance de mesmo nome escrito por Peter Benchley. O caos e uma tensão permamente regiam a produção, que estourou orçamento (era de US$ 3,5 milhões e terminou em US$ 9 milhões) e prazo (os 55 dias previstos se tornaram 159). Sua equipe estava à beira do motim. Será que o menino-prodígio elogiado por Encurralado (1971) e Louca Escapada (1974) morreria na praia?

Mais tarde, o cineasta três vezes ganhador do Oscar — como diretor e produtor de A Lista de Schindler (1993) e como realizador de O Resgate do Soldado Ryan (1999) — reconheceria sua parcela de culpa, atribuída a uma combinação de arrogância da juventude, coragem e estupidez.
Em vez de filmar cenas aquáticas em um tanque, como queriam os produtores, o diretor impôs locações reais na costa leste dos EUA, tendo de lidar com o humor da natureza em mar aberto. Ao ser informado de que não era possível treinar tubarões, como golfinhos e orcas, Spielberg viu que seu filme dependeria de um monstrengo mecânico que, junto com o roteiro escrito e reescrito no set pelo próprio Benchley e por Carl Gottlieb, virou a sua grande dor de cabeça.
Embora fosse um recurso revolucionário à época, Bruce — o apelido do tubarão de mentirinha com movimentos eletrônicos — vivia dando pane e submetendo atores e técnicos a longas esperas que deixavam nervos à flor da pele. A solução, lapidada na montagem assinada por Verna Fields, foi deixar o bicho fora de cena o maior tempo possível e, em um lance hitchcockiano, concentrar a narrativa na tensão sugerida por sua presença — algo que a trilha sonora composta por John Williams se encarregou de reforçar brilhantemente.

O irônico é que Spielberg não se entusiasmou muito quando Williams, com quem o diretor havia iniciado uma afinada e longeva parceria em Louca Escapada, apresentou seu conceito minimalista para a música, sustentada por apenas duas notas graves. Mas, ao explicar e demonstrar o efeito de suspense que a modulação das notas em diferentes velocidades provocava, o cineasta comprendeu a proposta.
Os acordes que provocam um efeito apavorante sobre os espectadores na sala escura, alertando sobre o perigo iminente, acabaram premiados com o Oscar. Tubarão também levou as estatuetas douradas de edição e som, além de concorrer na categoria de melhor filme.
Primeiro filme a superar US$ 100 milhões nas bilheterias

Reverenciado pela crítica, Tubarão também foi um tremendo sucesso de público desde sua estreia nos cinemas dos EUA, em 20 de junho de 1975 (em Porto Alegre, só foi desembarcar mais de seis meses depois, no dia 25 de dezembro do mesmo ano). Houve uma agressiva campanha publicitária: a Universal investiu US$ 700 mil, uma fábula naqueles tempos, em spots de 30 segundos no horário nobre da televisão.
O resultado foi imediato. Tubarão bateu o recorde de arrecadação nos primeiros 10 dias de exibição nos EUA — os US$ 21,1 milhões pagaram os custos de produção e já geraram lucro. O filme ficou 14 semanas seguidas como o mais visto no mercado estadunidense e se tornou o primeiro a superar a casa dos US$ 100 milhões em bilheteria.
Mundialmente, Tubarão faturou um total de US$ 477,9 milhões. No Brasil, foram 13 milhões de ingressos vendidos, uma marca que viria a ser superada somente por Titanic (1997).
Trama de 1975 pode ser vista como premonição da pandemia

Além de ter inaugurado a era dos blockbusters, Tubarão rendeu três sequências (todas esquecíveis, a não ser pelos motivos ruins), foi referenciado ou parodiado incontáveis vezes e deu origem a um subgênero inesgotável, vide os já clássicos Orca: A Baleia Assassina (1977) e Piranha (1978) e os recentes Megatubarão 2 (2023) e Sob as Águas do Sena (2024).
— Tubarão é um filme pop, mas nunca raso — comenta o crítico Rodrigo de Oliveira. — É uma trama que já em 1975 apontava os malefícios do negacionismo, ao mostrar um prefeito que fechava os olhos para os perigos de um tubarão que atacava a praia de sua cidade turística.
De fato, o filme parece uma parábola premonitória sobre a pandemia de covid-19 que vivemos no começo dos anos 2020: há uma ameaça da natureza que deixa a população em pânico, a análise de um cientista é ignorada, políticos fazem piada sobre o caso, empresários pressionam contra o fechamento do balneário de verão...
É assinante mas ainda não recebe a minha carta semanal exclusiva? Clique AQUI e se inscreva na minha newsletter.
Já conhece o canal da coluna no WhatsApp? Clique aqui: gzh.rs/CanalTiciano