
Todo mundo sabe quem são os pais do Batman: Thomas e Martha, assassinados na frente do menino Bruce Wayne, que a partir daquela trágica noite jurou vingar suas mortes dedicando o resto de sua vida à guerra contra o crime.
Todo mundo também achava que sabia quem era o pai do personagem: durante 76 anos, de 1939 a 2015, apenas o nome de Bob Kane (1915-1998) era creditado como criador, seja nas histórias em quadrinhos, seja nas adaptações para o cinema ou a TV.
É o segredo mais triste e a maior injustiça na trajetória do Cavaleiro das Trevas: o Homem-Morcego jamais teria nascido se não fosse o trabalho de Bill Finger (1914-1974), que morreu pobre, sozinho e sem fama.
E Bill Finger jamais teria sido reconhecido se não fosse o trabalho do escritor estadunidense Marc Tyler Nobleman, que em 2012, após mais de uma década de pesquisa, publicou o livro Bill the Boy Wonder: The Secret Co-Creator of Batman.
O impacto foi semelhante ao daquelas típicas reviravoltas nas tramas de super-herói. Descobriu-se, por exemplo, que o icônico visual do Batman foi concebido por Finger. Ele também sugeriu que o personagem se distanciasse do Superman, sucesso surgido em 1938, e incorporasse traços de Sherlock Holmes, do Sombra e do Zorro, tornando-se um detetive soturno e com identidade secreta. O desenhista Bob Kane, no fim das contas, estava mais para vilão do que para mocinho.
Essas descobertas já deram origem ao documentário Batman & Bill (2017), de Don Argott e Sheena M. Joyce, e a duas histórias em quadrinhos: Bill Finger: A História Secreta do Cavaleiro das Trevas (2019), dos brasileiros Diego Moreau, Douglas P. Freitas, Sandro Zambi e Ítalo Silva, e Bill Finger: À Sombra de um Mito (2022), escrita pelo estadunidense Julian Voloj, desenhada pelo israelense Erez Zadok e publicada recentemente no Brasil pela editora Pipoca & Nanquim (tradução de Bernardo Santana e Rodrigo Lobo, 140 páginas, R$ 109,90).

No texto de apresentação de Bill Finger: À Sombra de um Mito, Marc Tyler Nobleman presta tributo ao colecionador Jerry Bails (1933-2006), que nos anos 1960, quando foram organizadas as primeiras convenções de quadrinhos, tratou de dar palco a Finger — mas, naqueles tempos muito anteriores ao advento das redes sociais, a voz do roteirista não reverberou o suficiente. E Bob Kane sempre encontrou um jeito de abafá-la.
O prefácio de À Sombra de um Mito é assinado por Athena, a neta de Finger cuja existência era ignorada antes das pesquisas de Nobleman. Ela também é a personagem que abre e que fecha a HQ — primeiro na infância, quando tenta convencer a sala de aula sobre a importância de seu avô na criação do Batman; depois já adulta, em uma cena que seria capaz de arrancar lágrimas do próprio Cavaleiro das Trevas.

Voloj e Zadok formaram uma dupla dinâmica: a narrativa vai e volta no tempo, ora retratando as investigações de Nobleman, ora reconstituindo a parceria entre Bob Kane e Bill Finger. Parceria não é a palavra certa: estava mais para exploração, trapaça, parasitismo.
Kane nunca mencionou o nome de Finger aos editores da Detective Comics, a revista em que Batman estreou. Mesmo o roteirista tendo sido quem, conforme o desenhista Jerry Robinson (1922-2011), "além de criar quase todos os outros personagens, inventou toda a persona, todo o temperamento, a história e a origem do Batman. Tudo". Aliás, partiu de Finger a ideia de o Homem-Morcego ganhar um interlocutor mirim, e Robinson foi quem bolou o uniforme e batizou de Robin o menino-prodígio.

Nos contratos com a DC Comics para a publicação das histórias, Kane também embolsava a maior parte do dinheiro. A certa altura, passou a empregar desenhistas fantasmas, artistas jovens que topavam permanecer anônimos em troca de uma remuneração que consideravam boa. Lew Sayre Schwartz (1926-2011), que diz ter desenhado 115 aventuras entre 1947 e 1953, afirma a Nobleman:
— Ele me pagava cem dólares, o que era bastante dinheiro na época, ainda mais para um moleque. Ele ficava com quinhentos. Tudo bem.
Se Schwartz não se incomodava, Sheldon Moldoff (1920-2012), outro desenhista fantasma, vai além: deixaria só Bob Kane nos créditos de criação do Batman. Para Moldoff, foi graças à combinação de talento, energia, sensibilidade e dedicação de Kane, ainda que apenas nos anos iniciais, que o Batman se tornou um campeão de popularidade. A cereja do bolo era sua aptidão para os negócios.
Bill Finger, por sua vez, tinha a criatividade inversamente proporcional à produtividade. Estava sempre atrasado com os roteiros dos seus personagens, que incluíam o Lanterna Verde e o Pantera (por esses, sim, ele era creditado). Amigos e colegas contam que Finger também estava sempre precisando de dinheiro, sempre pedindo adiantamentos.
A vida pessoal somava dois casamentos que acabaram em divórcio e um filho com quem Finger não falava há anos. Ele sofreu três ataques cardíacos, em 1963, 1970 e 1973, e em 18 de janeiro de 1974 foi encontrado morto no sofá de seu apartamento, vítima de aterosclerose coronária oclusiva. Tinha só 59 anos.
Em 1989, surfando no sucesso do filme Batman, de Tim Burton, Bob Kane publicou um livro autobiográfico, Batman and Me. Ele diz: "Preciso admitir que Bill nunca teve a fama e o reconhecimento que merecia. É um herói não celebrado. Sempre digo à minha esposa que, se pudesse voltar 15 anos no tempo, antes de ele morrer, eu diria 'vou colocar seu nome lá, você merece'".
Papo furado: até sua morte, em 1998, Kane nunca pediu que a DC passasse a creditar Finger nas histórias do Batman.
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