
Por onde quer que se olhe, Branca de Neve (Snow White, 2025) é o grande fracasso do ano até agora.
Comercialmente, o filme que estreia nesta quarta-feira (11) no Disney+ foi um desastre monumental. Custou cerca de US$ 250 milhões e arrecadou somente US$ 205,5 milhões nas bilheterias dos cinemas. Vale comparar com o live-action seguinte da Disney, Lilo & Stitch, que tem orçamento estimado em US$ 100 milhões e já faturou US$ 772,4 milhões ao redor do mundo.
Artisticamente, Branca de Neve tem tudo para receber várias indicações ao Framboesa de Ouro. Só não é um naufrágio completo por causa do esforço da atriz Rachel Zegler. Ela busca personificar o coração puro e generoso da personagem que surgiu em conto de fadas publicado em 1812 pelos Irmãos Grimm e que protagonizou o primeiro longa-metragem de animação do estúdio, Branca de Neve e os Sete Anões (1937).
Dirigido por Marc Webb, o mesmo da comédia romântica (500) Dias com Ela (2009) e das duas aventuras do Homem-Aranha estreladas por Andrew Garfield, Branca de Neve foi a 17ª versão com atores ou em estilo realista dos clássicos desenhos animados da Disney. Essa onda interminável começou com Alice no País das Maravilhas (2010), que arrecadou US$ 1 bilhão e deu sinal verde para novas produções. Outros três filmes já tiveram renda bilionária: A Bela e a Fera (2017), Aladdin (2019) e O Rei Leão (2019), atualmente a décima maior bilheteria de todos os tempos, com US$ 1,66 bilhão. Depois de Lilo & Stitch, em breve virão Moana, Hércules, Robin Hood, Os Aristogatas, Bambi...
Branca de Neve já nasceu amaldiçoado. À la Emilia Pérez (2024), arregimentou um clube do ódio. Para começar, há quem não aguente mais os remakes.
Assim que a Disney escalou para o papel principal Rachel Zegler, revelada no musical Amor, Sublime Amor (2021), de Steven Spielberg, as redes sociais foram inundadas por execráveis comentários racistas — com ascendência polonesa e colombiana, a atriz não seria branca como a neve.

Aos detratores de Zegler, somaram-se os de Gal Gadot, que é ex-integrante das forças de defesa de Israel e tem sido uma voz ativa em relação à guerra do seu país contra o Hamas. "Nunca imaginei que nas ruas dos Estados Unidos e em cidades pelo mundo veríamos pessoas que não condenam o Hamas e ainda celebram, justificam e incentivam o massacre de judeus", ela disse em março de 2024.
A recepção inicial do live-action junto à crítica também não foi boa. Manohla Dargis, do New York Times, escreveu que o filme "não é bom o suficiente para ser admirado, nem ruim o suficiente para ser malhado divertidamente: sua mediocridade está entre seus maiores problemas". No Boston Globe, Odie Henderson fez um trocadilho com os nomes dos Sete Anões: disse que tinha esperança de que Branca de Neve o deixasse Feliz, mas ficou Soneca e Zangado.

A transformação dos Sete Anões ajuda a explicar a catástrofe. Com medo de acusações de capacitismo (a discriminação, violência ou atitude preconceituosa contra pessoas com deficiência), a Disney decidiu mudar a configuração dos personagens.
Tudo começou com uma crítica de Peter Dinklage, ator com nanismo que adquiriu fama como o Tyrion Lannister da série Game of Thrones. Para ele, o septeto reforçava estereótipos ultrapassados e retratava pessoas com nanismo como figuras dóceis e submissas.
Em resposta, a Disney transformou Soneca, Dengoso, Feliz, Atchim, Mestre, Zangado e Dunga em criaturas mágicas (que jamais são chamadas de anões) e geradas por computação gráfica — ou seja, o estúdio negou trabalho a sete atores com nanismo. Suas características emocionais foram mantidas, mas o visual é quase bizarro: os personagens ficaram desproporcionais em relação ao elenco humano. Depõem contra o que considero uma das razões de existirem as chamadas versões live-action: o emprego de atores e atrizes para emprestar realismo à fantasia. Aliás, os cenários de Branca de Neve também parecem todos digitais, nada parece autêntico.
O irônico, para não dizer intrigante, é que entre os coadjuvantes há um ator com nanismo, George Appleby, no papel de Quigg, uma liderança em um grupo de bandidos — calma: eles não são vilões. Estão mais para a resistência ao governo despótico da Rainha Má — sim: a roteirista Erin Cressida Wilson, a mesma de A Garota no Trem (2016), procurou transformar Branca de Neve em uma espécie de princesa politizada.

Para tanto, Branca de Neve leva um puxão de orelhas de outro ladrão, Jonathan (o insosso Andrew Burnap), que a critica por querer resolver a opressão do reino distribuindo tortas de maçã. Esse personagem tem um senso de humor insuportável que remete ao Flynn Rider dublado por Luciano Huck em Enrolados (2010) e um figurino anacrônico para aproximá-lo dos garotos dos dias mais atuais: jaqueta jeans e moletom com capuz. O mais ridículo é que Jonathan troca duas vezes de roupa, incluindo um visual totalmente branco, mas sempre com a combinação jaqueta e capuz.
Por fim, vamos falar de Gal Gadot, que, além de não ser boa atriz, está perdidaça no papel. Não sabe se age como a grande malvadona de todos os tempos ou se tenta alcançar o exagero algo cômico. Acaba condenada a um limbo: nunca é ameaçadora de fato, muito menos engraçada. A exigência de cantar só piora sua situação. Mas pelo menos a atriz não tem de dançar. Ou tem? Se aparece dançando, não vi porque, confesso, eu estava dormindo na sessão no cinema.
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