
Em cartaz desde quinta-feira (19) nos cinemas, Extermínio: A Evolução (28 Years Later, 2025) ilustra duas coisas. Uma é negativa; a outra, positiva.
A primeira, mais evidente, é a aparentemente interminável tendência de os estúdios cinematográficos só apostarem no que já deu certo, abrindo mão da criatividade e da originalidade para investir em franquias ou na nostalgia, ao retomar histórias contadas 20, 30, 40 anos atrás. Se em 2024 Hollywood lançou mais de 30 continuações, prólogos, refilmagens e derivados, a temporada atual também terá dezenas de títulos assim.
Extermínio: A Evolução é sequência direta de Extermínio (2002), com o mesmo diretor, Danny Boyle, vencedor do Oscar por Quem Quer Ser um Milionário? (2008), e o mesmo roteirista, Alex Garland, cineasta de Guerra Civil (2024). Os realizadores ignoraram os eventos de Extermínio 2 (2007), de Juan Carlos Fresnadillo, e já disseram que o filme de agora, ambientado 28 anos depois do primeiro, abre uma trilogia. O próximo capítulo, 28 Years Later: The Bone Temple (Extermínio: O Templo dos Ossos, em tradução livre), tem direção de Nia DaCosta, que assinou Candyman (2021) e As Marvels (2023), e está previsto para estrear em janeiro de 2026.

Protagonizado por Cillian Murphy, o primeiro Extermínio tornou-se um clássico do subgênero dos zumbis ao mesmo tempo em que o inovou. Em vez mortos-vivos lentos e em decomposição, Boyle e Garland apresentaram criaturas vivas e velozes, movidas por uma fome insaciável e por uma fúria incontrolável despertadas por um vírus que estava sendo desenvolvido em laboratório. O filme influenciou obras como The Walking Dead, história em quadrinhos criada em 2003 por Robert Kirkman e Terry Moore que depois daria origem a um popular seriado de TV, e Guerra Mundial Z, romance publicado em 2006 por Max Brooks que depois ganhou adaptação para o cinema com direção de Marc Forster e Brad Pitt no papel principal.
A segunda coisa que Extermínio: A Evolução ilustra é a aparentemente inesgotável capacidade de os zumbis se prestarem a metáforas sobre a época em que foram gestados.
Basta observar a carreira do mestre deste subgênero do terror, George A. Romero (1940-2017). A Noite dos Mortos-Vivos (1968) é uma alegoria política sobre as minorias vítimas de intolerância e preconceito nos Estados Unidos. Em O Despertar dos Mortos (1978), o diretor criticou o consumismo, e em Dia dos Mortos (1985), o militarismo da Era Reagan. Terra dos Mortos (2005), por sua vez, aludiu à desigualdade social, tanto no âmbito das cidades quanto na geopolítica mundial.
Cineastas do Sudeste Asiático também se destacam nessa praia. Em Invasão Zumbi (2016), do sul-coreano Yeon Sang-ho, as criaturas que se multiplicam em um trem para Busan nos lembram: a qualquer momento, as circunstâncias (políticas, econômicas, sanitárias etc) podem tornar irreconhecíveis as pessoas ao nosso redor. Estão sempre em xeque os laços sociais e afetivos que nos dão identidade e segurança.
Outro filme da Coreia do Sul, #Alive (2020), de Cho Il-hyung, abordou, em plena pandemia de covid-19, temas como o medo de ser contaminado, o isolamento, a proteção aos entes queridos, a ética das estratégias de sobrevivência, o poder das redes sociais, a necessidade de cooperação, aquilo que nos mantêm agarrados à existência e a esperança por uma cura.
Em Taiwan, o diretor Rob Jabbaz também refletiu o clima do mundo sob o signo do coronavírus em A Tristeza (2021). Mas esta odisseia violentíssima vai além da alegoria, perguntando: o que seria de uma sociedade polarizada se a gente só atendesse aos impulsos do id? Que civilização seria possível se não houvesse as instâncias mediadoras e repressoras do ego e do superego? E em que velocidade todas as construções sociais podem ruir, fazendo desaguar um contagioso e irrefreável banho de sangue?

Em Extermínio: A Evolução, Danny Boyle e Alex Garland avançam em um tema que havia surgido em Extermínio: a masculinidade tóxica, sobre a qual Garland, na dupla função de diretor e roteirista, debruçou-se no subestimado terror Men: Faces do Medo (2022). É um assunto que gerou o faroeste desconstrutivo Ataque dos Cães (2021) e que também rende abordagens cômicas, como na série espanhola Machos Alfa, que estreou em 2022 e já tem três temporadas.
No primeiro filme, as personagens vividas por Naomie Harris e Megan Burns são ameaçadas de estupro por militares que não veem problema em usar a violência para gerar filhos que garantam a sobrevivência humana. No novo filme, ainda que mulheres possam exercer cargos de poder, o mundo parece contaminado por uma hostilidade tipicamente masculina.

O cenário inicial é uma comunidade que, isolada em uma ilha, se mantém segura das criaturas raivosas que infestaram o resto do Reino Unido. A única conexão com esse vasto território selvagem é uma estradinha de chão que só surge durante a maré baixa.
Nesse local, praticamente inexistem profissões que não envolvam a força bruta. O protagonista, Spike (Alfie Williams), é um menino de 12 anos prestes a enfrentar um agressivo rito de passagem: na companhia do pai, Jamie (Aaron Taylor-Johnson), deve fazer a travessia para matar o seu primeiro zumbi.
Já não se trata de uma luta para continuar vivo, mas de uma caça em busca de status social: matar significa, ora, virar homem. Não à toa, a arma empregada é uma flecha, um notório símbolo fálico.

Mais adiante, Spike terá de fazer uma nova travessia, agora na companhia da mãe, Isla (Jodie Comer), que está muito doente. Não é a virilidade que guia o guri, mas o amor. Para ajudá-la, quer encontrar um médico que, dizem os rumores, continuou vivendo no "continente": Kelson, papel de Ralph Fiennes, que empresta dignidade a qualquer personagem, por mais exótico que seja.
Nas duas travessias, o grande perigo é um zumbi evoluído, todo pelado, marombado, ultraviolento, mais rápido e com um pênis avantajado que fica balançando enquanto ele corre (obviamente, é uma prótese). Apropriadamente, as criaturas desse tipo são chamadas de Alfa.
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