
O mundo da música perdeu nesta quarta-feira (11) um gênio atormentado: Brian Wilson, o cérebro da banda californiana The Beach Boys e o mentor de um dos discos mais revolucionários e sofisticados do rock, Pet Sounds (1966), que legou ao mundo as lindíssimas canções Wouldn't It Be Nice e God Only Knows (esta última sempre leva Paul McCartney ao choro, já disse o beatle). Ele tinha 82 anos e havia sido diagnosticado com um tipo de demência em 2024.
Sobre Pet Sounds, vou reproduzir aqui um texto do meu amigo Marcelo Perrone, publicado em Zero Hora por ocasião dos 50 anos do disco, em 16 de maio de 2016:
"Existe um tanto de romantismo e um pouco de verdade em associar uma obra-prima a um gênio criador excêntrico, visionário e, não raro, com parafusos a menos soltando sua imaginação para fazer o que ninguém fez antes. Nesta segunda-feira, completam-se 50 anos do lançamento de um desses trabalhos que definem o antes e o depois dele: Pet Sounds, disco creditado à banda americana The Beach Boys mas que, a rigor, formatou-se na cabeça de seu líder, Brian Wilson.

As 13 faixas do álbum apresentado em 16 de maio de 1966 promoveram uma guinada não apenas na carreira do grupo, até então associado à surf music que embalava a ensolarada Califórnia. Pet Sounds apontou o caminho da experimentação sonora no estúdio, da desestruturação de harmonia e melodia, da colagem de ruídos, da busca por instrumentos e efeitos até então estranhos à música pop.
Wilson teve como inspiração para Pet Sounds o LP Rubber Soul, lançado pelos Beatles em dezembro de 1965. Não apenas repetir as criativas inovações mostradas pelos britânicos, mas superá-los na corrida pela evolução e elevação da música pop virou sua obsessão. Ali, Wilson percebeu que não queria mais juntar um punhado de canções alegrinhas falando de praia, namoros, carros e garotas bronzeadas que tocavam sem parar nas rádios. Pensava em um conceito que amarrasse, desse unidade a uma proposta musical única. Quis transcender a efemeridade do pop para criar uma obra de arte perene.
E conseguiu, assumindo um alto custo emocional e físico. Ele convenceu os Beach Boys, completados por seus irmãos Dennis (1944-1983) e Carl (1946-1998), o primo Mike Love e o amigo Alan Jardine, a partirem sem ele para uma turnê pelo Japão. Queria ficar enfurnado no estúdio com os tarimbados músicos (entre eles a baixista Carol Kayer, o guitarrista Barney Kessel e o baterista Hal Blaine) que buscou para ajudá-lo a erguer as complexas e inusitadas ideias que tinha plenamente organizadas na cabeça. Desconcertou esses músicos com suas propostas, mas encontrou neles parceiros entusiasmados que prontamente reconhecerem que ali estavam escrevendo um capítulo seminal da história do rock.
Dennis, Carl, Mike e Al retornaram de viagem e foram ao estúdio gravar os vocais. Estranharam tudo aquilo. Mike Love foi o mais resistente, abrindo uma frente de oposição a Brian que prosseguiria pelas décadas seguintes, assumindo o comando da banda quando o líder se afastou e com disputas judiciais milionárias.
Mesmo as músicas, digamos, mais radiofônicas de Pet Sounds (os hits Wouldn't It Be Nice, God Only Knows e a versão da canção tradicional Sloop John B) mostravam em suas estruturas a efervescência criativa de Wilson. Contrariando a expectativa da gravadora Capitol, que pouco se empenhou em seu promoção, Pet Sounds foi bem recebido por público e crítica, em especial no Reino Unido, o que muito agradou a Wilson.
Pet Sounds estimulou os Beatles a irem além em trabalhos como Revolver (1966) e, sobretudo, Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band (1967). Paul McCartney coloca God Only Knows entre as mais belas canções já feitas, e o produtor George Martin assumia que Pet Sounds lhe ajudou a saber até onde era possível chegar, para ir ainda mais longe, com Sgt. Pepper's.
Sgt. Pepper's, por sua vez, deixou Wilson sem chão. Ele quis ir ainda mais fundo na experimentação com o projeto seguinte dos Beach Boys, Smile, que ficou inacabado em razão de sua fragilidade emocional e do excesso de drogas de seu criador. O álbum foi retomado e lançado apenas em 2011. Um colapso mental levou Wilson a sair de cena por alguns anos, até voltar a se reunir com a banda e, a partir de 1988, tocar seus projetos solo".

A vida de Brian Wilson inspirou o filme The Beach Boys: Uma História de Sucesso (Love & Mercy, 2014), de Bill Pohlad, disponível para aluguel em Amazon Prime Video, Apple TV e Google Play.
Wilson foi encarnado por Paul Dano (indicado ao Globo de Ouro de melhor ator coadjuvante), na fase jovem, e por John Cusack, na fase adulta. O filme intercala momentos dos anos 1960, quando os Beach Boys rivalizavam artisticamente com os Beatles, e da década de 1980, quando Wilson estava doente, confuso, abandonado pela família e sob o controle de um psiquiatra abusivo: Eugene Landy, papel de Paul Giamatti.

Além do filme ficcional, vale muito assistir ao documentário The Beach Boys (2024), de Frank Marshall e Thom Zinny, que pode ser visto no Disney+. Com imagens até então inéditas e entrevistas exclusivas, esse título faz uma grande retrospectiva da carreira da banda, desde seu surgimento até os dias atuais, mostrando os dias de glória e os de ostracismo, as crises pessoais (o baterista Dennis Wilson, que chegou a ser amigo de Charles Manson, é um personagem à parte) e a redenção do grupo.
Brian Wilson, claro, ganha protagonismo em uma história que mistura drama familiar (temperado por um pai abusivo, dependência de drogas e doença mental) e bastidores do showbiz e que aborda a eterna guerra entre sucesso artístico e sucesso comercial.
É assinante mas ainda não recebe minha carta semanal exclusiva? Clique aqui e se inscreva na newsletter.
Já conhece o canal da coluna no WhatsApp? Clique aqui: gzh.rs/CanalTiciano