
Médium e um dos principais líderes espíritas do Brasil, o baiano Divaldo Franco, que morreu nesta terça-feira (13), aos 98 anos, em decorrência de um câncer na bexiga, teve sua vida contada no filme Divaldo: O Mensageiro da Paz (2019). Escrito e dirigido por Clovis Mello e estrelado por Ghilherme Lobo (que interpreta o personagem na adolescência e na juventude) e Bruno Garcia (na fase adulta), o título atualmente está indisponível no streaming.
Para o bem e para o mal, trata-se de um filme didático.
Por um lado, a cinebiografia é eficaz em explicar, para leigos como eu, a doutrina do espiritismo. Permite entender por que tanta gente — são pelo menos 4 milhões no Brasil — se sente acolhida na religião codificada por Allan Kardec (1804-1869).
É bastante confortador ouvir que não existe a morte, que nossos entes queridos só abandonam o corpo que conhecemos e elevam-se ao plano espiritual para futuramente reencarnarem.
E é profundamente necessária, nos dias de hoje, em meio à violência urbana e à disseminação do ódio nas redes sociais, a mensagem de amor ao próximo difundida por Divaldo Pereira Franco, que, com o amigo Nilson de Souza Pereira (1924-2013), fundou em 1952 a Mansão do Caminho, que abriga e ajuda milhares de crianças da periferia de Salvador. Eis um filme que nos aquece a alma e nos faz acreditar no caminho do bem.
Por outro lado, esse compromisso de condensar em duas horas os princípios do espiritismo e boa parte da trajetória de Divaldo engessou o filme de Clovis Mello (o mesmo da comédia dramática Ninguém Ama Ninguém por Mais de Dois Anos, de 2015) — ele próprio um kardecista nascido em uma família italiana e católica, como frisa no material de divulgação. Limitou o alcance artístico da obra, o que se traduz em atuações, na sua maioria, sem viço e em diálogos que soam artificiais, pois dotados de explicações, reiterações do que se está vendo e uso de termos que podemos chamar de técnicos (como “afinidade fluídica”).
Segundo consta, a única exigência de Divaldo foi de que a adaptação de sua trajetória fosse bem-humorada — e, de fato, o filme tem sua leveza e pode arrancar algumas risadas. Mas o personagem acaba retratado quase como um santo, passando incólume por eventuais conflitos dramáticos. O Espírito Obsessor, supostamente um tormento, não aflige o médium baiano, que, na arena das palavras (e como se fala neste filme!), vence com uma mão nas costas.

Divaldo: O Mensageiro da Paz é mais incisivo nas críticas à Igreja Católica. O padre, como que adotando a tática perversa das fake news, associa o espiritismo ao Diabo. Em outro momento, ele condena o suicídio de uma irmã de Divaldo, abrindo margem para uma discussão sobre as leis de Deus versus as leis da Igreja.
Por conta da opção pelo didatismo, a história é contada de forma bem linear. Começa em 1933, na cidade de Feira de Santana, onde o então menino Divaldo (João Bravo) pede ajuda à mãe, Dona Ana (Laila Garin), para lidar com as almas desencarnadas que diz ver — entre elas, Joanna de Angelis (Regiane Alves, prejudicada pelo excesso de texto), sua guia espiritual, e o Espírito Obsessor (Marcos Veras, entre o enérgico e o caricato). O pai, cético, fica dividido entre a repressão e a omissão.

A adolescência e a juventude ocupam mais da metade do filme, com Ghilherme Lobo (de Hoje Eu Quero Voltar Sozinho) exagerando no tom cômico — por conta disso, é difícil acreditar que Divaldo tenha sofrido qualquer tipo de problema ou dilema. Bruno Garcia, apesar de encabeçar o elenco, entra somente no final da trama, como a versão adulta do médium. Em poucos minutos, praticamente não altera as expressões de seu rosto, mas diz boas frases de efeito, daquelas que grudam na gente:
— Quem se dedica a enxugar a lágrima do outro não tem tempo para chorar.
Por falar em frases de efeito, há uma bela evocação de imagem naquela que talvez seja a cena mais bem-acabada de Divaldo. Há uma comunhão entre direção, fotografia, montagem e elenco na visita que o baiano faz ao médium mineiro Chico Xavier (1910-2002), outro personagem marcante do espiritismo que já foi biografado no cinema (por Daniel Filho, em 2010, com Nelson Xavier no papel principal), a exemplo de Bezerra de Menezes (levado às telas em 2008) e o próprio Kardec (no filme homônimo de 2019). Clovis Mello filma com calma e poesia o encontro, no qual Divaldo, ao se propor a trabalhar junto a Chico (interpretado por Álamo Facó), recebe como resposta:
— Somos como dois postes. Temos de ficar separados para levar luz a mais lugares.

Mas quem ilumina mesmo o filme, a cada cena em que surge, é Laila Garin. Foi um acerto do diretor mantê-la no papel nas três fases do longa: contribui para a identificação do espectador com um personagem, é ela quem guia nossas emoções.
Vista em Deserto Particular (2021) e em Vitória (2025), a atriz consegue transmitir, às vezes só com o olhar, todos os sentimentos da mãe do médium: o carinho, a dúvida, a indignação e, por fim, a paz de espírito trazida pelo filho. O protagonista pode ser Divaldo, mas é Dona Ana quem vale o filme.
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