
Existem filmes que perturbam, entristecem, provocam náusea, evocam traumas e afligem por causa da imprevisibilidade. E existem filmes que confortam, alegram, dão um quentinho no coração, transmitem mensagens positivas e oferecem a segurança de sabermos para onde estamos indo. Faz parte desse segundo grupo Campeões (Champions, 2023), que acaba de estrear no menu da Netflix.
Trata-se da versão hollywoodiana da comédia espanhola Campeones (2018), sobre um auxiliar técnico de basquete que, após bater em um carro da polícia ao dirigir embriagado, é condenado a um serviço comunitário: por 90 dias, terá de treinar um time de jogadores com deficiência intelectual.
Evidentemente, ele precisará desconstruir seus preconceitos e se reconstruir como um especialista em tática que também sabe lidar com o emocional dos seus comandados. Evidentemente, haverá idas e voltas na sua relação com a equipe. E, evidentemente, o lance característico de um atleta será crucial no clímax do filme. É uma fórmula conhecida, mas imbatível se o espectador estiver precisando apenas se sentir bem.
O protagonista de Campeões, Marcus Marakovich, é interpretado por Woody Harrelson, indicado ao Oscar de melhor ator por O Povo Contra Larry Flynt (1996) e às estatuetas douradas de coadjuvante por O Mensageiro (2009) e Três Anúncios para um Crime (2017).
O elenco que forma a equipe chamada de Friends inclui o autista Joshua Felder, no papel do craque Darius, que, por algum motivo, se recusa a jogar para Marcus, e quatro atores com síndrome de Down: Kevin Iannucci, que encarna o simpático Johnny, um protetor dos animais; Matthew Von der Ahe, que dá vida ao namorador Craig; James Day Keith, o Benny, que sofre com os abusos do patrão no restaurante onde trabalha lavando pratos; e Madison Tevlin, impagável na pele da franquísssima Cosentino.

A direção é de Bobby Farrelly, estreando em carreira solo (em 2024, ele lançou Querido Papai Noel). A combinação desse sobrenome com a sinopse pode causar apreensão.
Afinal, junto com o irmão, Peter, Bobby assinou comédias como Débi & Loide: Dois Idiotas em Apuros (1994), Quem Vai Ficar com Mary? (1997), Eu, Eu Mesmo & Irene (2000), O Amor É Cego (2001) e Ligado em Você (2003), nas quais buscavam fazer humor não raro grosseiro ou escatológico com todo tipo de personagens marginalizados e estereotipados — anões, obesos, pessoas com deficiência física ou mental, gêmeos siameses... E quando lançou-se em um projeto individual, Peter Farrelly cometeu Green Book (2018), o pior ganhador do Oscar de melhor filme.
Mas ainda que haja uma cena de vômito um tanto gratuita, por exemplo, e seja discutível a insistência nas piadas acerca da vida sexual de Craig, Bobby Farrelly é, na minha opinião, suficientemente cuidadoso para evitar a ridicularização dos jogadores. Pelo contrário, praticamente todos têm seu momento de nobreza, de vitória, de empatia e, por que não?, de humor.
Tampouco o diretor vira o fio, escorregando para a condescendência — mas, de novo, friso que essa é apenas a minha opinião. Outros olhares podem entender que Campeões explora os personagens do mesmo modo que Marcus, como acusa a irmã de Johnny, Alex (a radiante Kaitlin Olson, das séries It's Always Sunny in Philadelphia e Hacks), usa a narrativa inspiracional dos Friends como um trampolim para seu ingresso na NBA, a liga norte-americana de basquete.
Por falar em basquete, o esporte anda em alta na indústria do entretenimento. Em 2022, estrearam a série Lakers: Hora de Vencer e o filme Arremessando Alto. Em 2023, além de Campeões, vieram Air: A História por Trás do Logo e Homens Brancos Não Sabem Enterrar, uma refilmagem do título homônimo de 1992 que era estrelado por Wesley Snipes e, vejam só, Woody Harrelson.
Por falar em Harrelson, há duas piadas em Campeões que aludem à vida pessoal do ator. Uma faz graça com a sua semelhança com Matthew McConaughey (seu parceiro na primeira temporada da série True Detective), de quem pode ser irmão de sangue, como este último contou em abril de 2023. A outra parece uma ironia involuntária. Quando Marcus pergunta como Johnny "pegou" Down, soou como uma versão inofensiva do monólogo antivacina que o artista proferiu no programa Saturday Night Live em fevereiro de 2023.
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