
É a cilada em que toda franquia ou mesmo trilogia se mete por natureza — e por obrigação comercial: a cada novo filme, a escala tem de ser maior. No caso do agente Ethan Hunt, há dois agravantes: a cada nova aventura, o ator Tom Cruise, que dispensa dublês nas intensas e insanas cenas de ação, precisa subir a régua no seu desafio à morte; e Missão: Impossível — O Acerto Final (Mission: Impossible — The Final Reckoning, 2025) é o oitavo e supostamente o último título da cinessérie iniciada em 1996 que já faturou US$ 4,13 bilhões nas bilheterias.
Em cartaz a partir desta quinta-feira (22) nos cinemas, O Acerto Final retoma a trama de onde Acerto de Contas — Parte Um (2023) parou. Após escapar com a chave que pode controlar uma perigosíssima inteligência artificial (IA), a Entidade, Ethan volta a se reunir com sua equipe. Benji (Simon Pegg) talvez saiba como encontrar o submarino russo Sevastopol, onde está o código-fonte chamado de Podkova. Luther (Ving Rhames) desenvolveu a "pílula do veneno", que pode neutralizar a IA. A ladra Grace (Hayley Atwell) será o braço-direito do protagonista na missão.
Se é para ser um adeus, essa despedida tem proporções bíblicas e também referências bíblicas. Dinheiro não faltou: consta que O Acerto Final é o quarto filme mais caro da história, com orçamento na casa dos US$ 400 milhões. Só fica abaixo de Star Wars: O Despertar da Força (2015), que custou US$ 447 milhões, Jurassic World: Reino Ameaçado (2018), US$ 432 milhões, e Star Wars: A Ascensão Skywalker (2019), US$ 416 milhões.
O elenco é gigantesco como o da Bíblia, com cerca de 80 atores creditados. A turma inclui remanescentes da franquia, como Angela Bassett, na pele da presidente dos Estados Unidos (como na minissérie Dia Zero, também de 2025), e acréscimos — por exemplo, Katy O'Brian (de O Mandaloriano e Love Lies Bleeding) e dois coadjuvantes de seriados populares do Apple TV+: Tramell Tillman (de Ruptura) e Hannah Waddingham (de Ted Lasso).
Um dos cenários visitados, na África do Sul, é uma espécie de Arca de Noé do conhecimento humano.

A trama traz de volta personagens e elementos do que a gente pode considerar o Antigo Testamento, ou seja, os primeiros filmes da franquia Missão: Impossível, antes de o diretor Christopher McQuarrie assumir o comando, na quinta aventura. Vale dizer que este é um ponto controverso de O Acerto Final. Por um lado, acho bacana a ideia de interligar os enredos de todos os oito títulos, como se fosse uma única saga. Por outro, isso inclui revelar conexões familiares muito forçadas e encher o novo filme de flashbacks que acabam inflando a sua duração — são quase três horas.
A ameaça é de um apocalipse: a inteligência artificial pode se apoderar de todos os arsenais nucleares do mundo e acabar com a vida na Terra.

O nome do vilão é Gabriel (papel do insosso Esai Morales, um ponto fraco do filme), que na Bíblia é conhecido como o mensageiro de Deus, mas em O Acerto Final é o mensageiro do Anti-Deus, ou do Anticristo.
A Entidade é por vezes chamada de Senhor das Mentiras, expressão parecida com o nome dado a Satanás por Jesus Cristo no versículo João 8:44.
A chave que pode controlar a inteligência artificial tem formato de cruz.
E tanto o personagem Ethan Hunt quanto o ator Tom Cruise ganham contornos de Jesus Cristo, de um messias — alguém chega a dizer que ele precisa ser o melhor dos homens no pior dos tempos.
No filme, é só Ethan que pode salvar a humanidade, e para isso talvez ele precise se sacrificar. Pode ser até que tenha de ser ressuscitado.
Os integrantes de sua equipe sempre foram como seus apóstolos, e em O Acerto Final Ethan acolhe uma "pecadora", a assassina Paris (Pom Klementieff).
Se no filme a inteligência artificial está corrompendo imagens digitais e destruindo a verdade como a conhecemos, e se nas produções cinematográficas a inteligência artificial está cada vez mais presente, do lado de fora da tela Tom Cruise diz para a indústria e para o público que ele é a Encarnação da Verdade, com seu compromisso de se expor ao perigo nas cenas de ação e de evitar ao máximo os efeitos de computação gráfica.
Aliás, para Cruise a sala de cinema é como uma igreja, um templo sagrado onde a comunhão do público é uma experiência impossível de ser repetida na sala de casa. O ator já disse que nunca vai lançar um filme diretamente no streaming e pelo menos uma vez foi mesmo o salvador de Hollywood, quando Top Gun: Maverick (2022) se tornou o primeiro megassucesso de bilheteria depois da pandemia, que afugentou muitos espectadores e acelerou uma mudança de hábito: muita gente migrou para as plataformas na época da covid-19 e praticamente nunca mais voltou a frequentar um cinema.
Por fim, há duas cenas de ação — o mergulho no submarino nuclear afundado no geladíssimo Mar de Bering e as acrobacias na asa de um avião bimotor — que reafirmam a aproximação de Ethan Hunt e de Tom Cruise com Jesus Cristo: o personagem e o ator são tão humanos quanto divinos. É realmente um homem que está lá, debaixo d'água ou no céu, mas o que ele faz parece milagre.
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