
Lilo & Stitch (2002) não venceu o Oscar de melhor longa de animação nem foi um grande sucesso de bilheteria (arrecadou US$ 273 milhões), mas gradativamente se tornou um dos títulos mais queridos da Disney.
Uma frase do filme — "Ohana quer dizer família, e família quer dizer nunca abandonar nem esquecer" — virou bordão, virou mantra. E o personagem do monstrinho virou mania, virou produto: tem boneco de pelúcia, copo térmico, mochila, moletom...
Por isso, o desenho animado escrito e dirigido por Dean DeBlois e Chris Sanders acabou condenado a virar mais um live-action do estúdio. A adaptação com atores estreia nesta quinta-feira (22) nos cinemas.

Assinado por Dean Fleischer Camp, o mesmo de Marcel, a Concha de Sapatos (2021), Lilo & Stitch (2025) só tem desvantagens em relação ao original. Aliás, só deveria ser visto por quem nunca viu o original, que segue disponível no menu do Disney+ — fica a dica.
A história é a mesma. No planeta Turo, o cientista malvado Jumba desenvolve o Experimento 626, uma criatura destrutiva e quase indestrutível. As autoridades galácticas desaprovam a invenção de Jumba e sentenciam 626 ao exílio, mas ele consegue fugir, e sua nave cai no Havaí.
Na Terra, o patinho feio que veio do espaço é confundido com um cachorro e vai parar em um abrigo para animais abandonados. Lá, acaba adotado pela solitária Lilo (interpretada por Maia Kealoha), uma menina de seis anos que perdeu os pais em um acidente de carro. Ela corre o risco de o serviço social a afastar da irmã mais velha, Nani (Sydney Elizabeth Agudong), que tem dificuldades para equilibrar os papéis de estudante, trabalhadora e responsável por Lilo.
Entrementes, Jumba e um especialista em planeta Terra, o agente Pleakley, são enviados para tentar capturar o 626, agora rebatizado de Stitch.

A primeira desvantagem do filme de 2025 para o de 2002 era incontornável: a adaptação jamais poderia ser realmente realista. Stitch, que é simplesmente metade da equação, é um personagem gerado por computação gráfica.
Também há uma desvantagem inevitável na comparação entre a Lilo de carne e osso e a do desenho animado. Maia Kealoha se esforça, mas ela ainda não tem o talento e a experiência para mimetizar o dinamismo emocional da personagem original — que, claro, tinha a seu favor as ilimitações intrínsecas ao formato.

A propósito, o Lilo & Stitch de 2002 era visualmente bonito, com sua mistura de técnicas (desenho à mão na expressividade dos personagens, cenários e fundos em aquarela, animação digital nas cenas mais carregadas de ficção científica), e tinha um tom menos Disney e mais Looney Tunes — os anárquicos curtas produzidos pela Warner nas décadas de 1940, 1950 e 1960.
O Lilo & Stitch de 2025 tem uma direção de fotografia insípida e preguiçosa que é "realçada" pela edição absolutamente protocolar. Parece um filme baratinho feito para o streaming, e não para ser lançado nos cinemas, onde, em Porto Alegre, ocupa 27 salas (mais do que Missão: Impossível 8, que também estreia nesta quinta). A anarquia ficou do lado de fora: até os atos de revolta de Lilo são comportados ou pelo menos suavizados.
Uma das poucas mudanças significativas na trama se revela um tiro pela culatra. O Lilo & Stitch de 2025 aumentou o número de personagens humanos. A assistente social interpretada por Tia Carrere (que fez a voz de Nani na animação) torna quase inútil o Cobra Bubbles vivido por Courtney B. Vance.

Já Jumba e Pleakley usam um dispositivo tecnológico para virarem pessoas, encarnadas respectivamente por Zach Galifianakis e Billy Magnussen. Este último até que se empenha em trazer um pouco de diversão às trapalhadas sem sal da dupla. Mas Galifianakis está nitidamente de má vontade.
As contagiantes canções havaianas (ou inspiradas na música local) e os hits de Elvis Presley, como Hound Dog e (You're the) Devil in Disguise, continuam lá, mas Burning Love esfriou terrivelmente na versão de Nyjah Music e Zyah Rhythm, sobrinhos do cantor Bruno Mars.
A última desvantagem do Lilo & Stitch de 2025 tem a ver com o nosso bairrismo: na versão dublada em português, o live-action elimina até o charme gaúcho do desenho animado.
Naquela época, as dublagens dos desenhos da Disney no Brasil seguiam um rodízio de regionalização. Em Atlantis: O Reino Perdido (2001), um dos integrantes da expedição era "mineiro". Em A Nova Onda do Imperador (2000), se falava de manteiga de garrafa, item típico da cozinha nordestina.
Em Lilo & Stitch, o diretor de dublagens Manoel Garcia Jr. privilegiou o sotaque do Rio Grande do Sul.
— Bá, trilegal — diz um alienígena, no típico gauchês.
Quando Stitch é atropelado por um caminhão, já no Havaí, o motorista desce e pergunta ao colega:
— Mas o que foi isso, tchê?
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