Dura apenas 33 minutos, tem somente dois atores em cena, se passa em um único cenário e não investe em efeitos especiais o grande episódio das séries em 2024. É o quinto dos nove da segunda temporada de Monstros, criada por Ryan Murphy e Ian Brennan para apresentar versões ficcionais de crimes que chocaram os Estados Unidos. Depois de, em 2022, contarem a história do serial killer canibal Jeffrey Dahmer (1960-1994), em setembro eles lançaram na Netflix Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais (Monsters: The Lyle and Erik Menendez Story). Por causa da combinação de formato surpreendente e relato atordoante, esse episódio chega a suplantar o impacto do quarto capítulo de Bebê Rena, premiada no Emmy e também disponível na plataforma de streaming.
Alerto que, para justificar o veredito, terei de dar spoilers das duas minisséries.
O quarto episódio de Bebê Rena tem um efeito tipo Psicose (1960). Nele, descobrimos que a história contada e protagonizada por Richard Gadd não é exatamente sobre ser vítima de uma stalker: seu verdadeiro trauma decorre de ter sido, repetidas vezes, estuprado por um roteirista renomado que prometia uma porta de entrada no showbiz.
O quinto episódio de Irmãos Menendez: Assassinos dos Pais abre mão do senso de humor cáustico e despe-se dos exageros quase farsescos e da trilha sonora vibrante dos demais capítulos para registrar, em uma penitenciária da Califórnia, um depoimento do personagem Erik à advogada Leslie Abramson, papel de Ari Graynor. Ele é interpretado por Cooper Koch, ator dos filmes de terror Engolidos (2022) e They/Them (2022) que, aos 28 anos, tem talento e beleza para se tornar um novo astro em Hollywood — sobretudo em uma Hollywood que, hoje, é mais receptiva a artistas assumidamente gays. Erik e o irmão mais velho, Lyle (Nicholas Alexander Chavez), estão presos e à espera de um julgamento que pode condená-los à pena de morte: em 1989, assassinaram com 16 tiros de espingarda seus pais, José Menendez (Javier Bardem, aterrador), um imigrante cubano que começou como lavador de pratos e depois fez fortuna como empresário, e a mãe, Kitty (Chloë Sevigny), uma ex-miss.
A essa altura da minissérie, já sabemos que, pela versão contada por Lyle e Erik (e o roteiro a todo tempo confronta versões), haveria "atenuantes". Para a promotoria e a polícia, eles só estavam atrás da herança milionária, suspeita reforçadíssima pela gastança que empreenderam nos dias seguintes. Para os irmãos, foi uma espécie de legítima defesa, a culminação de muitos anos de humilhações, agressões físicas e abusos sexuais cometidos pelo pai. Tudo com a conivência da mãe.
É no quinto episódio, intitulado The Hurt Man (o homem ferido, ou o homem magoado) no original e rebatizado como O Apelido no Brasil, que Erik detalha tudo o que sofreu nas mãos do pai. Quando a advogada pergunta se ele lembra quando tudo começou, o personagem de Cooper Koch diz:
— Sinto que sempre aconteceu, porque sempre tive medo dele. Minhas primeiras lembranças são de estar fugindo.
Erik lembra das quatro maneiras diferentes pelas quais foi estuprado pelo pai quando era uma criança. Lembra dos nomes que deu a cada uma, como "joelhos" ou "sexo violento". Lembra das estratégias culinárias para minimizar o gosto ruim da "massagem bucal". Lembra dos objetos que seu pai usava para "preparar nosso corpo para coisas maiores". Lembra que, "quando seu pai está sempre bravo com você, nas vezes em que ele não está, em que ele te chama lá pra cima e diz 'Vamos tomar um banho?'", parece que "ele finalmente estava sendo legal" — os momentos de maior violência eram os únicos em que Erik sentia ser amado pelo pai. Lembra de viver pelos momentos em que não acontece e diz que, depois de matar o pai, agora finalmente pode amá-lo de novo. E lembra de quando percebeu: o que você é ou então deveria ser depois de uma infância dessas? Depois do que seu pai fez com você? Erik nunca conheceu a sua própria sexualidade, não sabe se seus instintos e sentimentos são naturais, são reais.
— Eu não lembro de nenhuma época em que meu pai não me fodia. Ele me estragou. Ele me partiu em dois, me fragmentou. Não sou uma pessoa de verdade. Talvez sejamos sociopatas. Mas você pode nos culpar, sabendo pelo que passamos?
O que torna esse episódio mais devastador, ao mesmo tempo em que nos aproxima de Erik a ponto de, pelo menos no nosso íntimo, perguntarmos quem são os verdadeiros monstros do título da série e absolvê-lo pelo parricídio, é a forma com o qual foi realizado. Diretor de seriados como Mad Men, American Horror Story, Ray Donovan e Fargo, Michael Uppendahl posicionou a câmera atrás da cadeira onde a advogada Leslie se senta após entrar na sala onde já se encontra Erik, com os ombros curvados e os lábios franzidos, de frente para nós. Uma mesa separa os dois personagens. Durante os 33 minutos do capítulo, não há um único corte na edição — foram oito tentativas para conseguir a gravação perfeita —, nem um movimento de câmera: trata-se de um plano estático, o que amplifica a crueza do depoimento e a atenção do espectador. À medida que Erik compartilha suas dolorosas memórias, o foco vai lentamente se fechando, primeiro reduzindo o cenário, depois tirando Leslie da imagem, até terminar em um close no rosto dele, as lágrimas escorrendo dos dois olhos.
— Nunca vai parar de doer.
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