
O inesquecível Chance, personagem de Peter Sellers em Muito além do jardim, diria que a primeira conversa entre os presidentes Lula e Donald Trump, nesta fase de restabelecimento das relações quebradas, está mais para semeadura do que para colheita. Que as plantas precisam de solo fértil, adubação, regas, desbaste e combate às pragas para garantir uma boa colheita.
Chance, para quem não viu o filme de 1979, é um simples jardineiro que por essas maravilhas da ficção se converte em conselheiro de poderosos ao responder perguntas complexas com frases desconexas sobre jardinagem, único mundo que conhece até ser atropelado e acolhido na mansão de Eve Rand, interpretado por Shirley MacLaine.
A relação entre Lula e Trump foi abalroada com a decisão do presidente dos Estados Unidos de taxar as exportações brasileiras com uma tarifa de 50%, alegando questões políticas, desrespeito à liberdade de expressão e perseguição do Supremo Tribunal Federal a Jair Bolsonaro.
Os dois se encontraram por 40 segundos no corredor de acesso ao plenário da Assembleia-Geral da ONU e Trump fez o célebre comentário sobre a “química” entre os dois, que tanto podia ser um chiste como uma tentativa de abrir portas para a renegociação, dado que os norteamericanos também estão sendo prejudicados pelos efeitos do tarifaço. Lula e a diplomacia brasileira agarraram a oportunidade no ar para construir uma ponte.
Em vez do encontro presencial, optaram pelo namoro à moda antiga. Primeiro um telefonema, acertado entre os diplomatas dos dois países. Hoje, durante a ligação com testemunhas dos dois lados, um convite de Lula para encontro presencial em território neutro, um convite para Trump vir à COP30 e o aceno para uma reunião entre os dois, no futuro, em Washington.
A troca de telefones foi um gesto simbólico — até porque os dois só conseguem conversar tendo um intérprete ao lado ou uma dessas engenhocas de tradução simultânea, como o Plaud. O importante é que quebrou-se o gelo. Lula teve a oportunidade de mostrar que os EUA são superavitários na relação com o Brasil e que são dois séculos de boa convivência entre os dois países.
Para dizer se foi um sucesso ou um fracasso, é preciso esperar os próximos movimentos de Trump em relação às tarifas. É possível que ele amplie a lista de produtos excluídos da taxação, não para agradar aos brasileiros, mas em defesa dos interesses dos consumidores dos Estados Unidos.
Mal terminou a reunião e o ministro Fernando Haddad, um dos participantes, a definiu como positiva. Em seguida, Lula publicou um post nas redes sociais dizendo o mesmo e fazendo acréscimos:
Faltava saber o que Trump achou da conversa, o que se saberia pela rede social dele, usada para fazer comunicados oficiais, a Truth Social. Não falta mais. Trump escreveu:
“Esta manhã, tive uma ótima conversa telefônica com o Presidente Lula, do Brasil. Discutimos muitos assuntos, mas o foco principal foi a economia e o comércio entre nossos dois países. Teremos novas discussões e nos encontraremos em um futuro não muito distante, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. Gostei da conversa — nossos países se darão muito bem juntos!”.
Virão ressalvas? Provavelmente, até porque o interlocutor designado por Trump é o secretário de Estado Marco Rubio, mais ideológico e menos pragmático do que o chefe.
Um acordo é bom para os dois países? É. Para além das divergências ideológicas, o comércio bilateral é potente e Trump não é bobo. Sabe que se escantear o Brasil estará empurrando o país para mais perto do chinês Xi Jinping e da União Europeia, com quem o Mercosul tem alinhavado um acordo de livre comércio.




