
O Nobel da Paz para a venezuelana María Corina Machado deve ser entendido como um tapa na cara dos tiranos, como tantas vezes já fez o Comitê Norueguês ao escolher seus homenageados, muito dos quais não puderam ir a Estocolmo porque são reféns e em seus países. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, é um tirano. O ditadorzinho de caricatura poderia servir de inspiração para os personagens absurdos do universo de Gabriel García Márquez, se o colombiano Nobel de Literatura não tivesse morrido pouco depois da morte de Hugo Chávez, que democrata também não era.
Aos 58 anos, María Corina seria a presidente da Venezuela se Maduro respeitasse as regras da democracia e aceitasse a alternância de poder. Como outros ditadores latino-americanos de diferentes épocas, Maduro encastelou-se no Palácio de Miraflores e ali se mantém pela força, depois de sequestrar as instituições democráticas, banir os opositores e calar a imprensa.
Essa mulher que o Comitê Norueguês agraciou com o prêmio sonhado por Donald Trump é um símbolo de resistência. Não pôde concorrer na última eleição porque Maduro a tirou do jogo sem qualquer motivo razoável. Seu substituto, que não tem nem metade da eloquência e do carisma dela, venceu a eleição, mas Maduro não reconheceu o resultado. Fez o que Jair Bolsonaro tentou fazer, sem sucesso, em 2022, quando perdeu no voto e colocou a culpa na urna eletrônica.
Não podendo culpar o sistema eleitoral, Maduro simplesmente sonegou as atas dos resultados e até hoje não cumpriu a promessa de apresentá-las. Decidiu que o vencedor era ele e o candidato Edmundo González precisou pedir asilo político na Espanha. María Corina ficou na Venezuela e vive escondida, comunicando-se com o mundo pela internet. Talvez não consiga ir a Estocolmo receber o prêmio, como outros líderes que lutaram pela paz em seus países, caso do chinês Liu Xiaobo. Homenageado em 2010, Liu Xiaobo morreu de câncer em 2017, enquanto cumpria pena de prisão por motivos políticos.
Maduro e seu antecessor Hugo Chávez, que isolou a Venezuela com seus delírios de poder absoluto, são responsáveis pelo êxodo de quase 10 milhões de venezuelanos. Milhares deles estão no Brasil, uns trabalhando em atividades incompatíveis com a sua formação superior, outros executando tarefas que os brasileiros rejeitam. Diferentemente dos ricos, que emigraram para os Estados Unidos, os que para cá vieram estão criando seus filhos longe da pátria, porque saíram de seu país fugindo da fome, da miséria e da repressão.
Não havia razão para a Academia Sueca dar um prêmio antecipado a Donald Trump, como fez com Barack Obama. Talvez ele venha a merecer no futuro. Em 2025, o Nobel da Paz é de uma mulher valente, que luta por democracia e deveria receber os cumprimentos de todos os líderes políticos que prezam os valores democráticos.
A parte da esquerda brasileira que passa pano para Maduro e para ditadores de republiqueta, como Daniel Ortega, da Nicarágua, pode torcer o nariz para María Corina, mas precisa reconhecer que ela fez por merecer. E que os suecos fizeram valer o testamento de Alfred Nobel, que em seu testamento deixou parte da fortuna para premiar pessoas ou instituições que tivessem contribuído significativamente para a Humanidade.




