
Passados quase 14 meses da enchente de 2024, os estragos provocados pela chuvarada dos últimos dias mostram que o dever de casa não foi feito por quem tem a responsabilidade pela execução de obras e pela população em geral, que parece não ter entendido o seu papel. É indiscutível que a chuva está sendo anormal se comparada a padrões de 10 ou 20 anos atrás, mas em 2024 os cientistas cansaram de avisar que deveríamos nos preparar para a ocorrência cada vez mais frequentes de tragédias climáticas.
A repetição de cenas de pessoas tendo de abandonar suas casas, com água pela cintura, levando os poucos pertences que podem carregar, atesta que, mesmo tendo dinheiro para a execução de obras essenciais, boa parte das prefeituras não conseguiu fazer o mínimo. Aqui não se fala das grandes obras de contenção de enchentes, que dependem de projetos sofisticados e licitações complexas (e que deveriam estar mais avançadas), mas do mínimo para proteger a população, como o hidrojateamento de canos obstruídos.
O caso de Canoas é um exemplo dessa ineficiência. Não há como separar o que é responsabilidade da gestão anterior e o que é da atual, mas o prefeito Airton Souza reconhece que só metade da canalização passou pelo processo de hidrojateamento. Isso explica por que o bairro Matias Velho alagou de novo, expulsando os moradores de casa. Não foi água que entrou no bairro como em 2024. Foi o sistema de drenagem que não conseguiu escoar a água da chuva.
O prefeito culpa o governo estadual, que não teria liberado recursos, mas o responsável pela Casa de Governo, substituta da Secretaria Nacional de Reconstrução, Maneco Hassen, garante que não faltou dinheiro para as prefeituras que encaminharam o plano de trabalho para esse tipo de serviço.
O que deu errado? O prefeito diz que “choveu mais do que o previsto” e cita uma previsão de 15 milímetros, totalmente defasada.
O que mais se ouve dos prefeitos é que “choveu demais”. Verdade que a partir de uma certa quantidade de chuva qualquer cidade do mundo pode alagar, mas no Rio Grande do Sul não se pode considerar “novo normal” as pessoas de determinados bairros precisarem trocar a mobília a cada 12 meses, antes de terminar de pagar as prestações.
As comportas do Guaíba ainda não foram exigidas depois da enchente de 2024, mas, se fossem, o desastre estaria consumado. Mais de um ano não foi suficiente para a prefeitura instalar um simples portão no Muro da Mauá.
Sobre os alagamentos, Melo também reclama — neste caso com razão — das pessoas que jogam lixo na rua sem se preocupar com as consequências. E cita o caso de um colchão encontrado em uma estação de bombeamento. Colchões desfilam com certa regularidade nos arroios da cidade, mas o que entope bueiros e canos é copinho plástico, garrafa pet, papel e todo tipo de tralha que as pessoas descartam nas ruas ou colocam na lixeira errada. Falta educação ambiental e se isso não mudar continuaremos a chorar pelos estragos a cada sequência de dias chuvosos.
A lentidão das prefeituras pode ser confirmada por outros números do governo federal em relação ao dinheiro empenhado para a execução de obras. Das 394 pontes aprovadas, 241 ainda não tiveram as obras iniciadas. Das 68 obras de contenção, 31 ainda não começaram. Nenhuma das 26 escolas aprovadas está em obras. Das 32 unidades de saúde, 27 não começaram a ser construídas. O governo federal libera os recursos conforme a obra evolui. Se não começou — e aí cada prefeitura tem a sua explicação — o dinheiro não entra mesmo.