
O jornalista Henrique Ternus colabora com a colunista Rosane de Oliveira, titular deste espaço.
Deve ser assinado até o início de julho o acordo entre governo estadual e Ministério Público (MP) que vai garantir, sem controvérsias, a aplicação na saúde de 12% do orçamento gaúcho. A negociação prevê incrementos anuais progressivos até que o Estado atinja essa meta, que é o percentual mínimo exigido pela Constituição Federal. No momento, o principal entrave é o prazo que o Executivo terá para cumprir com a obrigação.
A expectativa de concluir o pacto dentro de um mês é da promotora de Direitos Humanos de Porto Alegre, Gislaine Luckmann, responsável pelas tratativas com o Estado. Conforme a promotora, quatro pontos de divergência atrasam o acerto entre as partes.
Inicialmente, o Piratini propôs alcançar o mínimo constitucional a partir de 2031. Até lá, faria incrementos anuais para aumentar gradativamente investimento. Insatisfeita, a promotora propôs um período menor, tentando conciliar o cumprimento constitucional com o impacto nas contas públicas.
— A gente propôs 2028, para não afetar tanto os próximos governos. Mas analisando os impactos, concordaria que chegássemos a 2029. A gente não sabe como vai ser a arrecadação dos próximos governos. São vários pontos que estamos considerando para realmente conseguir ultimar o acordo — explica Gislaine.
Dessa discussão, surge a segunda discordância, a respeito de quanto serão os acréscimos anuais que o Estado deverá fazer até atingir o percentual mínimo. Quanto maior o prazo, menor o incremento em cada ano.
Além disso, o Ministério Público exige que o governo deposite os valores provenientes do acordo no Fundo Estadual da Saúde, com o argumento de ter mais controle e transparência sobre os recursos. Na proposta do Piratini, os pagamentos seriam feitos a uma conta corrente do Executivo vinculada aos gastos com saúde.
Por último, a promotora também quer incluir uma cláusula para garantir que o Estado faça o pagamento de uma pendência de 2006. Naquele ano, o MP entrou na Justiça e obteve sentença favorável para que o Estado pagasse a diferença entre o que foi aportado na saúde e o mínimo constitucional. Em valores corrigidos, a dívida do governo com este caso é de aproximadamente R$ 1,6 bilhão. O pagamento seria feito com aportes parcelados no orçamento da saúde, e começaria somente depois que o Rio Grande do Sul atingir os 12%.
— O acordo não pode ser bom só para o Estado. Ele tem que ser bom para a sociedade — define a promotora.
Nesta segunda-feira (16), a promotora Gislaine Luckmann tem um encontro com a Associação de Municípios da Região Metropolitana (Granpal) para explicar o acordo. Desde março, quando a situação nos hospitais e postos de saúde nas cidades da região tornou-se crítica, os prefeitos cobram para que o Estado amplie o orçamento a fim de atingir os 12% exigidos pela Constituição.
O acordo não pode ser bom só para o Estado. Ele tem que ser bom para a sociedade.
GISLAINE LUCKMANN
Promotora de Direitos Humanos
Até o final da semana passada, ainda não estava marcada uma nova rodada de negociação entre Estado e MP, mas a previsão da promotora é de que uma reunião deve ocorrer entre terça ou quarta-feira.
Valores
Tanto o Piratini quanto o MP têm interesse no acordo para dar fim a processos que cobram justamente a aplicação do mínimo constitucional. A polêmica acontece porque o governo inclui no cálculo do orçamento anual despesas que não se referem diretamente a investimentos ou custeio da saúde na prática — que atualmente correspondem a 9,3% da receita. Um dos exemplos dos gastos chamados de "controversos" é a contribuição patronal do IPE Saúde.
Legalmente, o Estado cumpre com os 12%, e tem o aval do Tribunal de Contas do Estado (TCE). Com o acordo, o governo reservará oficialmente 14,5% do seu orçamento para a saúde: 12% em aportes e 2,5% com os custos controversos. Eduardo Leite argumenta que este modelo de cálculo é adotado, pelo menos, desde 2014.
Segundo o MP, o Rio Grande do Sul deixa de aplicar cerca de R$ 1,5 bilhão na saúde todos os anos com este ajuste no cômputo. A partir da assinatura do acordo, caberá ao Estado definir como organizará o orçamento para encaixar os incrementos na saúde, e será prevista punição caso o pacto seja descumprido.
Anúncio bilionário e o SUS gaúcho
Na última segunda-feira (9), o governador Eduardo Leite condicionou à concretização do acordo um aporte de R$ 1 bilhão na saúde até o final de seu mandato. Serão R$ 250 milhões adicionais já em 2025 e R$ 750 milhões no ano seguinte.
Será a partir deste recurso que o governo vai garantir o já anunciado SUS Gaúcho. O programa prevê compensações financeiras para os repasses do Ministério da Saúde via Tabela SUS, especialmente para consultas com especialistas, considerados insuficientes e defasados por prefeitos e pelo Estado.
A Secretaria da Saúde vai definir quando dará início ao novo programa e como será feita a aplicação dos R$ 250 milhões previstos para este ano somente após o acordo firmado. Ainda não está confirmado se o governo vai liberar os recursos imediatamente ou parcelados ao longo do segundo semestre.