
Foi em 2021 que trabalhadores rurais aposentados no Rio Grande do Sul começaram a procurar os sindicatos para reclamar de descontos indevidos em suas aposentadorias do INSS, por conta de empréstimos consignados e cartões de crédito que não solicitaram. A Federação dos Trabalhadores na Agricultura (Fetag-RS) orientou os associados a solicitarem a revogação dos empréstimos.
No ofício 243/2021, encaminhado ao procurador regional dos Direitos do Cidadão, Enrico Rodrigues de Freitas, no dia 30 de junho de 2021, o presidente da Fetag, Carlos Joel da Silva, detalhou as irregularidades e pediu providências.
"O comportamento impertinente dos bancos e a inércia do INSS ferem direitos básicos dos consumidores, na sua grande maioria idosos, duplamente vulneráveis", escreveu Carlos Joel, indicando as leis que estavam sendo feridas.
No ofício, a federação pedia que o Ministério Público Federal analisasse medidas cabíveis para obrigar o INSS a bloquear empréstimos consignados, fornecimento de cartão de crédito ou qualquer outro serviço ou valor, "sem o consentimento formal e por escrito do segurado especial".
O ofício deu em nada. Em 26 de julho daquele ano, o procurador Janquiel Neto da Silveira informou que "de ordem do procurador da República Mauro Chichowski dos Santos (...) foi deliberado pelo arquivamento do expediente". A explicação dada à Fetag foi que já havia outras investigações sobre o mesmo tema em andamento.
As reclamações continuaram chegando aos sindicatos, agora acrescidas de outra dor de cabeça para os segurados: o desconto de 2% do salário mínimo para a Conafer (Confederação Nacional dos Agricultores Familiares e Empreendedores Familiares Rurais). O desconto era igual ao que a Confederação dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), à qual a Fetag é filiada, fazia desde 1994, por meio de um convênio com o INSS, sempre com autorização, por escrito, do aposentado ou pensionista rural.
Em 18 de março de 2022, a Fetag encaminhou o ofício 156/2022 a todos os sindicatos de trabalhadores rurais e agricultores familiares do Rio Grande do Sul, ensinando como alertar os associados para descontos indevidos da Conafer ou de qualquer outra entidade, orientando em relação à forma de pedir a suspensão da cobrança e o ressarcimento. Além de recomendar que os lesados fizessem um boletim de ocorrência na polícia, a Fetag sugeriu que formalizassem a denúncia na Ouvidoria do INSS.
Como essas providências não tiveram efeito, em 5 de abril de 2022, a Fetag enviou ao presidente do INSS o ofício número 193/2022, denunciando "ações graves contra aposentados e pensionistas no Rio Grande do Sul" e pedindo "providências urgentíssimas". No ofício, a Fetag explicava que a Conafer não existe no Rio Grande do Sul, não tem nenhum sindicato ou federação filiado e estava fazendo cobranças indevidas de aposentados e pensionistas. São duas páginas detalhando os descontos indevidos, a demora no ressarcimento e a dificuldade da Fetag em conversar com a direção da Conafer.
A Fetag diz no documento que "causa estranheza que a Conafer conseguiu fazer o convênio com o INSS sem ao menos ter registro sindical no órgão competente (o Ministério do Trabalho) e que, mesmo depois de tantas denúncias na ouvidoria do INSS, aparentemente nenhuma providência foi tomada".
Em 5 de maio de 2022, por meio do ofício número 266/2022, a Fetag informa ao então presidente do INSS, Guilherme Gastaldello Pinheiro Serrano, que teve reunião com a direção da autarquia no dia 7 de abril e entregou um dossiê comprovando as irregularidades denunciadas. Dessa reunião, também participaram os deputados Elton Weber (estadual) e Heitor Schuch (federal). O INSS, diz o ofício, pediu prazo até o final de abril para dirimir a questão e implantar o Comitê Executivo criado pela portaria número 919 de agosto de 2021 "com a finalidade de acompanhar o cumprimento das cláusulas do Acordo de Cooperação Técnica celebrado entre o INSS e a Conafer".
A Fetag reiterou que os aposentados reclamam "que efetuam o pedido de cancelamento pelo sistema Meu INSS ou pelo telefone 135, leva muito tempo para cessar o desconto e não conseguem junto à Conafer a devolução dos valores".
Com a troca de governo, a Fetag continuou pressionando o INSS. Carlos Joel até se encontrou com o presidente demitido recentemente, Alessandro Stefanutto, mas o esquema só foi interrompido com a intervenção da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal.
Carlos Joel acredita que as denúncias da Fetag tenham contribuído para a CGU iniciar a investigação sobre os descontos indevidos de aposentados rurais e urbanos, que resultou na Operação Sem Desconto. Com o bloqueio de todos os convênios, a própria Contag não consegue mais descontar em folha os 2% autorizados pelos associados de sindicatos filiados, mesmo os que já fizeram o reconhecimento facial. A Fetag estuda a possibilidade de voltar ao pagamento da contribuição no balcão, hoje facilitada com a existência do PIX e de outras formas modernas de pagamento, como o boleto com QR Code e código de barras.
A preocupação da Fetag agora é "separar o joio do trigo" e mostrar que os descontos para a Contag eram legais e devidamente autorizados. Dos R$ 30,96 descontados de cada associado, a Dataprev fica com R$ 0,10 pelo serviço. Os R$ 29,96 restantes são divididos entre a Contag (5%), a Fetag (20%) e os sindicatos (75%).
O que os sindicatos fazem com esse dinheiro? Carlos Joel diz que prestam serviços que vão desde o encaminhamento de novas aposentadorias de trabalhadores rurais até convênios para desconto em passagens de ônibus intermunicipais, orientação jurídica e assistencial.