
O Prêmio Nobel de Literatura de 2025 foi para um autor que escreve em húngaro – “única língua que o diabo respeita”, segundo o protagonista de Budapeste, romance de Chico Buarque. Não pretendo comentar a obra densa de László Krasznahorkai, isso é coisa para quem entende de literatura, mas lembrar a versão cinematográfica do romance Sátántangó, levado para a tela em um monumental filme, com mais de sete horas de duração, dirigido pelo também húngaro Béla Tarr.
Traduzido por Paulo Schiller e editado pela Companhia das Letras em 2022, Sátántangó é um impressionante relato ambientado em uma espécie de fazenda coletiva decadente, habitada por um punhado de camponeses empobrecidos e desajustados, atolados em lama, umidade e desalento. A iminente volta de um antigo companheiro de assentamento, um tipo que pode ser tanto um líder messiânico quanto um escroque diabólico – ou ambas as coisas –, instila esperança e medo nessa pequena comunidade reunida em uma taverna onde os locais bebem, brigam e dançam grotescamente ao som de um acordeão.
Com colaboração do próprio Krasznahorkai no roteiro, O Tango de Satã (1994) tem o mesmo tempo de duração da leitura do livro, de acordo com Tarr. O longuíssima-metragem replica a estrutura do romance, dividido em 12 capítulos, ou danças, numerados de 1 a 6 e de 6 até 1. A expressiva fotografia em preto-e-branco e os planos longos, tanto com a câmera parada quanto em movimento, contribuem para a imersão nesse mundo de desolação material e existencial. É evidente o retrato da debacle do regime húngaro de inspiração soviética e a crítica à burocracia estatal. Mas a música que embala essa dança é mais solene.
A espera dos personagens remete a Beckett e Kafka – a epígrafe de Sátántangó é retirada de O Castelo: "Nesse caso eu o evito esperando por ele". No filme, Tarr acrescenta uma referência inusitada a Matar ou Morrer (1952) ao pontuar a expectativa pelo retorno do melífluo Irimiás com o tique-taque inexorável de um relógio, lembrando os angustiados moradores de olhos grudados nos ponteiros aguardando a chegada do vilão no clássico western.
Evocando o Bolero de Satã, de Guinga e Paulo César Pinheiro, Sátántangó é caldo espesso de “lágrimas, sangue, veneno”.



