
Donald Trump anda bem ocupado nesta semana - e as relações com o Brasil, ao contrário do que faz parecer, por aqui o telefonema a Lula, é talvez a menor das suas preocupações.
Ok, você deve pensar que ele deve estar mais ocupado com a inflação alta, a previsão de baixo crescimento econômico dos EUA em 2025, a paralisação do governo ("shutdown") e o andamento das negociações entre Israel e o Hamas em Sharm el-Sheikh.
Certo que sim. Mas nada tira mais o sono de Trump do que a escolha do Comitê Norueguês do Nobel.
Egocêntrico elevado a enésima potência, o presidente americano conta as horas para o dia 10, data do anúncio do Nobel da Paz. Até lá, observa um a um os laureados em outras categorias serem elevados ao panteão dos imortais da humanidade.
Mas Trump merece o Nobel da Paz? Vejamos suas chances. Muito antes de os terroristas do Hamas atacarem Israel, há exatos dois anos, o presidente americano, então em seu primeiro mandato, buscava a normalização das relações diplomáticas entre Israel e países árabes. Os chamados Acordos de Abraão foram fechados com Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Sudão e Marrocos - a Arábia Saudita, berço do Islã, estava bem próximo, mas o diálogo foi dinamitado pelo massacre de 7 de outubro de 2023.
Há um comparativo histórico: Jimmy Carter recebeu o Nobel em 2002 em parte devido a sua mediação entre Israel e Egito, os Acordos de Camp David, de 1978.
Trump também não iniciou guerras em larga escala - como George W. Bush, por exemplo. Mas pesa contra ele o fato de ter atacado diretamente dois países soberanos: o Iraque, em janeiro de 2020 (para matar o general iraniano Qassem Soleimani), e o Irã, em 2025, para neutralizar instalações nucleares dos aiatolás.
Trump e seus apoiadores propagam a narrativa de que o presidente americano é um "encerrador" de guerras - seu próprio lema "MAGA" (Make America Great Again) representa, em tese, um governo menos intervencionista. Mas, nesse caso, o que pesa mais a seu favor é o esforço para um cessar-fogo entre Israel e Hamas (mesmo que com um plano cheio de lacunas), iniciativas como as conversas com Vladimir Putin e Volodimir Zelensky (em separado). Vale lembrar que, no primeiro mandato, Trump abriu um diálogo direto - e inédito - com o ditador norte-coreano Kim Jong-un e anunciou a retirada das tropas americanas do Afeganistão. Ainda que, no primeiro caso, não tenha ocorrido nenhum desarmamento efetivo e, no segundo, a retirada dos militares (caótica, diga-se de passagem) tenha sido comandada por Joe Biden.
Outros aspectos pesam contra Trump: o comitê do Nobel costuma premiar autores de iniciativas com impacto humanitário e duradouro, além de iniciativas de âmbito multilateral. O americano, ao contrário, enfraqueceu instituições multilaterais, como a ONU, a OMS e o Acordo de Paris, adotando uma postura nacionalista, o que fere o espírito do prêmio. No âmbito doméstico, seu discurso frequentemente estimula conflitos raciais, ideológicos e partidários. Embora o Nobel possa ser concedido por feitos internacionais, a percepção global é de que ele aumentou tensões internas e externas, algo incompatível com a noção de "pacificador". Nessa caso, vale lembrar a ordem para deslocamento de tropas federais para Portland (Oregon) - barrado pela Justiça -, para sufocar protestos contra sua política migratória. Aliás, a própria agenda antimigração de seu governo, é contrária ao espírito de Alfred Nobel, que definiu que a láurea deve ser entregue: "à pessoa que mais ou melhor tiver contribuído para a fraternidade entre as nações, a abolição ou redução dos exércitos permanentes e a promoção de congressos de paz". Defesa da dignidade humana, cooperação internacional e acolhimento solidário são pilares do escolhido. Discriminação, muros, separação forçada ou sofrimento de civis são desqualificadoras.




