
Donald Trump costuma aplicar uma lógica própria de negociação: primeiro, anuncia o acordo — depois, trata dos detalhes.
É um método arriscado, que levanta dúvidas mundo afora sobre o “como” — mas tem uma vantagem: força as partes a permanecerem à mesa de negociação. Essa tática está sendo aplicada novamente, agora, na guerra do Oriente Médio.
Temos um cessar-fogo?
A guerra acabou?
São duas das perguntas que mais escutei em relação ao conflito no final de semana, desde que, na sexta-feira, o Hamas aceitou libertar os reféns ainda em seu poder em Gaza.
A resposta, até este momento, é dupla: não. Ainda não há cessar-fogo. E a guerra não acabou.
Mas por quê? O que falta?
A primeira resposta é logística. O Hamas provavelmente não sabe onde estão todos os reféns — nem os corpos dos cerca de 30 israelenses mortos em cativeiro, cujos restos podem estar posicionados como escudos humanos em pontos estratégicos. Do lado israelense, há também obstáculos: recuar as tropas significa, possivelmente, reivindicar uma zona de segurança dentro de Gaza, talvez até implementar uma área tampão sob controle internacional.
Mas, sobretudo, o que falta para que tenhamos ao menos arranjo de cessar-fogo é o que sempre faltou no Oriente Médio: confiança. Para qualquer acerto, é necessário algum nível mínimo de confiança a quem está do outro lado da mesa. Mas, como confiar se, de um lado, está um grupo extremista que perpetrou contra Israel o maior atentado terrorista da história, matando centenas, e que, há quase dois anos, mantém ainda 50 reféns em seu território? De outro, como confiar que, entregues os cativos, garantias de guerra, o governo de Benjamin Netanyahu não irá ocupar totalmente o território de Gaza, aniquilando qualquer chance da instauração do Território Palestino? Não que o Hamas esteja muito preocupado com Gaza - aliás, como se viu, a destruição do território e a morte de sua população nunca foram questões para o grupo terrorista.
Sempre foi por poder - dos dois lados, embora um deles, o Hamas, tenha começado essa fase do conflito em 7 de outubro de 2023. O que está em jogo, para a organização extremista, é sua sobrevivência: entregar os reféns significa perder a última moeda de troca, deixar de existir. O que está em jogo para Netanyahu é também poder, sua manutenção como primeiro-ministro. O fim da guerra implica, para Bibi, responder perante o tribunal da opinião pública por que a segurança israelense falhou naquele dia e por que demorou dois anos para trazer de volta aos familiares seus queridos - vivos ou, infelizmente, muitos mortos. Na Justiça de Israel ele já é réu por corrupção.
Confiar em quem? Em Donald Trump, que divulgou meses atrás um vídeo transformando Gaza em uma riviera do Oriente Médio?
Sim, o problema é falta de confiança mútua. Mas não é só isso, embora, admita-se, estamos diante da maior chance de um cessar-fogo possível nesses dois anos de guerra. Como alerta o colega Thomas Friedman, autor do melhor livro sobre o Oriente Médio que tenho notícias (De Beirute a Jerusalém): o que as pessoas dizem em particular é irrelevante. O que importa é o que se diz em público, para seu próprio povo, em sua própria língua. Neste momento, Bibi, Hamas e até Trump, pouco afeito ao jogo diplomático tradicional, medem palavras em árabe, hebraico e, principalmente, inglês.



