
Em qualquer negociação, os momentos que antecedem a assinatura de um acordo — e as horas seguintes ao acerto costumam ser os mais delicados. Esse período, no caso do cessar-fogo entre Israel e Hamas, por si só, é mais delicado por vários motivos: não há intenção clara de construção de confiança entre os dois lados. Mais do que isso, os próprios termos do acerto não foram amarrados de forma a dar garantias exigidas pelos contendores. Resultado dessa falta de comprometimento foi de que nem Hamas nem Israel estavam presentes na celebração liderada por Donald Trump em Sharm el-Sheikh, na segunda-feira (15).
Por que os terroristas enviariam alguém se não pretendem se desarmar? Por que o governo Benjamin Netanyahu estaria presente se, para ele, a guerra não acabou?
O cessar-fogo foi fechado por seus garantidores, personalidades tão pouco confiáveis quanto Trump, que até semanas atrás sugeria a expulsão dos palestinos de Gaza, e o emir do Catar, Tamim bin Hamad Al Thani, o líder de uma monarquia absolutista herediária que abrigou o alto escalão do Hamas, enquanto a população palestina era prisioneira em seu prório território.
Menos de 48 horas depois da libertação dos reféns israelenses e a soltura dos prisioneiros do grupo terrorista, há sinais, infelizmente, de que, a qualquer momento, o cessar-fogo pode ser rompido. Em Gaza, o Hamas retomou os principais núcleos urbanos e protagoniza o expurgo de palestinos suspeitos de ter cooperado com Israel nesses mais de dois de guerra. Em Israel, crescem em volume as vozes ultraconservadoras, inclusive dentro do governo, segundo os quais negociar com terroristas significa capitular.
A confirmação, por Israel, de que o Hamas entregou um corpo errado, como se fosse de um refém, dá fôlego a essas vozes. Não é a primeira vez. No início de 2025, houve um caso em que foi entregue um corpo alegado ser de Shiri Bibas, mas testes forenses mostraram que se tratava de uma mulher palestina não identificada.
A devolução dos corpos de 28 reféns mortos tornou-se um dos primeiros pontos sensíveis de um acordo repleto de ambiguidades. Desde a semana passada, já havia indícios de que o Hamas não conseguiria reunir todos os restos mortais, seja por limitações logísticas, negligência operacional, desconhecimento das localizações ou, em última instância, por deliberada recusa. A situação escancara não apenas a fragilidade da trégua, mas também levanta uma questão incômoda, embora inevitável: seria razoável esperar que o Hamas tratasse com respeito e preservasse os corpos de israelenses, após os horrores perpetrados em 7 de outubro?
A devolução incompleta dos corpos não apenas frustra familiares e agrava o trauma coletivo, como também adiciona pressão ao gabinete de guerra israelense. Em Israel, onde o valor dado à vida e à memória dos soldados e civis é profundo, cada corpo não recuperado é um grito de cobrança.
O momento é de extrema sensibilidade. Qualquer ato falho, frase mal colocada ou gesto de provocação colocará tudo a perder. Não são poucos os que desejam isso.





