
O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
A Universidade LaSalle realizou, na quinta-feira (9), a outorga do título de Doutora Honoris Causa à jornalista e escritora Miriam Leitão. Segundo a instituição, a escolha de Miriam foi motivada por sua atuação ao longo de cinco décadas de trajetória profissional. Além disso, ela é a sétima pessoa — e a primeira mulher — a receber o título.
Ela conversou com a coluna:
Qual o sentimento de receber esse título?
É uma enorme alegria, uma enorme honra, por várias razões: primeiro, pelo título em si, o que ele significa. É uma comunidade acadêmica te dando esse reconhecimento e essa palavra tão gentil. Mas, além disso, é o fato de ser a Universidade La Salle, uma instituição comunitária, uma universidade que teve um papel tão importante durante as enchentes, abrigando, mostrando os seus valores sociais na prática. E por toda a história que ela tem, acho que isso torna isso mais importante. O sentimento que eu tenho hoje é de alegria. Eu saí de casa e mandei para o "zap" da família: "Estou indo hoje ser feliz. Estou indo para o Rio Grande do Sul ser feliz".
Você tem 16 livros lançados, entre não-ficção, ficção e infantis. Quando surgiu a Miriam que escrevia livros infantis?
Acho que ela sempre existiu, porque eu fui uma criança leitora. A menina leitora, na verdade, ela conduz um pouco essa mulher para a vida, porque quem leu muito na infância acaba lendo muito na adolescência, acaba na juventude e vai para o mundo dos livros. Essa paixão, essa relação se constrói na infância. Acho que ficou ali aquele prazer, aquela coisa lúdica... E aí ela ficou ali como se fosse uma semente dormente. Quando meus filhos nasceram, eu, de vez em quando, inventava história, mas a vida é corrida; eu nunca pensava em fazer isso transformado em livro. Quando chegou na hora que eu virei avó, aí caiu toda a ficha. Aí é como se os meus netos tivessem me levado de volta para a menina: "Olha, essa aqui é a menina que você foi um dia". Então, eu comecei a escrever. Tanto que os livros são inspirados em pessoas da família mesmo. Eu tenho um livro que chama O Estranho Caso do Sono Perdido, que foi a partir de um dia que minha neta falou uma frase comigo: "Eu não conseguia dormir", e eu tive um processo criativo e fui escrever o livro sobre a avó que não conseguia dormir, que perdeu o sono e que a neta leva para procurar o sono perdido. As histórias são os passarinhos, os netos na casa dos avós, são várias histórias da própria família que foram fertilizando. Mas se pudermos estabelecer o marco, é o nascimento dos netos, que aí me remeteu de volta à minha infância. E lá eu encontrei aquela menina que não largava do livro, de jeito nenhum.
Os seus filhos também se tornaram jornalistas. Houve incentivo ou seguiram o desejo deles?
Eles são excelentes jornalistas e cada um tem um estilo diferente. Eles têm uma diferença de quatro anos, mas mais ou menos na mesma época foram dizer que queriam fazer jornalismo. Falei: "Vocês vão fazer isso, jornalismo? Por que? Como assim? Tem muita dificuldade, é uma profissão cheia de problemas". Aí me disseram: "Você chegava sempre em casa animada, dizendo: 'hoje eu dei um furo, hoje eu consegui uma informação, eu escrevi uma coluna, eu fiz uma matéria, eu vou fazer uma reportagem'. Você sempre chegava em casa feliz". Mas, ao mesmo tempo, na época que eles eram pequenos, as redações permitiam que as crianças fossem (junto ao trabalho), e eu não tinha quem deixar no plantão. Então, eles fizeram muito plantão junto comigo. Eles dizem que eles já têm muitos anos, já podem até pedir aposentadoria se contar o tempo dos plantões da infância. Eles viveram desse ambiente. O pai também é jornalista, é um ambiente de jornalista mesmo.
E um dos seus livros mais recentes seus é Amazônia na Encruzilhada (Editora Intrínseca). Qual a importância de termos a COP30 no Brasil e na Amazônia?
É fundamental, mas também temos de tomar todo o cuidado com o fato de que a COP dura 20 dias, 15 dias, e temos o desafio da Amazônia para sempre. Eu acho que os riscos estão postos e as chances estão postas. Por isso que o livro fala "o poder da destruição e o tempo das possibilidades", que é o subtítulo do livro. Nós estamos exatamente nessa encruzilhada. Depois de um governo que tinha o propósito de destruir, tinha mesmo um projeto de destruição, fez alianças com desmatadores, com grileiros e tal. Você tem agora a administração da Marina (Silva), que é de derrubar de novo o desmatamento, como ela já derrubou uma vez. Mas não basta. Você tem que discutir várias outras questões, desafios da Amazônia. Uma delas é a reconstrução, é o replantio da floresta, e que pode ser uma saída também. Tem muitos desafios postos. Meu objetivo no livro foi trazer muita informação que eu busco como jornalista, falando com vários atores envolvidos nessa questão, trazendo isso para que o público tenha mais informação sobre a Amazônia. Meu objetivo era esse. Eu não sou especialista em Amazônia. Eu sou especialista em jornalismo econômico, mas eu não olhei só da perspectiva da economia, eu olhei de todas as outras perspectivas, inclusive indo falar com povos indígenas, com climatologistas, com o Ministério Público, nas operações; fui falar com vários tipos de pessoas, além dos economistas com quem eu também falei.
Há a expectativa para uma reunião entre Lula e Trump para as próximas semanas. Essa reunião sairá? Há riscos? O que ter atenção?
Eu acho que vai sair. O roteiro que o Itamaraty fez está se cumprindo. O Itamaraty não queria que o primeiro momento fosse a ida do presidente Lula, exatamente por temer uma armadilha do Salão Oval. Mas ele mandou todos os emissários darem todas as demonstrações de que queria dialogar. Acho que o governo acertou também quando ele não caiu em nenhuma armadilha do ponto de vista dos discursos de raiva. Ele não reagiu às provocações. Primeiro faz o telefonema, depois marca um encontro. Então, acho que agora está maduro para acontecer esse encontro. As portas estão começando a se abrir. Não tem nenhuma razão para ficar esse conflito entre o Brasil e os Estados Unidos. São dois países com economias que têm muito a ver uma com a outra. Produzimos os mesmos produtos, outras se complementam. E tem empresas americanas que estão aqui há 100 anos, que vendem para ela mesma a partir do Brasil e compram dela mesma a partir do Brasil. Então, não tem nenhum motivo para esse ambiente de contencioso. Isso foi artificial. E o que o Itamaraty e o governo brasileiro trabalharam é para dissolver exatamente a tensão e isso ele está conseguindo. E vamos buscar passo a passo para ver se chega. O ideal é o quê? Voltar à normalidade, diminuir as tarifas, voltar ao comércio. O Brasil tem muitos interesses no mercado americano e eles também no nosso.
Falta um ano para as eleições de 2026. Será uma eleição de bandeiras? O foco será econômico ou na polarização?
Acho que vai ser uma mistura de bandeiras. Porque a economia sempre vai ser importante. A economia, ela sempre determina o humor do eleitor. Se a inflação está alta, por exemplo, o eleitor fica mal-humorado com quem tiver no poder naquele momento. E isso já se provou em várias eleições. Muita gente diz que a economia deixou de ser importante. Não, a economia não deixou de ser importante. Acho que a polarização, ela constrói um ambiente artificial de fla-flu que, às vezes, faz (parecer) que mesmo a economia não tenha tanto efeito como já teve no passado. Ela sempre será importante. A questão democrática continuará sendo importante. A direita precisa se afastar da extrema direita. A extrema direita já provou que é golpista. Se a direita se aproxima do centro, ela constrói soluções, ela constrói uma opção. E o atual governo tem a sua aliança e apresentará a sua proposta também democrática. O importante é que haja forças democráticas disputando a presidência. O importante é sempre a preservação da democracia. Ela nos custou muito caro e correu riscos agora. E o Brasil está vivendo um momento inédito, que é de prender inclusive generais de quatro estrelas. Acho que a democracia continuará sendo uma discussão importante. Quem tiver mostrado ao longo de todo esse debate dos últimos anos uma posição oscilante sobre os valores democráticos, esse pode ser cobrado nas urnas, pode perder muito o eleitor de centro, que é o eleitor que decide a eleição.
Você cobriu Lula 1, 2, agora Lula 3. Há diferenças? Quais é possível elencar?
Eu acho que não. Acho que ele continua com as mesmas. Alguns projetos são os mesmos. Por exemplo, o combate à pobreza. Ele foi muito bem-sucedido no primeiro e no segundo governo. E agora ele volta, pegou um país que tinha aumentado o número de pobres, aumentado de novo, voltado para a linha da pobreza e voltou para o combate à pobreza com programas sociais mais amplos. O combate ao desmatamento também. Mas ele é uma pessoa diferente hoje. Ele é mais velho. Até o grupo que o cerca não é um grupo que tinha tanta intimidade com ele. Agora são pessoas mais jovens e que não têm tanta intimidade do primeiro governo. Então, isso faz com que ele tenha hoje uma relação com toda a equipe um pouco mais distante do que já foi no passado. Acho que ele voltou depois de tudo que ele viveu; ele voltou na defesa da democracia e ele permaneceu defendendo ali a democracia.
O que ainda dá gás para a Miriam Leitão continuar trabalhando?
Primeiro, porque eu sou apaixonada pelo jornalismo. Segundo, porque eu não aceito que os ataques me tirem do jogo. Então, eu vou continuar no jogo. Então, pode me atacar à direita, à esquerda. Eu não vou me importar. Eu vou definir uma linha de ação, primeiro. Eu não vou ficar em bate-boca em rede. Nem pensar, isso eu não vou fazer. Eu vou me defender das mentiras. E, às vezes, até judicialmente. Tenho um processo contra o senador porque ele disse coisas absurdas de mim no plenário. Que eu assaltei, que eu fiz isso e fiz aquilo. Enfim, eu nunca peguei em armas. Minha luta sempre foi pacífica e pelo mundo das ideias. Mas eu não deixo isso me abater. Eu já passei por várias ondas de haters. Mas eu me blindo. Porque eu acho que eu estou no mundo da comunicação. É onde eu quero estar. É onde eu sempre quis estar. Eu estou no mundo da comunicação de ponta a ponta. Eu sou uma pessoa da comunicação e ninguém vai me tirar daqui.
O que diria para uma pessoa que está começando no jornalismo?
Que o jornalismo vai continuar sendo muito importante. Que a ideia de que agora todo mundo se comunica, todo mundo pode ter o seu blog, pode ser um influencer, que o jornalismo não é mais importante... O jornalista é o que entrega a informação verificada. O bom jornalista é aquele que checa e confirma e dá a informação verificada. Então, nós continuaremos sendo fundamentais. O jovem jornalista deve não se deixar assustar por esse monte de ruído que o mundo da comunicação tem. Porque a estrada na qual o jornalismo profissional vai, ela continuará sendo fundamental para a sociedade. Porque nós entregamos a informação com qualidade. E o mais neutro possível, mais olhando todos os lados de uma questão. Esse é o nosso papel. Nosso papel continua sendo fundamental na sociedade, mesmo que haja todo esse ruído nos cercando.

