
Marcos Troyjo, economista e ex-presidente do Novo Banco de Desenvolvimento, o chamado Banco do Brics, foi o palestrante do tradicional Almoço da Exportação, promovido pela ADVB-RS e realizado nesta quinta-feira (22) na sede da Fecomércio, em Porto Alegre. Ele conversou com a coluna.
Como o exportador gaúcho deve se comportar diante de um cenário de polarização? Um Estado onde ou se é Grêmio ou Inter, como se comportar diante da instabilidade internacional e a guerra comercial entre EUA e China?
De forma Gre-Nal. “Grenalisticamente” (risos). A experiência tem mostrado que os países que vão ganhar serão aqueles que conseguem extrair vantagens de uma forma ou outra de. Singapura é assim, Arábia Saudita é assim. Indianos têm feito isso. Os Emirados Árabes também. O Brasil tem que jogar esse jogo de maneira que o principal GPS seja os próprios interesses do Brasil.
Tirando o melhor de cada um?
É verdade que a China é o principal destino de nossas exportações. E é verdade que existe um investimento chinês, que não está orientado aos ciclos político-eleitorais. Está menos preocupado com os resultados trimestrais de um país, é mais estratégico. Aliás, esse é um investimento que vem da China, da Cingapura e de alguns países do Oriente Médio. E não é pequeno. Agora, os EUA têm um mercado de capitais mais fecundo, com grande estoque de liquidez. Por exemplo, se os EUA perceberem no Brasil o aumento das chances relativas de vitória de um candidato (nas eleições presidenciais do ano que vem) comprometido com reformas estruturais, sobriedade fiscal e diminuição do papel do Estado na economia, entre maio e outubro de 2026, será um período de grande alocação de investimentos vindos dos americanos. O calendário político no Brasil é irrelevante para o chinês para investimento. Mas é fundamental para o interesse americano. Acho que a China vai comprar mais do Brasil alimentos, commodities minerais e vai fazer mais investimentos em CapEx verde (integração de práticas de sustentabilidade e responsabilidade social na gestão dos investimentos de capital). Mesmo porque uma das áreas em que a China está mais retaliando os EUA na guerra comercial é o setor de minérios. As primeiras restrições que Xi Jinping anunciou em relação aos EUA foi a exportação de minerais críticos, o que machuca a indústria de TI, além de soja, milho, boi, porco e frango. Qual é o único país do mundo com capacidade de agilidade e de proporção a funcionar quase como substituto perfeito nesse fluxo de exportações americanas para a China? É o Brasil. Então, vai aumentar.
E em relação aos EUA?
Setor têxtil. Um dos países que mais sofreram com a imposição de tarifas dos EUA foi Bangladesh. Se essas alíquotas não forem retiradas, isso vai retirar a competitividade de Bangladesh. Só que os americanos não terão capacidade própria. Significa que terão de mudar de fornecedor, o que significa uma grande oportunidade para o Brasil. Em relação ao mercado americano, a Amcham (Câmara Americana de Comércio para o Brasil), a Fiergs e a Fecomércio poderiam fazer um estudo, uma radiografia, daqueles bens que tradicionalmente os EUA estão comprando desses países do Sudeste Asiático e que, por conta da imposição de tarifas, essas exportações ficarão inviáveis ou essas nações irão perder competitividade. E nós brasileiros, exportadores, podemos ocupar um pouco esse espaço.
Como a inteligência artificial pode influenciar o desenvolvimento dos fluxos comerciais?
Você tem a instrumentalização da IA como ferramenta de identificação de acesso ao mercado, mapeamento de demandas. Estou no conselho de uma empresa exportadora de proteína animal com várias unidades na América Latina e no Brasil e fico impressionado com uma ferramenta: quando chega uma demanda externa, você pergunta qual é a possibilidade mais efetiva de fornecimento daquele corte específico, levando em consideração frete, tempo de resfriamento, etc. E ela te dá uma resposta. Cada vez mais essa será uma ferramenta de comércio eletrônico. Também é importante pensar a IA como potencial de investimento. Os sauditas disseram que a próxima onda de investimento será na IA verde, porque se tem um bicho que chupa energia no mundo é IA e criptomoedas. A Amazon está montando data centers para IA na Espanha que consomem o equivalente a uma cidade como La Coruña. Uma das razões pelas quais se tem tanto investimento em cidades como Riad é porque a energia é muito barata lá. E está chegando um momento de preferência por esse tipo de investimento por fontes renováveis: fotovoltaica, eólica e hidro, onde temos grandes chances.
Como foi a experiência de presidir o Banco do Brics, um grupo de países que é visto com integrantes antidemocráticos, iliberais e com nações como adversárias por boa parte do mundo, em especial pelos EUA?
Quando os Brics surgiram eram uma espécie de sinônimo do futuro da economia mundial. Jim O'Neill fez um cálculo: em 2030, Brasil, Rússia, Índia e China cada vez mais abocanharão uma fatia crescente do PIB mundial. O que é verdade, sobretudo em razão da expansão da China e da Índia, menos verdade em relação à Rússia e Brasil. Foi passando o tempo e o que era Brics como sinônimo de futuro da economia mundial, se transformou em uma reunião entre chefes de governo de quatro países originalmente (depois a África do Sul) que passaram a se reunir regularmente e decidiram criar um banco de desenvolvimento, do qual fui presidente. Posso dizer o que tentei fazer: mobilizar capital para investimento em infraestrutura nos países, inclusive no Brasil. Uma parte do que será utilizado na reconstrução da infraestrutura do RS foram projetos do tempo em que eu estava lá via BNDES e BRDE. Agora, da cúpula de 2023 para cá, você colocou o Irã, o país mais sancionado do mundo, Etiópia, mais adiante, Cuba, quer dizer… perdeu um pouco aquela ideia inicial. Mas torço para que os Brics não se tornem alguma coisa que você não levaria para casa para apresentar a seus pais.