
O jornalista Vitor Netto colabora com o colunista Rodrigo Lopes, titular deste espaço.
Frade dominicano, teólogo e escritor, Frei Betto é nacionalmente conhecido pelos seus estudos sobre e conclaves. Adepto da Teologia da Libertação, foi militante de movimentos pastorais e sociais. Ele conversou com a coluna sobre as suas impressões sobre o processo na Capela Sistina, que começa na quarta-feira (7) e sobre o perfil do próximo papa.
Entre os principais nomes que aponta estão como papáveis estão o cardeal italiano Matteo Zuppi, o britânico Timothy Radcliffe, o ganês Peter Turkson, e o filipino Luis Antonio Tagle.

Como o senhor acha que será o conclave?
A maioria dos cardeais foi nomeada pelos papas João Paulo II e Bento XVI, embora a maioria dos cardeais eleitores tenha sido nomeada por Francisco. Ou seja, dos 252 cardeais da Igreja Católica hoje, a maioria vem dos 34 anos de pontificados anteriores a Francisco (somando-se os papas polonês e alemão). Não que tenham se tornado cardeais durante o pontificado, mas se tornaram bispos e, posteriormente, arcebispos até que receberam o título de cardeais. Francisco nomeou 80% dos 133 eleitores e o que interessa é que durante esse pontificado, a metáfora utilizada sobre a Igreja Católica era um corpo conservador com a cabeça progressista. Ele teve muita resistência dentro da Igreja, algumas poucas explícitas, como nos Estados Unidos, em que bispos chegaram a chamá-lo publicamente de comunista. Mas, no mundo inteiro, aqui no Brasil eu vi isso, bispos não xingavam, mas diziam: "Esse Papa não me agrada, está indo longe demais". Principalmente, na questão de costumes, como o da homossexualidade, etc. A minha previsão é de que teremos um conclave longo. Prevejo quatro ou cinco dias, porque acho que vai haver muita disputa.
De que tipo?
Conheço um cardeal que participou de dois conclaves e me revelou bastidores. Ele disse que, nos conclaves, os cardeais dos EUA sempre querem emplacar um dos seus pares. Mas como são muito ricos e arrogantes, a rejeição também é grande. Então, eles não têm chance. Segundo, a África é o continente em que o católico mais se expande ultimamente. Ainda não é o que tem maior número de católicos, a América Latina continua predominando, mas é onde exponencialmente mais cresce. O último papa africano foi no século 5: houve três papas africanos. Os africanos se sentem no direito de agora ser a vez deles. Mas são conservadores, com exceção do cardeal (Peter) Turkson, de Gana, que, aliás, nem vive mais lá: ocupa um cargo na Cúria romana. É o único mais aberto, que poderíamos considerar mais na linha de Francisco. Há tempos, não há um papa asiático, então o cardeal (Luis Antonio) Tagle, das Filipinas, também corre nas apostas. Ele é jovem, tem 67 anos. Não acredito em um jovem nem muito idoso. Acredito que será um papa com seus 70 ou 80 anos. Porque o pontificado do João Paulo II foi longo demais, 26 anos. Isso, atualmente, cansa a Igreja. O papa é o único monarca absoluto, aquele que não tem nenhuma instância abaixo que possa questioná-lo, censurá-lo, processá-lo, julgá-lo ou condená-lo. Só que, claro, os papas não são imbecis, então não usam desse poder. Por exemplo, Francisco convocava sínodos com muita frequência para ver se a Igreja avançava. Ele podia ter decidido tudo da cabeça dele, mas seria um trauma, provocando até cisma se ele falasse, por exemplo: "Quero liberar o celibato facultativo". Há um terceiro cardeal que corre por fora, que é o Timothy Radcliffe, do Reino Unido. É o teólogo preferido de Francisco e assessorou o sínodo, inclusive os sínodos abrem com retiro espiritual para os místicos e cardiais. Quem pregava, invariavelmente, era Radcliffe. É muito respeitado pelo Colégio Cardinalício. Há um quarto que, se eu tivesse de fazer uma aposta de um nome o faria: o papado vai voltar para as mãos dos italianos. E seria o cardeal (Matteo) Zuppi, de Bologna. Por ser o presidente da Conferência Episcopal Italiana, a CNBB da Itália.
Embora Francisco tenha criado 80% dos cardeais votantes, não significa que todos sejam progressistas, correto?
Quando Francisco nomeia esses cardeais, não significa que pensam como ele. Ele leva em consideração o consenso dos bispos locais. Nem todos os que nomeou são progressistas. Tem conservador, moderado, um pouco de tudo.
E pode ter influência? Tanto internamente entre os eleitores quanto entre os não votantes?
Evidente. Eles participam do conclave, almoçam juntos, vão para a missa juntos, participam das discussões, das congregações... Eles só não votam. (Estão no) corredor, no recreio, fumam juntos, bebem vinho juntos, tudo. E muitos que votam respeitam cardeais mais velhos, até porque alguns estão fazendo carreira graças àqueles padrinhos.
E a polarização externa também afeta na hora da votação?
Evidente. Eles estão ali como reflexo dessa polarização, não há a menor dúvida. Por isso, acho que vai ser um cardeal de moderado a conservador. Não teremos um Francisco de novo, ou mais avançado, isso eu descarto.
A Igreja está percebendo que está perdendo fiéis. Isso pode estar na mesa dos debates na hora do conclave?
Acho difícil porque, embora isso seja real, principalmente na Europa, o esvaziamento é enorme, bispos e cardeais não se convencem desse drama. Para mim, é um drama. Isso tem explicação, que foi a censura feita por Bento XVI e o João Paulo II das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs), que era o novo modelo pastoral da Igreja, onde ela crescia enormemente no meio do povão. Hoje, você vai a uma missa de domingo, e está aquele casal de classe média. Onde está a cozinheira dele, onde está a faxineira, o porteiro do prédio dele? Está nas igrejas evangélicas. O problema é que os bispos não se dão conta desses esvaziamentos. E a causa disso tudo, é o pecado que o Francisco mais denunciou durante o pontificado: chama-se clericalismo. Tudo centrado na figura do padre. O padre não tem ligação com a comunidade, porque, a cada missa, é um diferente. Você vai a uma igreja evangélica, o pastor é o mesmo em todos os cultos, há uma identificação. Além disso, há um espírito comunitário que só tinha nas CEBs e que a Igreja Católica perdeu. É muito importante você ir a uma comunidade e ser reconhecido, principalmente para quem é pobre, porque não tem visibilidade social, mas a tem dentro da vida eclesial. É o que faz as pessoas adorarem as igrejas evangélicas. O cara não é ninguém aqui fora, é varredor de rua, trabalha na prefeitura e chega lá e é o irmão ou irmã.
Alguns estudiosos apontam que Francisco era mais progressista no discurso do que nos atos. O senhor vê dessa maneira?
Não. Ele era muito coerente com o discurso. O problema é que as mudanças concretas não dependem dele. Ele podia (ser assim), era um monarca absoluto, mas convocava as instâncias da estrutura da Igreja como os sínodos para ver se avançava. E os sínodos não aprovavam o que ele propunha, esse é o problema. Ele quis abrir a questão das mulheres no sínodo, quis levar a questão dos homossexuais. Conseguiu a aprovação de que todo sacerdote é obrigado a batizar filhos e filhas de homossexuais. Também que nenhum sacerdote pode negar uma benção a um casal homoafetivo, mas ele não conseguiu que essa a benção tivesse caráter sacramental. Não houve incoerência. Uma coisa é o que eu falo e outra é quando quero operacionalizar uma estrutura tão pesada quanto a da Igreja. Tenho de levar em conta as instâncias.