
De olho na COP30 — Conferência das Nações Unidas para a Mudança Climática, que ocorre em novembro no Pará —, a coluna conversou com Natalie Unterstell, presidente do Instituto Talanoa, uma organização que atua para o desenvolvimento de políticas climáticas e em frentes de combate aos impactos socioambientais. Confira os principais pontos da entrevista:
Quais as expectativas para a COP30?
Temos uma expectativa inicial que a adaptação seja prioridade, porque esse é o tema com mais decisões a serem tomadas nessa conferência. E é o assunto que mais toca na nossa vida. Estamos aqui em Porto Alegre (a coluna conversou com Natalie durante o South Summit Brazil), nesse lugar que há quase um ano estava embaixo d'água. A adaptação é isso. Como é que nos preparamos para esse cenário de que outra enchente virá? Esperamos ter mais resiliência, mais capacidade de lidar. Já conseguimos convencer o governo brasileiro, a presidência da COP, de que a adaptação é prioridade, mas agora vem a hora dos detalhes do pacote. A adaptação é o tema do ano, e não um assunto para depois. Mas, quando falamos de adaptação, algumas pessoas pensam que a transição dos combustíveis fósseis ficou para lá e é exatamente o oposto, porque não tem como se adaptar a um mundo 3°C mais quente. Não existe adaptação se você não fizer a transição o mais rápido possível. E esse é um outro tema que é importante dizer. Não tem um mandato, uma obrigação de que os países sentem e tomem uma decisão, mas, obviamente, aquilo de que mais precisamos é um sinal político. A expectativa é que a presidência brasileira consiga emitir um sinal, que nesse momento é muito difícil. Temos o fator (Donald) Trump, temos guerras, os lobbies das companhias de combustíveis fósseis, então é um cenário difícil, mas caminhamos para que, pelo menos, possamos trazer mais vida para o Acordo de Paris.
Se o tema do ano for adaptação, o que deveria constar no documento final?
Estamos falando aqui de Porto Alegre e estamos vendo o que poderia ser feito para que as infraestruturas de uma cidade e as pessoas estivessem preparadas e estivessem mais protegidas. O que teria de ter funcionado no ano passado que não funcionou? Os diques, as bombas, a drenagem, então a adaptação é aquilo que precisamos realmente resolver. E o que pode constar no pacote são as obrigações e oportunidades. Acho que tem três grandes pontos: um é como você mede a adaptação. Tem uma questão que chamamos de indicadores do objetivo global de adaptação. Por que é importante você medir? Porque é a partir das medidas que você vai calibrar o financiamento, que você vai calibrar as coisas que você precisa fazer. Isso nos ajuda a falar: adaptação é visível, é real, é concreto e como é que enxergamos. A outra coisa é o financiamento. No ano passado teve a decisão dos US$ 300 bilhões em fundos públicos até 2035 e uma necessidade de caminharmos para US$ 1,3 trilhão. Esse é um ponto muito crítico, porque vai ser feito um relatório pelo Brasil, que vai ter de mostrar como é que alcançaremos esses trilhões, e ali é preciso ter uma baita concretude em relação aos mecanismos para isso. De onde vem, quem vai dar o dinheiro, como vai ser. O terceiro é um chamado para que não invistamos mais em infraestruturas que não sejam resilientes, porque está acontecendo aqui no Brasil e no resto do mundo. Estamos investindo R$ 1,7 trilhão no (Programa de Aceleração do Crescimento) PAC, e eu pergunto: o que tem de adaptação nele? Mas isso se repete mundo afora, nos Estados Unidos, nas economias mais pobres, nas mais avançadas. Assim como tem o chamado para fazer a transição para longe dos combustíveis fósseis, é um chamado para ficar longe das coisas que não sejam resilientes.
Como você avalia o nome de André Corrêa do Lago para a presidência da COP30?
Excelente. É talvez o diplomata brasileiro mais experiente nessa temática, uma figura com uma visão superfresca, ambiciosa do mundo, alguém com quem eu tive o prazer de trabalhar e acho que ele é muito agregador, muito visionário. Acho que estamos em excelentes mãos, mas ele tem uma tarefa muito difícil, porque hoje estamos nesse cenário com esse maluco do Trump, dando instabilidade em tudo. Acredito que ele vai usar a COP também como um palco para algumas possíveis maluquices, então a tarefa do André é árdua, e ele precisa do apoio de todo mundo.
A COP29 contou com pouca participação de líderes mundiais. Acredita que o Brasil conseguirá agregar mais representantes?
Acho que o Brasil tem muito mais poder de convocatória, é um país muito legal e que tem muito amigos, então acho, sim, que vêm aí os parceiros tradicionais do Brasil. Acho que neste momento precisamos muito reforçar a confiança no sistema multilateral, reforçar os mecanismos de solidariedade, e já começamos a ver, por exemplo, China e França lançarem uma carta reforçando o Acordo de Paris, reforçando a transição para longe dos combustíveis fósseis, então eu acho que vamos ter, sim, um caldo aí de figuras importantes, chefes de Estado que virão ao Brasil para poder reforçar, engrossar esse coro.
Há mais de um ano o o governo não tem autoridade climática. Como deveria ser esse cargo? Deveria sair antes da COP30?
Vamos ser bem claros: não é um cargo. A discussão não pode ser sobre quem vai ser, a discussão tem de ser qual é essa estrutura. E sim, a expectativa é que isso saia antes da COP, mas como uma estrutura, porque hoje temos um grande vazio. Falávamos de adaptação e hoje não temos adaptação, não tem um lugar, uma agência que está cuidando disso em tempo integral, com a estrutura. Essa é a nossa expectativa, que venha uma nova governança climática e que ela tenha autoridade, mas tenha também um conselho participativo, porque hoje um dos grandes buracos que vemos também na política brasileira é que ela está muito centrada no governo federal. Hoje não temos um espaço deliberativo que conte com os governos dos Estados, dos municípios, com a sociedade civil organizada, com a academia. Por isso que falo de nova governança. Não é só uma autoridade, você tem que ter uma agência operadora, mas você tem que ter ali um conselho estratégico, direcionador.
Qual a importância de aliar os setores da tecnologia, empreendedorismo e investimentos com o tema da resiliência?
Tudo o que fizermos a partir de agora, qualquer tese de investimento, ela tem de vir com resiliência, tem de vir com adaptação acoplada. Fiquei muito feliz de vir aqui (no South Summit Brazil) e de ouvir várias teses de adaptação, de pessoas que estão empreendendo, que estão colocando em pé negócios e visam estabelecer e apostar em tecnologias de adaptação. Acho que já estamos nesse caminho. Acho que temos de abrir essa espécie de caixa de Pandora e ver o que sai, e tenho certeza de que vão sair coisas muito boas. Tem que usar o capital social e a energia criativa do setor privado para achar essas soluções o mais rapidamente possível.