Depois da derrubada do regime de Bashar al-Assad, no final de semana, fui atrás dos meus HDs em busca de fotos do dia em que entrei na Síria. Não encontrei nenhuma entre as mais de 600 imagens da cobertura da guerra entre Israel e Hezbollah.
Fotografias nos jogam de volta ao momento exato do fato passado. A falta dos registros me arremessou ao sentimento de 2006: medo.
Não tirei fotos na Síria por medo de levantar suspeitas: como se sabe, ditadores não gostam de jornalistas. Desembarquei no aeroporto de Damasco vindo de Istambul, na Turquia. Meu objetivo era o Líbano, o país da guerra, mas, como o espaço aéreo estava fechado, o jeito era entrar por terra.
Nos 80 quilômetros entre o aeroporto e a fronteira, os faróis do carro iluminavam pôsteres gigantes com o rosto de Al-Assad, havia muitos militares nas ruas e uma sensação, onipresente, de estar sendo vigiado. O regime de Al-Assad tudo sabia. Em minha mente, apareciam fantasmas: as ligações da elite estatal com nazistas foragidos e a Stasi, a repressão política, os calabouços com indivíduos esqueléticos em celas superlotadas.
Na fronteira, guardas com os uniformes desgrenhados vasculharam, com olhar de suspeição, meu veículo em busca de armas. Encontraram câmera, microfone, caneta e papel. Como eu estava apenas em "conexão", deixaram que eu passasse com o equipamento.
O cenário do outro lado não era muito mais animador: encarei a madrugada na estrada até Beirute, mas essa é outra história. Voltaria à Síria alguns dias depois no final da cobertura. Naquela noite, na saída, eu ficara 10 horas sem comunicação com a Redação de ZH devido a problemas nas linhas. Passei por Homs, que seria devastada anos depois, e dormi em um hotel Sheraton, em Damasco, que em nada lembra a luxuosa rede hoteleira. Em 2012, voltei à fronteira Líbano-Síria, mas minha entrada demorou tanto para ser autorizada que desisti do visto.
Não conheci a Grande Mesquita de Damasco, a Cidadela de Aleppo e as Ruínas de Palmira. Cobertura jornalística não combina com turismo. Conheci apenas um recorte de um país sob o regime cruel. De todos os países em guerra, a Síria de Al-Assad foi a que mais me meteu medo. Quem sabe um dia, em tempos de paz, eu volte para fotografá-la. Quem sabe...