Na segunda-feira (26), a coluna levantou a discussão sobre a importância da internacionalização na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), diante da polêmica que movimenta a comunidade acadêmica depois de mudanças administrativas que, na visão de críticos, leva à perda de relevância e autonomia da Secretaria de Relações Internacionais (Relinter).
Na ocasião, o pró-reitor de Inovação e Relações Internacionais (PROIR) da UFRGS, professor Geraldo Jotz, respondeu a uma série de perguntas enviadas pela coluna a respeito das mudanças, entre elas perda de espaço físico, transformação do Departamento de Mobilidade em Coordenação de Mobilidade Internacional e a incorporação da Relinter à Pró-Reitoria comandada pelo docente (leia aqui).
Em reação às considerações, o professor Nicolas Maillard, ex-secretário de Relações Internacionais da UFRGS (2013-2020), escreveu à coluna. O docente, que é professor de Computação do Instituto de Informática e diretor do Instituto Latinoamericano de Estudos Avançados (Ilea), traz uma outra perspectiva da situação.
Segue o posicionamento de Maillard.
Mais que discutir ações relativamente pontuais como orçamento ou espaço físico da Relinter (embora, a curto prazo, estas sejam talvez as mais críticas), quero apresentar aqui outra visão da importância que possui um setor de Relações Internacionais para uma universidade como a UFRGS. O Pró-reitor entende que o papel da Relinter é "dar apoio e transparência nas questões institucionais e internacionais". Há um mal-entendido essencial a respeito das missões de um setor de Relações Internacionais, na universidade de 2021.
Os aspectos "interinstitucionais" e contatos mais políticos (por exemplo, com embaixadas) são uma parte muito limitada desta missão. O que define o setor de Relações Internacionais são os programas estruturais que ele gerencia, e que possibilitam operar interfaces entre a UFRGS e seus pares em outros países. Os contatos servem apenas como meio, para ser eficiente e ganhar espaço nos programas.
Mais importante ainda, estes contatos são a consequência, não a causa, da participação de equipes inteira de gestores em programas de colaboração internacional, promovidos pelo Brasil ou por países parceiros.
Posso citar, entre muitos outros, o ex-programa Ciência Sem Fronteiras; o programa Capes-Print; o programa Marca; os programas europeus Erasmus+ ou Horizonte Europa; a participação na rede de Institutos Confúcio, ou a criação de um centro com fomento do DAAD como o CDEA… É pela participação ativa nestes graças ao acúmulo de competências pelos gestores da Relinter, durante anos, e com a construção de equipes e departamentos inteiros reconhecidos nos mais de 25 países parceiros estratégicos da UFRGS, que se consegue convites e oportunidades para toda a comunidade acadêmica da UFRGS. Na base destas competências e estruturas é que surgem depois os contatos políticos.
A internacionalização da universidade não se impõe de cima para baixo, mas pelo contrário surge do reconhecimento de competências adquiridas, e da confiança nas equipes. É nesta lógica que a questão da mobilidade estudantil e do departamento a gerindo (DEMOB) precisa também ser pensada. Caso se tratasse apenas de prestar serviços pontuais a alguns alunos tomando iniciativas de viagens individuais, não haveria necessidade de ter um setor específico para isso. Entretanto, o DEMOB foi, desde 2011, onde se sistematizaram e se regimentaram todas as oportunidades relacionadas a estudar um semestre em outra instituição. Significa informar alunos da UFRGS e receber alunos estrangeiros, mas também e sobretudo: tratar de questões de visto e de Polícia Federal; de equivalência entre os cursos; de dupla diplomação; de análise de currículos de cursos; de matrícula na UFRGS; de procedimentos seletivos para o envio dos alunos; de captação de bolsas, às vezes em conexão direta com a instituição estrangeira; de escrita e divulgação de editais seletivos; de elaborar os convênios que amparam necessariamente estas mobilidades…
Friso ainda que a mobilidade, assim como as outras ações de internacionalização da Relinter, não se restringe a um dado segmento acadêmico: a Relinter trabalha com alunos de graduação, mas também de pós-graduação. Com pesquisadores estrangeiros convidados ou enviados para o exterior, e com estagiários. Recentemente ainda promoveu uma atividade com servidores técnico- administrativos do CPD. Ou seja, a Relinter tem uma abrangência transversal que justifica que não seja absorvida por uma dada Pró-Reitoria.
A transformação de um Departamento em Coordenação não é uma simples mudança de denominação, mantidas as atividades. Ela significa a extinção de coordenações que existiam dentro do DEMOB, em particular de uma absolutamente essencial que gerenciava as parceria com a América Latina e Caribe. Estas, que foram sempre o diferencial da UFRGS, têm sido especialmente desagastadas desde outubro de 2020. A transformação também significa a perda direta de uma pessoa na equipe: onde havia um secretário titular e uma diretora que era também vice-secretária, sobra apenas uma secretária.
A incorporação da Relinter dentro de uma Pró-Reitoria, seja qual for, a leva a perder visibilidade, autonomia e, mais importante, a ser limitada regimental e orçamentalmente ao escopo da Pró-Reitoria. Muitos entenderiam que a Relinter fosse, não rebaixada a ser um departamento de uma Pró-Reitoria, e sim ampliada para se tornar uma Pró-Reitoria. É assim que as grandes universidades no mundo inteiro estruturam suas relações internacionais. Mas se a decisão é juntar as relações internacionais a outra atividade, escolher a inovação é também arriscado. Querer gerir na mesma estrutura dois temas tão abrangentes e especializados é correr o risco de não conseguir dar a necessária atenção a nenhum deles.
Justificar as mudanças da Relinter pelos resultados nos rankings é duplamente paradoxal. Primeiramente, os rankings de 2021 são baseados em dados compilados em 2020, que, portanto, refletem o que houve nas gestões passadas. Se os rankings são considerados um sinal de sucesso, deveriam levar a manter as equipes e estruturas que deram certo; não como justificativa por uma mudança decidida há três semanas.
Em segundo lugar, os setores encarregados dos rankings na UFRGS têm sido, até 2020, a Secretaria de Avaliação Institucional e a Pró-Reitoria de Planejamento. Não a Relinter.
Em conclusão, a problemática da Relinter vai muito além de uma mudança de nomenclatura e das Funções Gratificadas associadas. Remete a uma questão central no Plano Estratégico (PDI) e de gestão da UFRGS: o lugar no mundo que nossa universidade quer ter, junto com o lugar que entende que o mundo pode ter nela. Uma universidade da importância e do tamanho da UFRGS precisa de um setor de relações internacionais com identidade reconhecida, forte, que represente diretamente o reitor como porta-voz da universidade, e estruturado em acordo com suas missões.
Em mensagem à coluna, também os professores Edison Pignaton de Freitas, ex-secretário da Relinter, e Rozane Rebechi, ex-vice-secretária, que exerceram suas gestões entre setembro de 2020 e julho de 2021, apresentaram contraponto às informações prestadas pela pró-reitoria. Segue posicionamento.
Perda do espaço físico: houve, sim, uma perda significativa de espaço físico da Relinter, que, até a data de nossa saída, no dia 07 de Julho, não havia sido resolvida. A informação de que o espaço foi "ampliado" é imprecisa, uma vez que a sala que se cogitava alocar para a Relinter (e que na matéria do dia 26 se afirma ter sido alocado), não equivale ao espaço perdido, principalmente em importância da localização. A Relinter ocupava uma sala no prédio principal da Reitoria, ao lado do Gabinete do Reitor, e recebeu a promessa de ganhar uma sala no campus centro longe dos prédios da reitoria.
Instituto Confúcio: houve em outubro de 2020 uma tentativa de se tirar o Instituto Confúcio da estrutura da Relinter e realocá-lo na PROIR. Essa tentativa na época foi revertida por uma série de manifestações contrárias a esse movimento. Agora, com o rebaixamento da Relinter a uma secretaria subordinada a uma Pró-Reitoria, o Instituto Confúcio volta a ser realocado na estrutura da PROIR. Os motivos por esse "interesse" no Instituto Confúcio fogem nossa compreensão, uma vez que sua atuação em nada guarda relação com inovação ou relações institucionais.
Quanto à inadimplência com as associações: o gabinete do reitor foi, por diversas vezes, informado sobre a importância da participação da UFRGS em associações como as citadas AUGM e AULP. Entretanto, nos foi pedido um relatório justificando a importância do vínculo com as associações, tentando restringir ao mínimo possível. Esse relatório foi enviado ao gabinete em mais de uma oportunidade sem que nenhuma decisão tenha sido tomada a respeito das associações até a data em que deixamos nossos cargos.
Incorporação da Relinter à PROIR e mudança em sua estrutura interna: vale ressaltar que o argumento de se conferir "agilidade, apoio e transparência nas questões institucionais e internacionais" não se verifica de forma alguma no que se refere ao que foi feito com a Relinter. Na verdade, as mudanças, além de todos os aspectos negativos já mencionados pelo prof. Nicolas, anulam a principal forma motriz da secretaria no que se refere ao andamento de protocolos de cooperação internacional, e em particular a forma como se deu, causando prejuízo em diversos processos em andamento, que tinham editais abertos e protocolos em processamento que devem ser cancelados e eventualmente recomeçados do zero, devido à desorganização administrativa gerada pelas mudanças.
Quanto à extinção do Departamento de Mobilidade Acadêmica, que o prof. Geraldo Jotz denomina "transformação em Coordenação", sem prejuízo de atividades em desenvolvimento, causa espanto o total desrespeito aos 14 acordos em tramitação com importantes universidades internacionais, e outros inúmeros em fase de negociação, que ficaram totalmente à deriva, já que, até o momento, os novos gestores da Relinter não entraram em contato conosco para se inteirarem da situação desses convênios. Se existe uma Coordenação, quem seria o atual responsável pelas atividades desenvolvidas pelo extinto departamento? Ou seja, seguindo a lógica dos atuais gestores, essas parcerias não são importantes, já que se encontram em um limbo e, infelizmente, terão que ser encerradas, caso não sejam assumidas pelos atuais gestores.
Outro ponto transversal foi a perda da importância da Relinter nos espaços de decisão: A atual gestão retirou a participação do secretário e da vice das discussões em importantes espaços decisórios, como sobre o Programa Institucional de Internacionalização _ CAPES _ PRINT na UFRGS, programa da CAPES para internacionalização dos programas de pós-graduação. Parece óbvio que a Relinter deveria participar de toda e qualquer questão relacionada à internacionalização, mas não foi isso que aconteceu.
Ainda com relação à perda de importância da Relinter, nem o então secretário ou a vice sequer ficaram sabendo dos citados encontros com as 16 embaixadas nem das reuniões com Ministério das Relações Exteriores. Ora, um dos papeis da Relinter era exatamente fazer esse tipo de interlocução bem como dar os encaminhamentos necessários internamente na UFRGS. Difícil dizer que a sequência de eventos não foi um esvaziamento gradual do setor para aos poucos extingui-lo.
Para finalizar, vale esclarecer o que o gestor da PROIR entende como "gestão transparente", já que a atual secretária a ele subordinada nunca se propôs a manter um diálogo aberto conosco, diferentemente do que foi feito na transição para a gestão anterior. Vale perguntar a esse senhor, e à atual secretária, o porquê de não nos ter procurado para nos reunirmos e se informar sobre as atividades em andamento.